Os agentes do Estado, os repressores, usaram da desigualdade entre homens e mulheres para nos torturar maisAmelinha Teles
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A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” foi criada para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas durante o período da ditadura militar (1964 – 1985). A violência empregada pelo Estado impôs, a ferro e fogo, o silêncio, a censura, a insegurança, a incerteza, o pânico e o medo. Impôs para muitas pessoas o exílio, a clandestinidade, o isolamento social e político. Os militantes viviam sob tensão permanente: o risco de sequestro, da tortura, do assassinato e da sinistra figura do desaparecimento forçado.
As desigualdades históricas entre homens e mulheres foram reelaboradas e aprofundadas pela ditadura, que não admitia que mulheres desenvolvessem ações não condizentes com os estereótipos femininos de submissão, dependência e falta de iniciativa. Neste sentido, o Estado autoritário direcionou uma violência especifica a elas, gerando distintas consequências e sequelas entre mulheres e homens.
A prática de violência sexual, estupro e outros abusos sexuais foi amplamente utilizada contra as militantes, em face do ódio especial que os torturadores tinham pelas mulheres que lutavam contra a ditadura.
As guerrilheiras e militantes políticas foram, pelo menos, duas vezes subversivas, ao enfrentar à ditadura misógina e a sociedade com fortes resquícios patriarcais.
As guerrilheiras foram alvo da violência sexual, como forma de vingança e demonstração de poder por parte dos repressores. Havia uma ideia generalizada no meio da repressão de que as mulheres de esquerda por serem independentes, decididas, e por não cumprirem o papel esperado de “submissas e inseguras”, eram então, consideradas promiscuas, queriam superar os homens nas atividades políticas e militares, o que as tornava mais fanáticas, mais agressivas e irracionais
As mulheres militantes estupradas, muitas delas não fizeram a denúncia em nenhuma oportunidade. Outras o fizeram depois de mais de 40 anos da ocorrência das violações. É difícil lembrar e ainda mais falar das experiências do horror vivido.
As mulheres assassinadas foram estupradas antes de serem mortas como foi o caso da Sonia Maria Lopes de Moraes Angel Stuart dos repressores.
Ela já estava deformada e com muito poucas condições de sobreviver devido às intensas torturas sofridas, segundo a testemunha que se mantém em sigilo. Por que, então, o torturador Gaeta lhe colocou um rato na vagina para corroê-la até seu final? É uma história inaudita e que nos deixa indignadas (os): Quantas outras pessoas, mulheres e homens, teriam a mesma história? E por que tanto horror?
São histórias horripilantes e a sociedade precisa conhecê-las. Entretanto há pouco material que mostra a participação das mulheres na luta contra a ditadura, como elas tiveram que enfrentar a repressão e quais as consequências econômicas, sociais, políticas, afetivas junto aos movimentos, às comunidades e a toda sociedade.
A relação com os filhos e filhas também foi destacado nas audiências públicas pelas mulheres militantes que experienciaram o exílio.
Maria Celeste Marcondes que militou principalmente com a segurança de integrantes de varias organizações ficou distante um ano de sua filha devido à perseguição e o exílio sofrido.
Ieda Reis era militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e tinha a função de criar estrutura de apoio para as pessoas que estavam sendo perseguidas, disponibilizando carros, “aparelhos” e documentação. Foi presa no Rio de Janeiro em abril de 1970 e banida do país junto com outros 39 prisioneiros em troca do embaixador alemão, sequestrado pelos militantes da sua organização. Sem dinheiro para embarcar seu filho junto consigo, Ieda passou 10 anos sem vê-lo.
“Campo das flores” foi escrito
pelo poeta Pedro Tierra (clique para ampliar)
Ao buscar a verdade, devem-se investigar e analisar os fatos e suas circunstâncias, numa perspectiva de gênero, ou seja, considerando que as desigualdades entre os sexos levaram a consequências e sequelas distintas entre mulheres e homens, em decorrência das brutalidades cometidas pela ditadura militar. Assim como o fator raça/etnia também trouxe experiências distintas.
Como escreveu Julio Fuchik “não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus. Juntai com paciência as testemunhas daqueles (as) que tombaram por eles e por nós”. Não se pode deixar de reconhecer que houve mulheres que participaram das torturas e eram ativas agentes policiais no DOI-Codi/SP e algumas que foram preparadas em São Paulo, também atuaram no DOI-Codi/RJ.
Só assim a história poderá fazer justiça às mulheres, a parcela mais esquecida e menos visível da humanidade. Não basta ouvir as mulheres, será preciso senti-las em toda a dimensão de suas ações.
Implementação de políticas públicas voltadas a impulsionar a difusão da história do Brasil na Ditadura Militar sob a perspectiva de gênero, raça/etnia, orientação sexual, identidade de gênero e classe social, de modo que a população possa ter acesso e conhecimento desse passado recente das mulheres, crianças afetadas, do genocídio dos povos indígenas e dos crimes praticados contra outros setores da sociedade
Responsabilização penal, civil e administrativa, inclusive com perda de cargo, de todos os agentes públicos que, por ação ou omissão, contribuíram para as violações perpetradas pela Ditadura Militar, como juízes, promotores de justiça, agentes policiais e outros, que apesar de cientes das denúncias não se empenharam em garantir a segurança e a vida dos presos, ao não tomar as devidas providências, não solicitando investigação das denúncias
Instituição e/ou fortalecimento da educação e da formação contínua em Direitos Humanos das polícias, das forças militares e de segurança pública do país, incluindo o estudo da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e Outros – Guerrilha do Araguaia, bem como aos juízes, serventuários da justiça, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público
Criação de um programa de capacitação de juízes, serventuários da justiça, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público sobre o sistema regional e os internacionais dos direitos humanos, bem como sobre os tratados e convenções assinados e/ou ratificados pelo Estado Brasileiro para atuação nas demandas que se referem ao período da ditadura militar
Que o Estado brasileiro crie mecanismos jurídicos para efetivar a punição dos crimes sexuais cometidos por agentes do Estado na Ditadura Militar, considerando que tal crime é de lesa-humanidade
Que o Estado brasileiro crie mecanismos jurídicos para punição dos crimes de abortos forçados, esterilizações forçadas, gestações forçadas e escravidão sexual, perpetrados por seus agentes no contexto da ditadura militar
Que o Estado brasileiro crie mecanismos jurídicos para punição dos crimes acima citados (crimes sexuais, abortos forçados, esterilizações forçadas, gestações forçadas e escravidão sexual), de forma autônoma, não podendo os mesmos serem absorvidos pelos de tortura por não poderem ser considerados de menos gravidade
Inclusão nos cursos de Direito de teoria de DDHH numa perspectiva de gênero, étnico racial, diversidade sexual, de forma transversal no currículo
Ratificação da Convenção Sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, adotada pela Resolução no 2391 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 26 de novembro de 1968
Que o Estado crie Políticas e mecanismos permanentes de reparação e indenização às vítimas de graves violações de direitos humanos, inclusive de violência sexual, cometidos por seus agentes na ditadura militar
Campanhas publicitárias em todos os meios de comunicação sobre o que são graves violações de direitos humanos e a importância da denúncia de violência sexual. A ênfase das campanhas deveria ser o esclarecimento de que as vítimas não são culpadas pela violência sofrida
Que o Estado Brasileiro crie mecanismos jurídicos para que as mulheres grávidas ou com filhos até 2 (dois) anos, presas provisoriamente, possam responder ao processo em liberdade e as mulheres grávidas ou com filhos até 2 (dois) anos que cumprem pena possam cumpri-la no regime aberto ou em prisão domiciliar, a fim de que se impeça que crianças fiquem presas (e portanto, punidas) ou sejam adotadas por terceiros indevidamente. Que as crianças tenham os necessários cuidados conforme sua idade mesmo que suas mães estejam condenadas