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TOMO I

Tomo I

Métodos e técnicas de
ocultação de corpos na
cidade de São Paulo

Surgiram os desaparecidos: não mais havia a notícia da morte, um corpo, atestados de óbito – essas pessoas perderam seus nomes, perderam a possibilidade de ligação com seu passado, tornando penosa a inscrição dessa experiência na memória coletiva Janaina Teles, historiadora e pesquisadora da USP

Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completoA prática do desaparecimento forçado foi adotada de forma sistemática e generalizada pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar (1964-1985). Tal política consistiu na detenção, seguida da execução e da ocultação de cadáveres de militantes políticos e também de outras pessoas que, na maioria dos casos, permanecem desaparecidas. Esta prática se estendeu aos outros países da região, de maneira que há desaparecidos políticos na Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia, Paraguai e outros da América Central.

A primeira iniciativa internacional com vistas a coibir legalmente o emprego desta prática ocorreu em 1992 com a aprovação pela Assembléia Geral da ONU da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados. No que diz respeito ao continente americano, a OEA aprovou a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, em 1994. No artigo 2º, a Convenção assim define:

Entende-se por desaparecimento forçado a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais pertinentes

À esquerda: IML contava com profissionais alinhados ao regime militar para ocultamento dos corpos
À direita: 1.049 ossadas foram retiradas da vala clandestina do Cemitério D. Bosco, incluindo ossos de vítimas da ditadura. Há suspeitas que entre eles estejam vítimas do surto de meningite que atingiu São Paulo na década de 1970 e que teve sua divulgação proibida pelos generais. Foto: Marcelo Vigneron

O desaparecimento forçado é, portanto, compreendido como uma violação que opera à revelia da lei: a recusa do Estado em prestar informações sobre o destino daqueles sob sua custódia impossibilita a tomada de medidas legais em defesa vítima e o ocultamento de provas e evidências impede a investigação e a sanção dos responsáveis, assim como a efetiva proteção dos direitos humanos.

Atualmente, as restrições quanto ao conhecimento sobre o destino dos desaparecidos políticos são mantidas através da proibição ao acesso aos arquivos das Forças Armadas e da manutenção do silêncio pelos militares que se negaram a depor perante a CNV. Apenas três oficiais ofereceram dados sobre este tema ao evidenciar alguns métodos e técnicas de ocultamento de corpos empregados durante o regime militar:

1) o ex-delegado Cláudio Guerra afirmou ter utilizado o forno da Usina Cambahyba, em Campo dos Goytacazes, de propriedade do ex-vice governador do Rio de Janeiro Hely Ribeiro Gomes, para incinerar corpos de militantes oriundos da Casa da Morte e do quartel da Policia do Exército, ambos localizados neste mesmo estado;

2) o coronel Paulo Malhães relatou ter lançado corpos em mares e rios após a descaracterização do cadáver, que incluía a retirada das impressões digitais e da arcada dentária, além do corte no ventre para impedir a formação de gases durante a decomposição que fizessem o corpo flutuar;

3) o ex-sargento Marival Chaves Dias do Canto contou ter ouvido colegas descreverem o emprego do esquartejamento dos corpos cujas partes eram enterradas em lugares distintos como forma de impedir o reconhecimento das ossadas.

Audiência Pública | Arquivos do IML/SVO
Promotora de Justiça Eliana Vendramini explica o funcionamento do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID) e fala sobre a dificuldade de obter dados precisos nos arquivos do IML

A falta de colaboração das Forças Armadas foi elencada pela CNV como o maior empecilho para que seu propósito primordial de localização e identificação dos desaparecidos políticos fosse parcamente cumprido. Entretanto, outros setores contribuem para o prolongamento da demora na devolução dos restos mortais às suas famílias, como no caso ocorrido na cidade de São Paulo, onde ossadas de desaparecidos políticos exumadas em 1990 até hoje se encontravam sem identificação devido o abandono do trabalho. Só recentemente, a partir do dia 04 de setembro de 2014, foram retomados os trabalhos.

A Comissão de Familiares reuniu informações sobre 436 militantes assassinados/desaparecidos pela ditadura militar e publicou no livro Dossiê Ditadura. O que os familiares solicitaram à CNV incorporasse todos esses no relatório final. No entanto, isso não aconteceu embora a CNV tenha incorporado a maioria dos nomes da lista dos familiares.

A Comissão da Verdade “Rubens Paiva” buscou investigar, em condições precárias, pelas razões já expostas neste informe, 188 casos.

À esquerda: em 2012, manifestantes organizaram um escracho em frente à casa de Harry Shibata, médico-legista responsável por inúmeros laudos falsos
À direita: manter nome falso nos atestados de óbito foi um método comum de ocultamento dos corpos

Recomendações

1

Criar todas as condições necessárias e adequadas para prosseguir, com a urgência que o tempo requer os trabalhos de investigação das ossadas de Perus, priorizando os casos dos desaparecidos políticos por terem mais informações antropométricas e materiais genéticos disponíveis no momento:

a) providenciar transferência completa das ossadas do Cemitério do Araçá para a Unifesp

b) Contratar Laboratório Genético

c) Apresentar entregar a cada familiar documento de análise dos dados coletados pelo Banco do DNA, garantindo um certificado para cada família que fez a doação

d) priorizar a investigação dos três desaparecidos políticos: Francisco José de Oliveira, Dimas Casemiro; Grenaldo de Jesus da Silva. Priorizar estes três não é excluir os demais, sejam políticos ou não. Todos os desaparecidos têm o direito inalienável de serem identificados, localizados seus restos mortais e sepultados dignamente. É apenas que questão prática, pois, destes três, há material suficiente para identificá-los sem que haja necessário levantar outras formas de investigação

2

Solicitar aos órgãos policiais fichas datiloscópicas feitas em vida pelos desaparecidos políticos para confronto com aquelas feitas pelos IMLs quando se trata de “desconhecidos” ou “indigentes”

3

Criar políticas públicas que auxiliem em formas de organização e documentação dos cemitérios públicos (mapas/plantas dos cemitérios, livros de registros dos sepultamentos e demais documentação)

4

Criar mecanismos de enfrentamento, de prevenção e de erradicação da tortura, de assassinatos e desaparecimentos forçados por agentes públicos

5

Criar locais de memória dos desaparecidos

6

Criar condições político-legais que possibilitem a autonomia do Instituto de Medicina Legal e do Instituto de Pericia dos órgãos de segurança pública para garantir um trabalho de investigação independente, transparente e ético

7

Criar na Unifesp e em outras universidades brasileira um centro de formação e de estudos de antropologia forense que possa manter pesquisas sobre o tema e formar profissionais

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Veja Também:

Arquivos levantados pela Comissão da Verdade


Fichas de
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