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TOMO I

Tomo I

Repressão política:
origens e consequências
do Esquadrão da Morte
O comandante do Esquadrão da Morte a partir de 1968: Sérgio Fernando Paranhos Fleury, delegado do Dops

Os policiais agiam com uma espécie de ‘poder extra-legal’ que conduzia às formas ‘mais graves de violência contra a pessoa humana’

A primeira expressão do fenômeno que passou a ser denominado Esquadrão da Morte surgiu no Rio de Janeiro, no período entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960. Tratava-se de grupos de policiais envolvidos com a criminalidade. Segundo a jurista e pesquisadora Alessandra Teixeira, em depoimento à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completo“Rubens Paiva”, os envolvidos agiam em prol de diversos interesses, com ligações diretas com as economias criminais, como, por exemplo, o jogo do bicho, a prostituição e também o tráfico de entorpecentes, além de torturas e assassinatos.

A formação de grupos de características análogas se deu em São Paulo no final dos anos 1960. O Esquadrão paulista surgiu justificado numa espécie de “ofensiva contra o crime”. Os agentes envolvidos foram apontados como autores de tortura e morte de civis e presos políticos. As denúncias chegaram para o jurista e promotor de justiça, Hélio Pereira Bicudo, que resolveu investigá-las um trabalho árduo e perigoso, contando com pleno apoio do promotor Dirceu de Melo que foi “seu braço direito”. A investigação que durou 364 dias resultou no livro “Meu depoimento sobre o Esquadrão da Morte”, peça chave para entender a lógica dos grupos de extermínios formados pela polícia.



Hélio Bicudo, o jurista que revelou os crimes do Esquadrão da Morte e a ligação dos policiais com traficantes

Através da portaria nº 1320, emitida no dia 23 de julho de 1970 pelo procurador geral do Ministério Público do Estado de São Paulo, Dario de Abreu Pereira, Hélio Bicudo foi designado para assumir “a supervisão e orientação das tarefas pertinentes ao Ministério Público, no que respeita a preservação da Lei do Direito, no Episódio do denominado ‘Esquadrão da Morte’”. Houve reação do governador à época Roberto Costa de Abreu Sodré, um dos responsáveis diretos pelo comando da lógica do extermínio incorporada às atividades policiais que atuavam no Esquadrão. Sodré passou a fazer a declarações publicamente contra Hélio Bicudo. “Dava impressão que ele enfiara impulsivamente a carapuça – impressão que mais tarde se viria a confirmar plenamente”. “Por que o Abreu Sodré se tornou meu inimigo? Porque ele era um dos chefes da quadrilha”, disse o jurista, no ano em que completou 93 anos, durante a audiência pública realizada em outubro de 2014.

O Esquadrão da Morte atuava sob o comando do temido delegado do Departamento de Ordem e Política Social (Dops) Sérgio Paranhos Fleury, que havia cultivado nos primeiros momentos da carreira uma referência pessoal de “caçador de bandidos”, segundo seu biógrafo, o jornalista Percival de Souza, autor de “Autópsia do Medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury”.

A violência urbana ecoada no Rio de Janeiro e em São Paulo fez surgir dezenas de cadáveres. Na capital paulista, os assassinatos vieram à tona em um contexto em que a policia se encontrava em baixa do ponto de vista da sociedade. Para mostrar serviço, surgiu a ideia de matar justificando se tratar de “marginais”. “A Scuderie Le Cocq ganhou uma representação em São Paulo, funcionando no Palácio da Polícia Civil”.

Monumento "Tortura nunca mais", Recife (PE) | Foto: Marcusrg Os policiais que compunham o Esquadrão agiam com uma espécie de “poder extra-legal” que conduziam às formas “mais graves de violência contra a pessoa humana”, conforme assinalou Helio Bicudo. Houve reação que envolveu na morte de agentes da polícia, e isso acirrou a intensidade dos assassinatos.

Uma investigação apontou que do Presídio Tiradentes foi tirado o maior número de presos que morreram na mão do Esquadrão da Morte e muitas outras vítimas foram tiradas da rua. Todas eram levadas para serem torturadas e mortas na periferia. Muitos corpos foram encontrados com as iniciais “E.M.”. A iniciativa de Helio Bicudo fez com que ele se deparasse com um sistema devidamente protegido pelas principais forças do Estado.

Lembranças do Esquadrão da Morte
A Operação Pajussara foi organizada pelo delegado Fleury para assassinar o militante Carlos Lamarca. Em agosto de 1971, Otoniel Campos Barreto foi morto. Após torturar toda a família, Fleury deixou cravado na porta da casa de Otoniel o símbolo do Esquadrão da Morte. Em setembro, seria a vez de Lamarca ser assassinado ao lado de Zequinha Barreto, seu irmão

Os crimes se estenderam na atualidade e a constatação é que as instituições que cuidam da segurança das pessoas agem do mesmo modo. Foi nesse contexto que a Comissão da Verdade “Rubens Paiva” recebeu o depoimento de Débora dos Santos, fundadora do “Movimento Mães de Maio” – organização das mães dos 600 jovens vítimas de extermínio da polícia em 2006.

Vi minha mãe esperar a justiça sentada no sofá, vi minha sogra calada e não tocar no assunto. Quando me deparei, tive que reagir para não ver meu neto fazer o mesmo. Fui à luta para tentar transformar o que é corriqueiro na constituição desse país, a morte desse menino e tantos outros jovens. A baixada santista é o curral dos grupos de extermínio, não é à toa que lá tinha arquivo do Dops e o navio Raul Soares.


Débora da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, organização das mães dos 600 jovens vítimas de extermínio pela polícia paulistana, em 2006 Foto: ALESP

A lógica dos grupos de extermínio continua dentro da PM: mães de ontem e hoje se encontram na luta pela busca da verdade sobre a morte de seus filhos

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” concluiu que, a partir da reconstituição da história da violência policial, especialmente no período da ditadura, a estrutura da segurança pública e a lógica imposta pelos agentes ditatoriais permaneceu intacta e reflete na truculência dos dias atuais, repetindo as mesmas estratégias dos membros do Esquadrão da Morte. A impunidade e permanência do mesmo modo de operação da polícia replicada em todo país, fez surgir, no século XXI, em leitura dos estudiosos da violência urbana, a existência do que seria uma espécie de “Esquadrão da Morte 2.0”, cuja lógica ficou enraizada nos mais variados grupos de extermínio ou milícias da atualidade. Tal constatação se ilustra na existência dos “crimes de maio de 2006” que levou as “Mães” a mobilizarem diversas pessoas para lutar contra o genocídio da juventude pobre e negra.

Recomendações

1

Reconhecimento, pelas estruturas da polícia civil e militar, da autoria de graves violações dos direitos humanos durante o período da ditadura militar

2

Determinação, pelos órgãos competentes, da inaplicabilidade da Lei 5.941, de 22 de novembro de 1973, em casos evidentes de violações dos direitos fundamentais previstos no código civil e violações dos direitos humanos, reconhecidos no escopo do Direito Internacional, em que se inclui o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário

3

Proibição de homenagens a agentes públicos que são autores de graves violações dos direitos humanos, incluindo reformulação de leis que nomeiam ruas, alamedas, avenidas e rodovias com nomes de agentes acusados de autoria de assassinatos e torturas

4

Determinação, pelos órgãos competentes, da desmilitarização da polícia

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