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INICIAL DO NOME:

SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES

OCORRÊNCIA

30 de novembro de 1973 em São Paulo

DADOS PESSOAIS
Filiação: João Luiz Moraes e Cléa Lopes de Moraes
Data e local de nascimento: 9 de novembro de 1946, em Santiago do Boqueirão (RS)
Profissão: Professora
Atuação política: Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN)
Data e local da morte/desaparecimento: 30 de novembro de 1973 em São Paulo
Organização política: Ação Libertadora Nacional (ALN).

Arquivos

RELATO DO CASO

Nasceu em 9 de novembro de 1946, em Santiago do Boqueirão (RS), filha de João Luiz Moraes e Cléa Lopes de Moraes. Morta em 30 de novembro de 1973. Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Estudou no Colégio de Aplicação da antiga Faculdade Nacional de Filosofia e, posteriormente, na Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, mas não chegou a se formar, sendo desligada pela Portaria 53, de 24 de setembro de 1969.

No Rio de Janeiro, trabalhava como professora de português no Curso Goiás. Casou-se com Stuart Edgar Angel Jones, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), sequestrado e desaparecido em 1971. Em 1° de maio de 1969, foi presa com mais três estudantes por ocasião das manifestações de rua na praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Foram levadas para o DOPS/RJ e, posteriormente, para o Presídio Feminino São Judas Tadeu. Libertada em 6 de agosto de 1969, foi julgada e absolvida por unanimidade pelo STM. Passou a viver na clandestinidade. (Dossiê Ditadura, p. 500)

Em maio de 1970, exilou-se na França, onde se matriculou na Universidade de Vincennes e trabalhou na Escola de Línguas Berlitz, em Paris, onde lecionava português. Com a prisão e o desaparecimento de Stuart pelos órgãos de repressão política, Sônia decidiu voltar ao Brasil para retomar a luta de resistência contra a ditadura. Ingressou na ALN e viajou para o Chile, onde trabalhava como fotógrafa. Em maio de 1973, retornou clandestinamente ao Brasil, indo morar em São Paulo. Em 15 de novembro de 1973, alugou um apartamento em São Vicente (SP), com Antônio Carlos Bicalho Lana (também seqüestrado e morto neste mesmo episódio.

Antônio Carlos e Sônia Maria foram presos em novembro de 1973, no Posto Rodoviário, no Canal 1, em Santos (SP). Antônio Carlos foi agredido por vários policiais tendo recebido uma coronhada de fuzil na boca, segundo testemunhas. De acordo com a versão oficial divulgada em 1º de dezembro de 1973, pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, eles teriam morrido 

em um tiroteio com os órgãos de segurança no bairro de Santo Amaro. A seguir, o relato do pai de Sônia, o tenente-coronel da reserva do Exército brasileiro e professor de matemática, João Luiz de Morais, integrante da luta dos familiares de mortos e desaparecidos políticos no Brasil:

“Sônia Maria Lopes de Moraes, minha filha, teve seu nome mudado, após o seu casamento com Stuart Edgar Angel Jones, para Sônia Maria de Moraes Angel Jones. Ambos foram torturados e assassinados por agentes da repressão política, ele em 1971 e ela em 1973. Minha filha foi morta nas dependências do Exército Brasileiro, enquanto seu marido Stuart Edgar Angel Jones foi morto nas dependências da Aeronáutica do Brasil. Tenho conhecimento de que, nas dependências do DOI-CODI do I Exército, minha filha foi torturada durante 48 horas, culminando essas torturas com a introdução de um cassetete da Polícia do Exército em seus órgãos genitais, que provocou hemorragia interna. Após estas torturas, minha filha foi conduzida para as dependências do DOI-CODI do II Exército, local em que novas torturas lhe foram aplicadas, inclusive com arrancamento de seus seios. Seu corpo ficou mutilado de tal forma, a ponto de um general em São  Paulo ter ficado tão revoltado, tendo arrancado suas insígnias e as atirado sobre a mesa do Comandante do II Exército, tendo sido punido por esse ato. Procedi a várias investigações em São Paulo, visando à aferição desses fatos, inclusive tentando manter contato, porém sem êxito, com esse general, tendo tido notícia de que o mesmo sofrera derrame cerebral, estava passando mal e de que sua família se opunha a qualquer contato e a qualquer referência aos fatos relativos a Sônia Maria. As informações sobre as torturas, o estupro, o arrancamento dos seios de Sônia Maria e os tiros, me foram prestadas pessoalmente pelo coronel Canrobert Lopes da Costa e pelo advogado José Luiz Sobral. Minha filha, em sua militância política, utilizava o nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Em 1° de dezembro de 1973, ao ler o jornal O Globo vi uma notícia sobre Esmeralda Siqueira Aguiar. Viajei imediatamente em companhia de minha mulher Cléa, de minha cunhada Edy, de minha outra filha, Ângela, e de meu futuro genro, Sérgio, para a cidade de São Vicente, dirigindo-me diretamente para a Rua Saldanha da Gama, 163, apto. 301, local onde residia Sônia Maria. Ao chegar a esse local, à noite, encontrei-o ocupado por alguns homens, em torno de 5 (cinco) ao que me recordo, membros das Forças da Segurança. Ao me recusar entregar minha carteira de identidade, cheguei a ser agredido. Após ter sido agredido, ameaçado de ser atirado do 3° andar e de ser metralhado por esses homens, consegui comunicar-me com o superior do dia do II Exército, em São Paulo, quando então, após identificar-me como tenente-coronel, consegui deste uma determinação por telefone diretamente a um dos 5 membros das Forças de Segurança, que me libertassem, mediante o compromisso de dirigir-me para um hotel em São Paulo, onde fiquei juntamente com minha mulher à disposição do II Exército e no dia seguinte prestei depoimentos no DOI-CODI. Durante esse depoimento, indaguei aos interrogadores a respeito do paradeiro do corpo de minha filha, sendo que um destes respondeu que o corpo só poderia ser visto com a autorização do Comandante do II Exército. Na tarde desse mesmo dia, viajei para o Rio de Janeiro em companhia de minha mulher para conversar com meu amigo, general Décio Palmeiro Escobar, Chefe do Estado Maior do Exército, já falecido, o qual me deu uma carta para ser entregue ao general Humberto de Souza Mello, carta essa em que o general Décio pedia ao Ilustre companheiro e amigo que me liberasse, assim como minha mulher, de São Paulo, pois necessitávamos permanecer no Rio, onde dirigíamos um Colégio, bem como fosse liberado o corpo de Sônia para um sepultamento cristão. Regressando a São Paulo em companhia de minha mulher, no dia seguinte, dirigi-me ao Quartel do II Exército para entregar a mencionada carta, sendo certo que o general Humberto não quis receber-me, e a carta foi levada pelo então coronel Hugo Flávio Lima da Rocha, que, ao voltar do gabinete do general, deu a seguinte resposta: o general manda te dizer que, por causa desta carta, você está preso a partir deste momento e, como seu velho companheiro de Realengo faço questão de, pessoalmente, levá-lo para o Batalhão da Polícia do Exército. No Batalhão da Polícia do Exército, fiquei preso durante 4 (quatro) dias, vindo a ser liberado, sem maiores explicações mas com a recomendação de que regressasse ao Rio, nada falasse, não pusesse advogado e aguardasse em casa o atestado de óbito de Sônia que seria remetido pelo II Exército e, quanto ao corpo, não poderia vê-lo pois havia sido sepultado. Somente decorridos muitos anos, pude entender minha prisão, ou seja, naqueles dias Sônia Maria ainda estava viva e sendo torturada e, à medida que era mantido preso, era possível evitar minha interferência, ao mesmo tempo que, com essa prisão, buscavam amedrontar toda a família.

Apesar do desespero, das ameaças e do conseqüente apavoramento, a família continuou insistindo em conhecer os detalhes sobre a morte de Sônia Maria e, nessa procura, o referido advogado, José Luiz Sobral, que se dizia amigo comum da família e do general Adir Fiúza de Castro, então Comandante do DOI-CODI/RJ, prontificou-se em obter esclarecimentos diretamente com esse general. José Luiz Sobral, ao retornar das dependências do DOI-CODI do I Exército, claudicava um pouco, e insinuava “ter levado umas cassetadas”, trazendo-me um presente inusitado: um cassetete da Polícia do Exército, mandado pessoalmente pelo general Fiúza para a família, com a recomendação que não falasse mais sobre o assunto, pois “todos estavam falando demais”. Na ocasião, a família guardou o cassetete sem lhe dar maior importância e só recentemente, há uns 2 (dois) anos, é que pude fazer a interligação dos acontecimentos, ou seja, conclui estarrecido que o verdadeiro significado desse presente é que o mesmo general Fiúza nos enviava, como advertência, o próprio instrumento que provocou a morte de Sônia Maria. Este cassetete se encontra em meu poder, podendo ser apresentado a qualquer tempo. A partir da morte de Sônia, todo final de semestre, nas Declarações de Herdeiros que prestava ao Ministério do Exército, colocava Sônia Maria Lopes de Moraes como minha herdeira, assinalando sempre que “presumivelmente morta pelas Forças de Segurança do II Exército, deixo de apresentar a certidão de óbito porque não me foi fornecida ainda pelo II Exército, conforme prometido”. Essas declarações causavam mal-estar entre os militares, tendo sido aconselhado pelo chefe da pagadoria do Exército a requerer a certidão diretamente ao Comandante do II Exército. Apresentado o requerimento, em setembro de 1978, recebi uma correspondência onde o general Dilermando Gomes Monteiro, então Comandante do II Exército, afirmava que “não cabe ao II Exército fornecer o atestado solicitado. No Cartório de Registro Civil do 20° Sub-Distrito - Jardim América (SP) foi registrado o óbito de Esmeralda Siqueira Aguiar, filha de Renato A. Aguiar e de Lúcia Lima Aguiar. O requerente procure o Cartório em causa, se assim o desejar”. O documento acrescentava, ainda, que “mandara retirar do Cartório referido, por pessoa indiscriminada, uma certidão de óbito registrada, que fora fornecida sem qualquer problema”. A referida correspondência, subscrita pelo Comandante do II Exército, foi o primeiro reconhecimento oficial da morte de Sônia Maria. Apesar de ter requerido o atestado de óbito em nome de Sônia Maria Lopes de Moraes, a resposta do Comandante do II Exército foi a entrega de uma certidão de óbito em nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Tempos depois da entrega desse atestado de óbito, tomei conhecimento de um outro documento, “Auto de Exibição e Apreensão”, datado de 30 de novembro de 1973, em cujo verso há uma nota do DOI-CODI do II Exército, onde, no final, consta um “em tempo: material encontrado em poder de Esmeralda Siqueira Aguiar, cujo nome

verdadeiro é Sônia Maria Lopes de Moraes”. No Cemitério de Perus, consegui encontrar o registro de sepultamento de Esmeralda Siqueira Aguiar, na Quadra 7, Gleba 2, Terreno 486, com algumas rasuras, em datas principalmente. Nessa oportunidade, os ossos de Sônia não podiam ser exumados porque estava sepultado na parte de cima um outro cadáver. Tivemos que aguardar ainda 3 (três) anos para a pretendida exumação, ocorrida em 16 de maio de 1981.

Nessa ocasião reclamei das divergências existentes entre o que constava do laudo assinado pelos legistas Harry Shibata e Antônio Valentin e a realidade da ossada retirada, pois, ao contrário do que constava nesse laudo, o crânio que seria o de Sônia não apresentava nenhum orifício de entrada ou saída de projétil de arma de fogo e estava inteiro. Apesar dessas discrepâncias, levamos os ossos para o Rio de Janeiro, sepultando-os no Cemitério Jardim da Saudade, mais precisamente no Lote 18.874, Espaço B, Setor IV, e, durante um ano, todos os sábados, juntamente com minha mulher, ia ao Cemitério e levava flores em homenagem a minha filha. Além da ação proposta na I Vara de Registros Públicos para retificação de identidade, intentamos outra na Auditoria Militar de São Paulo, pleiteando a abertura de IPM para averiguar as verdadeiras causas da morte de minha filha, bem como a falsidade da certidão e laudo assinados por Harry Shibata e Antônio Valentin. Esse processo, na Auditoria Militar, teve seu curso normal até que o Comandante da II Região Militar, general Alvir Souto se negou a cumprir determinação do Juiz para a abertura de IPM, alegando insuficiência de provas. Nessa ocasião a Juíza Sheila de Albuquerque Bierrenbach determinou a exumação dos restos mortais sepultados no Cemitério Jardim da Saudade, bem como o seu exame pelo

IML/RJ, constatando esse Instituto que aquela ossada não pertencia a Sônia, mas sim a um homem, negro, de aproximadamente 33 anos de idade. Diante do estranho resultado dessa última exumação, a mesma Juíza Sheila Bierrenbach determinou que se fizessem, no Cemitério de Perus, tantas exumações quantas fossem necessárias até serem encontrados os restos mortais de Sônia Maria. Nessa busca, participei juntamente com minha mulher, familiares e amigos ainda de mais 4 exumações nesse mesmo Cemitério de Perus. Terminada a última dessas exumações foi encontrada uma ossada, que poderia ser a de Sônia. Porém, o crânio encontrado também não estava seccionado e os orifícios de entrada e saída de projéteis não coincidiam inteiramente com o laudo. Não tínhamos então a ficha dentária de Sônia, que havia sido perdida por seu dentista, no Rio de Janeiro, Lauro Sued. Não tínhamos elementos de convicção para aceitar aqueles restos mortais como sendo os de Sônia e, por isso, tentamos impugnar as conclusões do IML/SP, apresentando 11 quesitos e 10 fotografias do crânio de Sônia quando esta tinha 11 anos de idade. A juíza, Sheila, finalmente, aceitou a conclusão do IML/SP, no sentido de que aqueles eram, oficialmente, os restos mortais de Sônia Maria de Moraes Angel Jones”. (Dossiê Ditadura, p. 504)

                                                                                                                   

A prisão do casal, em São Vicente, foi detalhadamente planejada, como constatou sua família durante as investigações junto aos empregados do prédio em que Sônia e Antônio Carlos moravam. Costumavam, assim que se mudaram, tomar banho de sol em uma prainha ligada ao prédio e eram observados de um prédio próximo por agentes policiais, mediante uma luneta. Dias depois, os mesmos agentes comunicaram aos empregados do prédio que moravam ali dois terroristas muito perigosos e fizeram-se passar, a partir daquele momento, por funcionários do prédio, para observá-los mais de perto. Certa manhã, bem cedo, quando Antônio Carlos e Sônia pegaram o ônibus da Empresa Zefir, já havia no ônibus alguns agentes, inclusive uma senhora vestida de vermelho. Ao mesmo tempo, nas imediações da agência no Canal 1, em São Vicente, já se encontravam vários agentes à espera, pois pelo menos um deles desceria para adquirir passagens, pois as mesmas não eram vendidas no ônibus. Até hoje, a família não pôde precisar o dia exato da prisão, possivelmente em um sábado, depois de 15 de novembro.

O casal foi delatado aos órgãos de segurança pelo médico João Henrique Ferreira de Carvalho, apelidado pelo DOI-CODI/SP de Jota, citado como modelo de infiltração nas organizações clandestinas durante a ditadura pela antiga Escola Nacional de Informações (Esni). De acordo com matérias publicadas pela revista Veja (em 20 de maio e em 18 de novembro de 1992) com base em depoimento do ex-agente do DOI-CODI/SP, Marival Chaves do Canto, a atuação de Jota “permitiu a eliminação de pelo menos umas vinte pessoas. […] A partir de 1973, Jota delatou todos os comandos da ALN”. A revista citou nominalmente, entre os que morreram em conseqüência dessas delações, Antônio Carlos Bicalho Lana, Sônia Maria de Moraes Angel Jones, Issami Nakamura Okama, Ronaldo Mouth Queiroz, Luiz José da Cunha, Wilson Silva, Ana Rosa Kucinscki, Arnaldo Cardoso Rocha, Francisco Seiko Okama e Francisco Emanoel Penteado.

Existem duas versões a respeito da prisão, tortura e assassinato de Sônia e Antônio Carlos. A versão do primo do pai de Sônia, coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOI-CODI de Brasília, amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI/SP: depois de presa, foi mandada do DOI-CODI/SP para o DOI-CODI/RJ, onde foi torturada, estuprada com um cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangüe, onde recebeu dois tiros. A versão do sargento Marival Chaves, membro do DOI-CODI/SP, conforme depoimento à revista Veja de 18 de novembro de 1992: Sônia e Antônio Carlos foram presos e levados para um centro clandestino onde ficaram de cinco a dez dias, até morrerem sob torturas, em 30 de novembro de 1973, quando foram assassinados com tiros no tórax, cabeça e ouvido. Depois, seus corpos foram colocados no porta-malas de um carro e levados para o DOI-CODI/SP, para servir de exemplo. Ao mesmo tempo, foi montada uma simulação de tiroteio ou “teatrinho”, termo usado pelo sargento, para justificar a versão oficial de que haviam sido mortos em conseqüência de um tiroteio, no mesmo dia 30 (metralharam com tiros de festim um casal e os colocaram imediatamente em um carro).

Nos relatórios dos ministérios da Marinha e da Aeronáutica entregues ao ministro da Justiça em 1993, permanece a falsa versão de que morreram após tiroteio com os órgãos de segurança. A versão oficial publicada dia 1° de dezembro de 1973 em dois jornais, O Globo e O Estado de S. Paulo, refere-se às mortes de Sônia e Antônio Carlos a caminho do Hospital, após tiroteio com os agentes de segurança, na avenida Pinedo, no bairro de Santo Amaro (atual Capela do Socorro), cidade de São Paulo, altura do nº 836, às 15 horas.

No arquivo do antigo DOPS/SP foi encontrado um documento da Polícia Civil de São Paulo - Divisão de Informações CPI/DOPS/SP que afirma: “Consta arquivado nesta divisão uma cópia xerográfica do Laudo de Exame Necroscópico referente à epigrafada com data de 20 de novembro de 1973”. Qual seria a verdadeira data da morte? Apesar de identificada, Sônia Maria foi enterrada como indigente no Cemitério D. Bosco, em Perus, com o nome de Esmeralda Siqueira Aguiar. Antônio Carlos também foi enterrado como indigente em Perus. Eles foram autopsiados pelos legistas Harry Shibata e Paulo Augusto de Queiroz Rocha.

A troca proposital do nome de Sônia demonstra a clara tentativa dos órgãos de repressão em esconder seu cadáver. A família de Sônia conseguiu obter, pelo processo 1.483/79 na 1ª Vara Civil de São Paulo, a correção de identidade e retificação do Registro de Óbito. Os depoimentos de Ozéas de Oliveira, o bilheteiro da agência de passagens, e do motorista do ônibus, Celso Pimenta, que presenciaram a prisão dos militantes, tomados no fi m de 1979 e início de 1980, foram anexados ao processo movido pela família contra o médico legista Harry Shibata. Conforme já relatado, somente depois de ser considerada oficialmente morta, a família

pôde trasladar seus restos mortais para o Rio de Janeiro, em 1981. Em 1982, na tentativa de apuração das reais circunstâncias da morte de Sônia, por meio do processo movido contra Harry Shibata, o IML/RJ constatou que os ossos entregues à família eram de um homem.

Para sepultar os restos mortais de Sônia, a família teve que fazer várias exumações. A última exumação apresentava um crânio sem o corte característico de autópsia; a família não aceitou os restos mortais, por desconfiar que fosse mais um engano do IML/SP. Em um de seus depoimentos à CPI sobre a Vala de Perus, realizada na Câmara Municipal de São Paulo, Harry Shibata declarou que a descrição feita no laudo necroscópico de que houve corte de crânio não corresponde à verdade, uma vez que essa descrição é apenas uma questão de praxe. Assumiu, portanto, a farsa com que eram feitos os laudos. O laudo de necropsia de Antônio Carlos, datado de 30 de novembro de 1973, descreve apenas um ferimento à bala na cabeça, com entrada na região palpebral e saída na região parietal direita. Neste caso, também, Shibata descreve a trajetória do tiro “[…] aberto que fora o crânio pelo método de Griesinger”, e omite as marcas de tortura. Exumado e identificado em 1991, o crânio de Antônio Carlos também não fora serrado, estava intacto. Em 1990, foto de seu rosto visivelmente mutilado pelas torturas foi localizada no arquivo do IML/SP. Os tiros que levara na Mooca em junho de 1972 foram fundamentais para a sua identificação.

Depois de muito relutar em acreditar que a filha não fora morta no tiroteio informado pelos militares, João Moraes tornou-se um militante do movimento dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, tendo sido presidente – e Cléa, secretária – do GTNM/RJ por muitos anos. Já falecido por ocasião da lei 9.140/95, o pai não presenciou o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte da filha. Cléa assumiu sozinha a continuidade da luta

até quando seu estado de saúde permitiu. Em 2006, foi homenageada pelo GTNM/RJ com a Medalha Chico Mendes, recebida pelo marido em 1997. Na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, os casos de Antônio Carlos (093/96) e Sônia (092/96), tendo como relatora Suzana Keniger Lisbôa, foram aprovados por unanimidade em 8 de fevereiro de 1996. (Direito à Memória e à Verdade, p. 363)

Seus restos mortais foram exumados em 1991, com o apoio da prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, e identificados pela Unicamp. Foram trasladados para suas cidades natais, em 11 de agosto de 1991, após a celebração de uma missa na Catedral da Sé, por D. Paulo Evaristo Arns. Os restos mortais de Antônio Carlos chegaram ao aeroporto de Confins (MG), onde várias pessoas lhe prestaram homenagem cantando o Hino Nacional e carregando cartazes com os dizeres “Ditadura Nunca Mais”. Dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana (MG), esteve presente à recepção e pediu para que uma lição de vida fosse aprendida com sua história. Foi enterrado pela família no dia seguinte, em Ouro Preto (MG). O sepultamento dos restos mortais de Sônia foi realizado em 12 de agosto de 1991, no cemitério Jardim da Saudade, no Rio de Janeiro, precedido de Ato Ecumênico em sua homenagem, na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Em homenagem aos dois militantes, as cidades de São Paulo e de Belo Horizonte deram os nomes de Antônio Carlos e Sônia a ruas no Jardim da Toca e nos bairros da Lagoa e Tirol, respectivamente. O nome de Sônia também foi dado a um dos viadutos do Complexo João Dias, em São Paulo, em 19 de setembro de 1992, sendo os outros dois homenageados Honestino Monteiro Guimarães e Frederico Eduardo Mayr. A cidade do Rio de Janeiro deu o nome de Sônia a uma de suas ruas. Seu pai publicou o livro O Calvário de Sônia: uma História de Terror nos Porões da Ditadura, resultado de suas buscas por verdade e justiça sobre a morte de Sônia. A família produziu também o vídeo Sônia: Morta e Viva, dirigido por Sérgio Waismann, em 1985. (Dossiê Ditadura, p. 506)

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” realizou a 44ª audiência pública sobre o caso no dia 21 de maio de 2013. (ver transcrição em anexo)

Fontes investigadas:

Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo (44ª audiência pública sobre o caso de Sônia Maria Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana).

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

 

 

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

IML

 

HARRY SHIBATA

 

 Médico-legista

Falsificação do laudo necroscópico

 

Vivo

 “Sônia Maria [...] veio a falecer em tiroteio com órgãos de segurança”.

IML

 

ANTONIO VALENTINI

Médico-legista

 

Falsificação do laudo necroscópico

 

“Sônia Maria [...] veio a falecer em tiroteio com órgãos de segurança”.

DOI-Codi do II Exército - SP

CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA

Comandante do DOI-Codi

Sequestro, tortura, cárcere privado, desaparecimento forçado

vivo

 

DOI-Codi de Brasília

CANROBERT LOPES DA COSTA

Coronel

omissão

 

 

II Exército

HUMBERTO DE SOUZA MELO

Comandante do II Exército

Ocultamento do cadáver; prisão arbitrária do pai da Sonia.

Morto

 

II Exército

HUGO FLÁVIO LIMA DA ROCHA

Membro do gabinete do comandante do II Exército

Executor da ordem de prisão

Arbitrária.

 

 

DOI-Codi - RJ

ADIR FIUZA DE CASTRO

Comandante do DOI-Codi do RJ

Tortura: enviou ao pai da Sônia o cassetete que teria sido introduzido no ânus da filha.

Morto

 

II Exército

DILERMANO GOMES MONTEIRO

Comandante do II Exército

Sabia o nome verdadeiro da Sônia mas a deixou ser enterrada com o nome falso.

 

 

2ª Região Militar

ALVIR SOUTO

General e comandante da 2ª Região Militar

Negou-se a cumprir a determinação do juiz para a abertura do IPM, para averiguar as verdadeiras causas da morte de Sônia Moraes.

 

 

DOCUMENTOS SOBRE O CASO

  1. Documentação principal

 

 

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Certidão de Óbito com nome falso: Esmeralda Siqueira Aguiar

 

 

003-certidao-obito-nome-falso.pdf

Certidão de Óbito com nome Sônia Maria de Moraes Angel Jones

 

 

004-certidao-obito-sonia.pdf

Fotos de Sônia morta

 

 

012-foto-sonia-morta.jpg

Autorização de traslado dos restos mortais

 

 

001-autorizacao-traslado.pdf

Carta do Pai da Sônia de 8 de julho de 1991

 

Trecho: “Estamos hoje, minha filha, resgatando teus restos mortais 18 anos após teu desaparecimento. [...] Infelizmente Soninha, os militares que te torturaram e assassinaram continuam impunes e assegurando a impunidade de todos os que com eles colaboraram”

002-carta-pai-sonia.pdf

Pronunciamento da deputada federal Jandira Feghali em 15 de agosto de 1991

 

Documento destaca a importância da CPI as ossadas da Vala de Perus, com a recuperação dos restos mortais de Sônia, Dênis Casemiro e Antonio Carlos Bicalho Lana e ressalta a perseverança dos familiares dos mortos e desaparecidos na busca.

005-depoimento-jandira.pdf

Documento com conteúdo do interrogatório do pai da Sônia, João Luiz de Moraes.

DOI-Codi do II Exército

 

006-doi-codi-pai-sonia.pdf

Documento assinado por Edsel Magnotti

DOPS-SP

 Cita o laudo necroscópico da Sônia sob o nº 53.443/74

007-edsel-magnotti.pdf

Fichas com dados pessoais;  nome verdadeiro e nome falso de Sônia

DOPS-SP

Documento cita o processo contra a União movido pelo pai de Sônia, João Luiz de Moraes.

008-fichas-dops.pdf

Ficha citando que Sônia é filha de Zuleika Angel Jones

DOPS-SP

 

009-fichas-dops2.pdf

Documentos da Auditoria Militar

2ª e 3ª Auditoria Militar

Solicitação da exumação (1/12/1973) do cadáver no cemitério Dom Bosco na sepultura 486, quadra7,gleba 2

010-ficha-solicitacao-auditoria.pdf

Ficha com dados sobre a causa da morte

DOPS-SP

“Causa mortis: Hemorragia interna porferimento de projétil por arma de fogo”. Médico que atestou: Harry Shibata

013-II-exercito.pdf

Solicitação ao IML feita por João Luiz de Moraes e Cléa Lopes Moraes, documento assinado em 19 de outubro de 1990 e resposta do dia 11/12/1990

IML

Pedido: informar o destinos dos restos mortais de Sônia.

014-IML.pdf

Informações com dados posteriores à morte de Sônia

DOPS-SP

Citação de reportagens, eventos que denunciavam a morte de Sônia e até o pronunciamento do deputado Fernando de Morais na Assembleia Legislativa de SP comentando a denúncia do pai da Sônia

015-info-pf-ao-dops.pdf

Dados sobre a perseguição a Sônia e Antonio Carlos Bicalho Lana

DOPS-SP

 

016-infos-dops.pdf

Laudo de Exumação de Sônia

 

Laudo da UNICAMP

017-laudo-exumacao.pdf

Laudo de Exumação referente ao pedido da 2ª e 3ª Auditoria Militar

IML

Documentos assinados por Geraldo Modesto de Medeiros; Alfredo Roberto Netto e Romero Munhoz do departamento de Polícia Científica.

018-laudo-exumacao-iml.pdf

Trecho do livro do pai da Sônia “O Calvário de Sônia Angel: uma história de terror nos porões da Ditadura”

 

Diz que procurou o médico legista Harry Shibata por ter informações que este teria fotos da sua filha.

019-livro-pai-sonia.pdf

Prontuário

DOPS

Registro com nome completo, foto e digitais.

020-prontuario-sonia-dops.pdf

Reportagem sobre o livro “O Calvário de Sônia Angel: uma história de terror nos porões da Ditadura”

 

Jornal O Estado de S. Paulo

021-reportagem-estadao.pdf

Reportagem sobre IMP aberto para apurar morte de Sônia

 

Folha da Tarde  23/11/1982

022-reportagem-laudo-sonia.pdf

Reportagem da Revista Manchete

 

Revista Manchete, reportagem com o título “Tortura ontem, hoje e nunca mais” fala sobre Sônia e seus pais.

023-reportagem-manchete.pdf

Requisição com nome Esmeralda Siqueira Aguiar

 

Solicitação para exame do cadáver de Sônia com o nome “Esmeralda Siqueira Aguiar”, grafado com a letra “T” que significa na linguagem dos agentes: terrorista, assinado por Jair Romeu

024-requisicao-exame-esmeralda.pdf

Laudo do Exame de corpo de delito

 

Documento assinado por Harry Shibata e Antonio Valentini. “Veio a falecer em tiroteiro com órgãos de segurança”, dis o documento e ressalta que a causa da morte “traumatismo craniano” e instrumento que produziu a morte foi “projétil/ arma de fogo - bala”

025-laudo-exame-sonia.pdf

Pedido de inclusão do nome de Sônia Maria de Moraes Angel Jones na lista dos mortos e desaparecidos

 

 

026-solicitacao-miguel-reale.pdf

Termo de declarações sobre denúncia da morte de Sônia

 

Comissão de Justiça e Paz

027-termo-declaracoes.pdf

Transcrição da audiência pública da Comissão “Rubens Paiva”

 

 

027-transcricao.pdf

OBS: Em anexo cópias de todos os documentos reunidos pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”

Testemunhos sobre a prisão

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

 Ozéas de Oliveira

 Testemunha que o casal ia viajar em ônibus da empresa Zefir

 Trabalhava como bilheteiro da empresa

 Celso Pimenta

  Testemunha que o casal ia viajar em ônibus da empresa Zefir

 Trabalhava como motorista na empresa

Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

3. Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

 

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

 

 

 

 

Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão / Função

Informação

 

MARIVAL CHAVES DIAS DO CANTO

 

Ex-sargento

 Antônio Carlos e Sônia foram presos no Canal 1, em Santos, onde não houve qualquer tiroteio, e nem ao menos um tiro, ‘apenas’ a violência dos agentes de segurança que conseguiram imobilizar o casal aos socos, pontapés e coronhadas. (...) Eles foram torturados e assassinados com tiros no tórax, cabeça e ouvido. (...) Foram levados para uma casa de tortura, na zona sul de São Paulo, onde ficaram de cinco a 10 dias até a morte, em 30 de novembro. Depois disso, seus corpos foram colocados à porta do DOI-CODI, para servir de exemplos, antes da montagem do teatrinho”.

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

 

Conclusão: Sônia Maria Lopes Angel Jones foi morta sob tortura pelos agentes do DOI-Codi do II Exército de São Paulo. 

Recomendações: Retificação do Atestado de Óbito; Responsabilizar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e os demais agentes públicos citados nesse relatório pelos crimes cometidos contra a Sonia e sua família; que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiada política de Sônia Maria Lopes de Moraes Angel Jones pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violação de direitos humanos que foram praticados contra essa morta.

 

 

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