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INICIAL DO NOME:

ANTONIO BENETAZZO

OCORRÊNCIA

30/10/1972, em São Paulo

DADOS PESSOAIS
Filiação: Giulietta Sguazzardo Benetazzo e Pietro Benetazzo
Data e local de nascimento: 01/11/1941, Verona (Itália)
Profissão: Professor
Atuação política: PCB, ALN, MOLIPO
Data e local da morte/desaparecimento: 30/10/1972, em São Paulo
Organização política: Movimento de Libertação Popular (MOLIPO).

RELATO DO CASO

Nascido em Verona, na Itália, em 01 de janeiro de 1941, Antonio Benetazzo foi um dos cidadãos estrangeiros mortos pela ditadura militar brasileiro. Filho de imigrantes perseguidos no país natal pelo fascismo de Mussolini, Antonio Benetazzo chegou ao Brasil com nove anos de idade. Na infância morou em São Vicente e Caraguatatuba, no litoral sul paulista. No início da adolescência mudou-se para Mogi das Cruzes, onde cursou o técnico-científico (atual ensino médio) no Instituto de Educação Washington Luiz. No interior paulista inicia a participação no movimento estudantil. Faz parte do Centro de Cultura Popular (CCP) e, em pouco tempo, foi eleito um dos dirigentes da União Nacional dos Estudantes. Em 1962 ingressou no PCB.

Rapaz muito inteligente, carismático e com grande habilidade política, ingressou na USP cursou filosofia e arquitetura simultaneamente e tornou-se o presidente do Centro Acadêmico dos alunos de filosofia. Benê, como era conhecido, também ministrou aulas em cursos preparatórios para o vestibular, principalmente no “Cursinho Universitário”, visando contribuir com a formação de pensadores e militantes capazes de exercer a crítica da realidade social brasileira. Ao lado da vida acadêmica e da militância política, Benetazzo tinha uma intensa atividade artística e cultural. Foi idealizador e redator do jornal alternativo “O Amanhã”, participou de filmes como ator e cenógrafo, fez cursos de pintura e fotografia e ilustrou capas de livros.[1]

Em 1967, Antonio Benetazzo decide desligar-se do PCB e aderir à DISP – Dissidência Estudantil de São Paulo. No ano seguinte participa do 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, onde é preso com cerca de oitocentos delegados e dirigentes do movimento estudantil. Em julho de 1969, já integrando a Ação Libertadora Nacional (ALN), abandona as aulas no cursinho preparatório e na universidade e passa a viver na clandestinidade.

Como militante da ALN viajou a Cuba para a realização de cursos de treinamentos políticos. Em Cuba, devido a divergências e rompimentos com a nova direção da organização depois da morte de Mariguella, ajuda a organizar e depois integra a direção nacional do Movimento de Libertação Popular (MOLIPO). Benetazzo retorna ao Brasil em 1971 e trabalha, entre outras coisas, como redator do jornal “Imprensa Popular” – órgão oficial de comunicação da MOLIPO.

Já em 1971, a MOLIPO começou a sofrer as primeiras baixas pela repressão, que após as primeiras informações obtidas prometia não deixar vivo nenhum dos 28 militantes retornados de Cuba para a luta clandestina. Na maioria dos casos entre 1971 e 1973, os dirigentes da MOLIPO encontrados foram executados no ato da prisão ou durante as sessões de torturas. Com Benetazzo o procedimento não foi diferente. No dia 28 de outubro de 1972, ao entrar na casa do operário e militante político Rubens Carlos Costa, na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, Antonio Benetazzo foi surpreendido com a presença de policiais que o levaram detido para a sede do DOI-CODI em São Paulo, onde permanece até ser morto sob tortura.

Na versão oficial publicada cinco dias após sua morte, no dia 02 de novembro de 1972, Antonio Benetazzo fora detido e, depois de conduzir os policiais para um suposto “ponto” na rua João Boemer, no Brás, teria se jogado sob as rodas de um caminhão, cometendo suicídio.

Na imprensa foram publicadas duas versões sobre a história que corroboram a hipótese oficial de suicídio. No dia 02 de novembro de 1972, o “Diário da Noite” publicou:

“os órgãos responsáveis pela segurança interna conseguiram localizar, no último sábado, um “aparelho terrorista” pertencente ao MOLIPO (Movimento de Libertação Popular), prendendo o subversivo Antônio Benetazzo. Durante o interrogatório Benetazzo indicou que teria um encontro com um companheiro de sua organização na segunda-feira seguinte, dia 30 às 15 horas, na rua João Boemer, no Brás. Na hora aprazada, compareceram ao local o terrorista preso e os agentes de segurança, oportunidade em que Benetazzo, conseguindo se desvencilhar das autoridades, tentou empreender fuga, atravessando, em desabalada carreira, a rua João Boemer, foi colhido pelas rodas de um caminhão marca “Scania Vabis”, que não conseguiu frear a tempo. Caiu mortalmente ferido, falecendo a caminho do pronto socorro. Ainda durante o interrogatório a que foi submetido, Benetazzo forneceu às autoridades o endereço de outro membro do MOLIPO. Perto das 20 horas da última segunda-feira, os agentes perceberam que dois homens entraram na casa tendo sido perseguidos pelas autoridades. Houve violenta troca de tiros e um dos terroristas caiu morto, mais tarde identificado como João Carlos Cavalcante Reis enquanto que o segundo, ferido na perna, conseguiu fugir”.

Já o Estado de São Paulo de 03 de novembro de 1972 afirmou que “Antônio Benetazzo, quando preso, forneceu o endereço de um ‘simpatizante’ do MOLIPO que morava no bairro de Vila Carrão”. Isto é, o endereço onde o próprio havia sido preso em 28 de outubro.

Como ocorreu com outras vítimas da repressão, Benetazzo foi enterrado no cemitério Dom Bosco, em Perus, no dia 31, dois dias antes da publicação de sua morte pelos órgãos da imprensa. Os familiares de João Carlos Cavalcanti Reis (ex-integrante da MOLIPO) afirmam ter visto o corpo de Benetazzo no IML de São Paulo. Os legistas Isaac Abramovitc e Orlando J. Brandão assinaram o laudo necroscópico confirmando a versão de morte por atropelamento. Seu corpo seria translado mais tarde para outro cemitério a pedido dos familiares.

Em documento do arquivo do antigo DOPS/SP, marcado como “secreto” lê-se: Ao ‘cobrir’ um ponto, atirou-se sob as rodas de um caminhão, na rua João Boemer”. Em outro documento, no inquérito 6/73 sobre a atuação da MOLIPO, à página 3, no item “Das Provas”, há a confirmação da prisão de Benetazzo e o seu suposto “suicídio”, quando se refere “[…] a declarações de Nelson Aparecido Franceschini, motorista do caminhão que atropelou Antônio Benetazzo, quando este atirou-se debaixo do mesmo”.

Na época da morte, familiares e amigos fizeram uma investigação sobre os fatos relatados pela imprensa, constatando, então, a inexistência de qualquer acidente no dia, hora e lugar do suposto atropelamento a que se refere a versão oficial dos órgãos de segurança, responsáveis pelo assassinato.

Os relatórios dos ministérios da Marinha e da Aeronáutica, encaminhados ao ministro da Justiça Maurício Corrêa em 1993, confirmam a falsa versão de morte por atropelamento, e o relatório do Exército, em cujas dependências Benetazzo foi morto, afirma não ter registros a respeito de seu destino.

Meses depois da morte, em 16 de janeiro de 1973, Benetazzo seria indiciado e condenado pela 2ª auditoria de justiça militar.

O laudo de necropsia, assinado, por Isaac Abramovitc e Orlando J. B. Brandão, concluiu que o examinado faleceu em virtude de choque traumático por politraumatismo. A pedido da Comissão de Familiares, legistas fizeram observações sobre o laudo de necropsia de Antônio Benetazzo, na segunda metade da década de 1990, após a votação do seu caso na CEMPD, para instruir os processos disciplinares contra legistas acusados de falsificar laudos de dissidentes assassinados durante a ditadura no Conselho Regional de Medicina de São Paulo. O médico Antenor Chicarino afirmou ter a impressão de que o laudo foi feito por um leigo, pois não usa nomenclatura técnica adequada. Não descreve o ferimento externo ou lesão que certamente existiria na região da fratura da abóbada craniana. Menciona como causa mortis choque traumático por politraumatismo, mas a descrição indica traumatismo cranioencefálico.

O médico Dolmevil afirmou também que as fraturas do lado direito do crânio teriam, necessariamente, que deformar a fisionomia da vítima, o que não foi registrado. Para produzir as lesões cranianas sem afetar o rosto, o pescoço e o tronco, as mesmas teriam que ser produzidas perpendicularmente no lado direito do crânio, o que não condiz com a versão sobre atropelamento. Se o esmagamento do crânio se deu como resultado da compressão pelos pneus do veículo contra o solo, por que não foram detectadas marcas de pneus no corpo? Não faz referência a estragos ou sujeira nas roupas. Examinando a foto encontrada no arquivo do DOPS/SP, não constatou nenhuma escoriação no rosto e, além disso, o laudo não descreve o hematoma na região superior da pálpebra direita, nem o inchaço do lado direito da mandíbula, resultantes do ferimento à bala existente na orelha direita. Isto sugere que não se trata de atropelamento e, sim, de ferimento por arma de fogo disparada encostada ao crânio.

Em audiência pública realizada pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo em homenagem a Antonio Benetazzo, Amélia Teles, que esteve detida com Rubens Carlos no DOPS/SP em 1973, relatou que seu corpo trazia marcas de graves queimaduras. Ao ser indagado sobre a causa, Rubens Carlos respondeu que, em um ato de desespero para salvar a vida do amigo, tinha tentado incendiar a casa em que estava para avisar o companheiro Benetazzo que um cerco policial estava a sua espera no local. Infelizmente, o cerco do DOI/CODI contava com efetivo dentro e fora da casa que resultou na prisão de Benetazzo. Nas palavras de Amélia Teles:

“De vez em quando eu saía no pátio, aquele corredor ali do DOPS para tomar sol e tive oportunidade de conversar um pouco com o Rubens. O Rubens ficou também bastante tempo no DOPS, porque ele estava muito queimado, o corpo dele era todo queimado, às vezes nem podia pôr roupa, ele ficava com um pano cobrindo o corpo para a roupa não encostar na pele. E eu fiquei curiosa para saber como ele tinha se queimado tanto e ele me contou. A história é a seguinte. Ele foi preso, foi torturado e eles queriam saber do Benetazzo e ele disse que o Benetazzo ia na casa dele, Rubens, então eles foram com Rubens até a casa do Rubens na Vila Carrão. Chegando lá os policiais ficaram em campana. Parece que tem uma história que o Benetazzo, antes de entrar, parece que ele assoviava, fazia alguma coisa assim para comunicar que ele estava chegando. E quando ele fez isso o Rubens botou fogo no botijão de gás e aquele botijão estourou em cima dele, por isso que ele era todo queimado assim, que era uma forma de ver que ele não deveria entrar na casa, aquele fogaréu todo era para o Benetazzo não entrar na casa. Acontece que, é claro, a operação Bandeirantes tinha gente dentro da casa e fora, o cerco é muito maior do que a gente imagina, e o Benetazzo foi preso”

Na mesma audiência pública da CEV-RP, Alípio Freire, ex-militante político da Ala Vermelha, fez questão de relembrar os graves impactos que a repressão política teve na vida familiar de todos os perseguidos. No caso de Antonio Benetazzo, a prisão arbitrária e a morte sob tortura o impediram de conhecer a filha que ainda gestava sua companheira Maria Aparecida Horta em 1972. A perseguição também obrigou Cida Horta a deixar o país. Em poucos meses, passou por Paraguai, Colômbia, Argentina e Chile antes de chegar a Cuba, com sete meses de gravidez. Foi acolhida pelo governo cubano por razões humanitárias e Maria Antonia, como foi batizada a menina em homenagem ao local que abrigou importantes momentos do movimento de resistência à ditadura, nasceu sem conhecer o pai. No entanto, tragicamente em Cuba, Maria Antonia sofre um choque anafilático e padece, com apenas três anos de idade.

Na CEMDP, seu caso (261/96) foi aprovado por unanimidade em 14 de maio de 1996, tendo como relator o general Oswaldo Pereira Gomes, considerando sua prisão e o suposto suicídio condições enquadradas nas exigências da lei 9.140/95. Nilmário Miranda e Suzana K. Lisbôa fizeram constar em ata a certeza de que Antônio Benetazzo fora preso e morto sob torturas, sendo falsa a versão oficial de suicídio. Em sua homenagem, a cidade de São Paulo deu o seu nome a uma praça localizada atrás do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Fontes investigadas:

Conclusões da CEMDP; Projeto Brasil Nunca Mais Digital; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 72ª Audiência Pública da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva em 12 de agosto de 2013 em homenagem à Antonio Benetazzo e Juan Antonio Forrastal;


[1] Participou como ator do filme Menina Moça, de Francisco Ramalho Jr., gravado em super-8. Foi cenógrafo de Anuska, Manequim e Mulher (1968), do mesmo diretor, tendo no elenco Francisco Cuoco, Jairo Arco e Flecha, Ruthinéa de Moraes e Marília Branco. Fez também a capa do primeiro livro de Mário Prata, O Morto que Morreu de Rir, publicado em 1969.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

IML

Isaac Abramovitc

Médico Legista

Falsificação da causa mortis em exame necroscópico

morto

 

IML

Orlando J. B. Brandão

Médico Legista

Falsificação da causa mortis em exame necroscópico

 

 

DOCUMENTOS CONSULTADOS

  1. Documentação principal

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Foto de Antonio Benetazzo vivo

 

 

001-foto-vivo.pdf

Certidão de óbito

 

Emitida em 15/05/1980. Ainda descreve a versão policial para a morte de Benetazzo

002-certidao-obito.pdf

Documento DOPS sobre militantes da MOLIPO mortos

DOPS/SP

Documento com o carimbo “secreto” sobre a morte de integrantes da MOLIPO

003-circunstanciasdamorte.pdf

Página 2

Inquérito policial sobre MOLIPO

DOPS/SP

Emitido em 09/04/1973

 

Inquérito 6/73 sobre a atuação da MOLIPO, à página 3, no item “Das Provas”, há a confirmação da prisão de Benetazzo e o seu suposto “suicídio”, quando se refere “[…] a declarações de Nelson Aparecido Franceschini, motorista do caminhão que atropelou Antônio Benetazzo, quando este atirou-se debaixo do mesmo”.

 

003-circunstanciasdamorte.pdf

Páginas 5 a 7

Documentos que atestam perseguição política

DOPS/SP

Ficha de Antonio Benetazzo no DOPS

004-fichas-Dops.pdf

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

Fonte

Observação

Anexo

Laudo de Exame de Corpo de Delito/ Exame Necroscópico

Instituto Médico Legal (IML) SSP/SP

Registrado em 06/11/1972

005-laudo-necroscopico.pdf

Requisição de Exame Necroscópico

Instituto Médico Legal (IML)

SSP/SP

Registrado em 30/11/1972

006-requisicao-exame-necro.pdf

Fotos de Antonio Benetazzo morto

 

 

007-foto-morto.pdf

3. Testemunhos sobre a prisão, morte/desaparecimento

Nome

Relação com o morto / desaparecido

Informação

Fonte

Alípio Freire

Ex-militante da Ala Vermelha  e amigo de Benetazzo

Relata detalhes sobre a volta de Benetazzo ao Brasil depois dos cursos em Cuba.

72º Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

Maria Amélia Teles

 

Presa política no mesmo período de Rubens Carlos esclarece circunstâncias relativas ao momento da prisão

72º Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

Maria Aparecida Horta

Ex-companheira de Antonio Benetazzo

Confirma o nascimento e a morte da filha d

72º Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

Antenor Chicarino

Médico legista que avalia o exame necroscópico a pedido de familiares

Contesta a versão apresentada pelos órgãos oficiais sobre a causa da morte de Benetazzo a partir de análise técnica do laudo necroscópico

Dossiê Ditadura p.386

Domevil

Médico legista que avalia o exame necroscópico a pedido de familiares

Contesta a versão apresentada pelos órgãos oficiais sobre a causa da morte de Benetazzo a partir de análise técnica do laudo necroscópico

Dossiê Ditadura p.386

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Antonio Benetazzo foi perseguido por agentes do II Exército e do DOPS/SP. Atraído a uma emboscada, foi preso arbitrariamente, torturado e morto nas dependências do DOI-CODI em São Paulo. Há a necessidade de se apurar as circunstâncias da prisão e morte; localizar e identificar outros agentes da repressão envolvidos no caso para que sejam devidamente responsabilizados.

Recomendações: Investigação das circunstâncias da prisão e morte de Antonio Benetazzo; responsabilização dos agentes da repressão envolvidos no caso, retificação do atestado de óbito; que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiado político de Antonio Benetazzo, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra esse cidadão.

 

 

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