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INICIAL DO NOME:

NORBERTO NEHRING

OCORRÊNCIA

24 de abril de 1970, em São Paulo

DADOS PESSOAIS
Filiação: Walter Nehring e Nice Monteiro Carneiro Nehring
Data e local de nascimento: 20 de setembro de 1940, São Paulo (SP)
Profissão: Economista
Atuação política: Partido Comunista Brasileiro (PCB), Aliança Libertadora Nacional (ALN)
Data e local da morte/desaparecimento: 24 de abril de 1970, em São Paulo
Organização política: Ação Libertadora Nacional (ALN).

RELATO DO CASO

Nasceu em 20 de setembro de 1940, em São Paulo/SP. Filho mais velho de Walter Nehring e Nice Monteiro Carneiro Nehring, Norberto Nehring, típico jovem da classe média de São Paulo, cursando economia na Universidade Estadual de São Paulo, na década de 1960, era um militante do PCB e entusiasta das reformas de base anunciadas pelo governo João Goulart.
Economista e professor da USP, Norberto morreu em São Paulo, provavelmente em 25/04/1970. O nome dele já constava do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos e a denúncia de sua morte no DOPS foi feita em depoimentos nas auditorias militares. Norberto militou no PCB e acompanhou Marighella na cisão que gerou a ALN, fazendo parte da Coordenação de São Paulo, em estreita ligação com Joaquim Câmara Ferreira. Depois do ginasial, cursou Química Industrial no Mackenzie e trabalhou na Brasilit e na Pfizer. Casado com Maria Lygia Quartim de Moraes, tiveram em 1964 a filha Marta, que mais tarde seria co-diretora de um premiado documentário cinematográfico sobre os filhos dos mortos e desaparecidos políticos do Brasil – 15 filhos.
Dotado para a matemática, Norberto se distinguiu na Faculdade de Economia da USP, onde ingressou em 1963, recebendo várias ofertas para ser instrutor. Concluído o curso em 1967, tornou-se assistente na cadeira de História Econômica e começou imediatamente a trabalhar em planejamento econômico, no Grupo de Planejamento Integrado – GPI, tendo como colegas Sérgio Motta, Sérgio Ferro e Diógenes Arruda Câmara. Em 1968, passou a cursar a pós-graduação no Instituto de Pesquisas Econômicas da USP. Em 07/01/1969, já tinha sofrido uma primeira prisão pelo DOPS/SP, lá permanecendo por dez dias e testemunhando torturas sofridas por seus companheiros, pertencentes a um grupo da ALN em Marília (SP). Novamente em liberdade, passou a atuar na clandestinidade. Em abril de 1969 segue para Cuba, onde mais tarde receberia a mulher e a filha. Documentos dos órgãos de segurança do regime militar incluem seu nome como integrante do chamado 2º Exército da ALN, ou seja, um grupo de 25 militantes da organização que teriam recebido treinamento de guerrilha em Cuba, entre março e setembro de 1969.

Segundo informações constantes no processo junto à CEMDP, bem como nos dossiês elaborados por familiares, Norberto retornava de Cuba em 18/04/1970, quando teria sido preso, ou detectado pelos órgãos de segurança, ao entrar no Brasil pelo aeroporto do Galeão. Morreu em circunstâncias não esclarecidas até hoje, havendo o registro de que o responsável por sua prisão foi o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

A versão oficial é de que se suicidou, enforcando-se com uma gravata no quarto que ocupava no hotel Pirajá, conhecido bordel de policiais naquela época, no centro de São Paulo, nas proximidades da antiga estação rodoviária e do próprio DOPS – Al. Nothman, 949. Não há perícia de local, laudo necroscópico e nem fotos do corpo. 

Em depoimentos na Auditoria Militar e em declarações registradas em cartórios, Diógenes de Arruda Câmara e Paulo de Tarso Venceslau afirmaram que souberam da morte de Norberto Nehring ainda quando estiveram detidos no DOPS/SP. Diógenes afirma categoricamente que Norberto foi assassinado sob tortura e Paulo de Tarso relata que carcereiros e policiais frequentemente aludiam ao fato de que Nehring teria sido morto depois de desembarcar no Brasil vindo da Checoslováquia.

Os restos mortais de Norberto foram sepultados com o nome falso que usava – Ernest Snell Burmann – no cemitério da Vila Formosa. O procedimento de enterrá-lo com o nome falso causa estranheza uma vez que o bilhete encontrado junto ao corpo estava assinado com o nome Norberto e indicava a quem deveria ser entregue.

Três meses após o suposto suicídio D. Nice Nehring, mãe de Norberto, é chamada à Delegacia Policial e reconhece por meio de fotos em documentos a identidade do filho. Naquela ocasião foi estabelecida a identidade do morto no Hotel Pirajá como Norberto Nehring.

A versão de suicídio, confirmada em nota oficial pelo então delegado do DOPS Romeu Tuma, consta no inquérito feito pelo delegado Ary Casagrande, onde há o bilhete que Norberto teria escrito para enviar à família. Buscando esclarecer os fatos, seu sogro foi até o hotel e soube que ali ninguém se suicidara. O próprio inquérito contribui para desmentir a versão oficial. Na requisição de exame, consta que teria se afogado e o laudo necroscópico ali citado, mas nunca localizado, informa que a morte se dera por asfixia.

Ao elaborar seu parecer, o relator na CEMDP argumenta que o bilhete atribuído a Norberto revela estado de aflição por pressentir a captura, demonstra consciência do risco de vida que corria, e não uma vontade suicida. Buscando ganhar tempo e demonstrando certeza do que lhe ocorria, informava à família que viajara para Niterói, Campos, Vitória, Belo Horizonte, terminando em São Paulo.

O relator ressaltou que apesar de não haver provas irrefutáveis de sua morte sob a custódia do Estado, os indícios eram suficientes para o deferimento, sendo o seu voto aprovado por unanimidade na Comissão Especial.

Em depoimento prestado à Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, em São Paulo, os familiares de Norberto – Marta, Sofia, Cléo e Maria Lygia – fizeram questão de enfatizar o desejo de uma segunda retificação do atestado de óbito de Norberto Nehring. Assim, gostariam não apenas a declaração da morte por “causas não-naturais”; mas o reconhecimento inequívoco da responsabilidade do Estado na execução de Norberto e o registro em atestado de óbito do local, da data e a tortura como causa real do falecimento.

Fontes investigadas: 

Conclusões da CEMDP; Projeto Brasil Nunca Mais Digital; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 77º Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva em 27 de setembro de 2013 em homenagem a Norberto Nehring; 

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

 

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

DOPS/SP

Sérgio Paranhos Fleury

Delegado DOPS/SP

Sequestro, tortura e assassinato.

Morto em 1º de maio de 1979

 

Polícia Federal

Romeu Tuma

Delegado Polícia Federal

Falsificação da causa mortis

Morto em 26 de outubro de 2010

 

Polícia Civil

Ary Casagrande

Delegado Adjunto da Equipe IV da 3º Delegacia Seccional de Campos Elísios

Falsificação do atestado de óbito; ocultação de cadáver

 

 

IML

Geraldo Rebello

Perito/ Médico legista

Falsificação do atestado de óbito, indicando como causa mortis “asfixia por afogamento”

 

 

IML

Samuel Haberkorn

Perito/ Médico legista

Falsificação do atestado de óbito, indicando como causa mortis “asfixia por afogamento”

 

 

DOCUMENTOS CONSULTADOS

  1. Documentação principal

 

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Voto do relator CEMPD

 

Processo 176/96. Requerentes: Maria Lygia Quartim de Moraes e Marta Moraes Nehring

001-Nehring-CEMDP.pdf

Páginas 1 a 7

Apresentação do processo na CEMDP

 

Redigido por Maria Lygia Quartim de Moraes e Marta Moraes Nehring

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Páginas 11 a 29

Certidão de Nascimento Marta Nehring

 

 

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Página 31

Certidão de Casamento

 

Emitido em 31/08/1965

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Página 35

Auto de Qualificação e depoimento de Diógenes Arruda Câmara

2º Auditoria da 2º Região Militar

Depoimento de Diógenes em que cita a morte de Norberto Nehring (folha 350)

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Páginas 36 a 71

Documentos da atividade acadêmica na USP

DOPS/SP

Cartão da USP; Convite de formatura; Curriculum Vittae; cópia de trabalhos acadêmicos.

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Páginas 73 a 92

Declaração de Empregadores

 

Indústria Pfzier; Brasilit

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Páginas 93 a 99

Documentos sobre a atuação no GPI (Grupo de Planejamento Integrado)

 

 

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Páginas 100 a 102

Auto de busca e apreensão na residência de Norberto Nehring

DOPS/SP

 

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Páginas 103 a 108

Carta endereçada à mulher e à filha, constante da caderneta encontrada em seus pertences.

 

 

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Página 109 a 116

Notícia Jornal do Brasil de 15/03/1978

 

Publicação da notícia da absolvição de Norberto Nehring no STM

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Páginas 118 e 119

Relatório do Delegado Ary Casagrande

 

Concluído em 20/08/1970

Delegado-Adjunto Equipe IV da 3º Distrito Policial dos Campos Elísios

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Paginas 121 a 123

Esboço da cópia de requisição de laudo pericial

 

Registrado com o nome falso de Ernest.

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Página 125

Certidão de Óbito

 

Corrige o assento lavrado em nome de Ernest Snell Burmann; Declara como causa mortis asfixia mecânica

Emitido em 21/09/1971

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Página 127

Cópia da folha 180 do processo militar

2º auditoria da 2ª  circunscrição judiciária militar

 

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Página 129

Qualificação de Norberto Nehring no DOPS/SP

DOPS/SP

05/03/1970

001-Nehring-CEMDP.pdf

Página 131

Laudo de Identificação

Instituto de polícia técnica de São Paulo

Emitido em 19/06/1970. Assinado por Geraldo Souza Brito e Paulo Vitale

001-Nehring-CEMDP.pdf

Páginas 132 a 136

Requisição do Laudo de Identificação

DOPS/SP

Assinado por Francisco G. do Nascimento. Delegado chefe do setor SI do DOPS/SP em 10/06/1970

001-Nehring-CEMDP.pdf

Página 137

Depoimento de Neddy Quartim de Moraes

 

 

001-Nehring-CEMDP.pdf

Página 139

Declarações de Paulo de Tarso Venceslau

 

 

001-Nehring-CEMDP.pdf

Página 141

Trecho de relatório da Anistia Internacional sobre graves violações de direitos humanos no Brasil

 

 

001-Nehring-CEMDP.pdf

Página 143

Reportagem do Jornal “Corriere de La Sera”

 

Datada em 18/07/1970

001-Nehring-CEMDP.pdf

Página 145

Laudo de Exame de Corpo de Delito em nome de Ernest Snell Burmann

 

Emitido em 25/04/1970

001-Nehring-CEMDP.pdf

Ficha DOPS

DOPS/SP

Constam informações sobre o histórico político de Norberto Nehring; relata a versão de suicídio.

002-Nehring-IEVE.pdf

Páginas 1 a 5

Ficha Cenimar

CENIMAR

No canto esquerdo superior do documento consta a data de 1973 e nos dados a observação escrita à mão “suicidou-se”

002-Nehring-IEVE.pdf

Página 6

Requisição da Exumação

 

Data da exumação 10/07/1970.

Autoridade requisitante: Delegado Ary Casagrande

Peritos: Armando Rodrigues e Paulo A. Q. de Rocha

002-Nehring-IEVE.pdf

Página 7

Laudo de Exame de Corpo de Delito - Exumação

IML

Datado de 15/08/1970.

002-Nehring-IEVE.pdf

Páginas 8 a 13

77º Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva

 

Realizada no 23/09/2013

004-Audiência-CEVRP-Nehring.pdf

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

Fonte

Observação

Anexo

Foto do Crânio de Nehring

IML/SP

Requisitado por Armando C. Rodrigues em 30/07/1970

002-Nehring-IEVE.pdf

Página 1

Requisição da Exumação

 

Data da exumação 10/07/1970.

Autoridade requisitante: Delegado Ary Casagrande

Peritos: Armando Rodrigues e Paulo A. Q. de Rocha

002-Nehring-IEVE.pdf

Página 7

Laudo de Exame de Corpo de Delito - Exumação

IML

Datado de 15/08/1970.

002-Nehring-IEVE.pdf

Páginas 8 a 13

Laudo de Exame de Corpo de Delito em nome de Ernest Snell Burmann

 

Emitido em 25/04/1970

003-Nehring-IEVE2.pdf

3. Testemunhos sobre a prisão, morte/desaparecimento

 

Nome

Relação com o morto / desaparecido

Informação

Fonte

Diógenes de Arruda Camara

Amigo e militante do PCdoB

Em depoimento à Auditoria Militar relata que, no período que esteve detido no DOPS, soube do assassinato de Nehring por agentes daquela instituição.

Processo 2º Auditoria- BNM 299- Aud. Proc. Nº32/70 – STM – Apelação nº38693 – Vol. 2 página 350.

(citação em anexo NN-CEMDP

p.20)

Paulo de Tarso Venceslau

Companheiro ALN

Relata em depoimento da Auditoria Militar que ouviu de agentes do DOPS/SP que Norberto Nehring teria sido assassinado em dos hotéis na “boca do lixo”, nos arredores da Delegacia de Ordem Social.

Autos da Apelação 4178 –volume 20º páginas 5321 e 5322

(em anexo NN-CEMDP

Página 23)

Maria Lygia Quartim de Moraes

Viúva

Em requerimento enviado à CEMDP relata a existência de uma carta enviada por Joaquim Camara Ferreira que, à época, avisara que Norberto Nehring teria sido levado morto em 24/04/1970 das carceragens do DOPS/SP.

77º Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva

Marta Nehring

Filha

Em depoimento à Comissão da Verdade Rubens Paiva, requisita a alteração do atestado de óbito de Norberto Nehring, indicando o local e as causas reais da morte do pai.

77º Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva

Sofia Nehring

Neta

Em depoimento à Comissão da Verdade Rubens Paiva, requisita a alteração do atestado de óbito de Norberto Nehring, indicando o local e as causas reais da morte do avô

77º Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva

Cléo Nehring

Neta

Em depoimento à Comissão da Verdade Rubens Paiva, requisita a alteração do atestado de óbito de Norberto Nehring, indicando o local e as causas reais da morte do avô.

77º Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva

Neddy Quartim de Moraes

Sogro

Registra depoimento em cartório afirmando que, à época do assassinato, requisitou junto à autoridade policial competente fotos periciais do  suposto suicídio e que, como resposta, foi-lhe dito que estas não existiam.

(em anexo)

(declarações em cartório)

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão / Função

Informação

Fonte com referências

 

OBS: Em anexo cópias de todos os documentos reunidos pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Uma vez reconhecido pelas forças da repressão ao desembarcar no aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro, Norberto foi seguido, cercado, preso, torturado e morto em dependências policiais do estado de São Paulo. Seus restos mortais foram propositalmente enterrados com o nome falso que utilizava e o cadáver ocultado da família durante três meses.

Recomendações: Investigação das circunstâncias da prisão e morte de Norberto Nehring; responsabilização dos agentes da repressão envolvidos no caso, retificação do atestado de óbito (tal como solicitado pelos familiares); que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiado político de Norberto Nehring, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra esse cidadão. 

 

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