Eu mencionarei o nome desses militantes desaparecidos para que fique registrado e que fique registrada a importância de seguir na investigação desses casos também, porque eles podem nos esclarecer ainda mais sobre essa cooperação repressiva no Cone Sul, que é bastante anterior a 1976
Janaína Teles sobre os sete nomes de desaparecidos uruguaios com cidadania brasileira, militantes do Partido por La Vitória del Pueblo (PVP), levantados pela embaixada do Brasil na Argentina durante as investigações
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Os Estados Unidos foram um aliado de primeira hora. O papel desse país na conspiração que derrubou João Goulart em 1º de abril de 1964, por tanto tempo negado, é hoje bem mais conhecido. Documentos secretos desclassificados pelo Departamento de Estado dos EUA permitiram preencher lacunas no tocante ao que se conhecia da Operação Brother Sam, nome que se deu à operação de apoio, inclusive militar, dos Estados Unidos aos golpistas que derrubaram o presidente João Goulart.
A Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, por falta de meios e de tempo, não logrou fazer pesquisa nos fundos do Ministério das Relações Exteriores, tampouco conseguiu tratar de questões como a atuação do Brasil na Organização das Nações Unidas ou na Organização dos Estados Americanos, nem mesmo sua relação com Portugal, antes e depois do salazarismo, ou de suas políticas para os novos Estados africanos.
Nas audiências, abordaram-se apenas alguns das conexões internacionais da ditadura militar. Durante a Guerra Fria, o combate aos socialistas gerou alianças clandestinas entre as ditaduras da América do Sul (que convergiram na Operação ou Plano Condor), e também com os Estados Unidos, então a superpotência do bloco capitalista, que mantinha um centro de treinamento militar na famigerada Escola das Américas e esteve por trás dos golpes militares da região, e da França, que exportou para os militares tanto dos EUA quanto da América Latina sua experiência nas guerras colonialistas, em que tentou massacrar os movimentos de independência no Vietnã (então Indochina) e na Argélia.
O combate aos movimentos de insurreição anticolonial serviria de modelo para a “guerra revolucionária”, isto é, a luta contra os comunistas e socialistas que, ao contrário dos combatentes pela independência, eram o que se chamava de “inimigo interno”.
A doutrina de segurança nacional, tal como concebida pela Escola de Superior de Guerra, nasceu especialmente da influência francesa e também da estadunidense. Com a noção de inimigo interno, chegaria a nível constitucional a noção de que todo cidadão é responsável pela segurança nacional (afirmada na Constituição de 1967), que é a contrapartida exata da ideia de que todo cidadão é suspeito.
Aussaresses era considerado um dos oficiais franceses mais capacitados em contra-insurgência.
Crédito: Agência Pública
A Operação ou Plano Condor correspondeu a uma colaboração na repressão política entre as ditaduras na América do Sul para a realização de desaparições forçadas, tortura e execuções extrajudiciais além das fronteiras.
A Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, em 11 de outubro de 2013, realizou sua 84ª audiência pública, com o tema do elo entre o desaparecimento no Brasil e na Argentina demilitantes pela operação Condor, com a presença da advogada Rosa Cardoso, comissionada da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Carlos Lafforgue, testemunha do caso, Mabel Bernis, esposa de Jean Henri Raya Ribard, Janaína de Almeida Teles, historiadora e pesquisadora da USP, e André Saboia Martins, Secretário Executivo da CNV.
Rosa Cardoso, durante a audiência, ressaltou que se tratava de “caso anterior ao golpe militar na Argentina, é um caso de 1973, e quando a operação Condor, inclusive não estava ainda legitimada, não estava criada legalmente, mas a conexão repressiva já existia e a conexão repressiva existia inclusive com a Argentina que não tinha uma ditadura militar mais onde o seu aparelho repressivo já estava articulado com de outras ditaduras”.
A Comissão da Verdade “Rubens Paiva” entende que é tristemente significativo que a primeira grande experiência de cooperação no chamado Cone Sul tenha tido como objetos a repressão política, a captura, a tortura, a execução extrajudicial e o desaparecimento forçado de opositores.
Com efeito, são os primeiros presidentes civis da Argentina e do Brasil após o fim dessa época de ditaduras militares, Raúl Alfonsín e José Sarney, que lançaram os fundamentos do Mercosul com a Declaração de Iguaçu, de 30 de novembro de 1985.
O Mercosul passou a ter um compromisso democrático explícito, isto é, a exigência de que todos os seus membros adotem o regime democrático, a partir do Protocolo de Ushuaia, de 1998. A Organização dos Estados Americanos também passou a adotar esse compromisso com a Carta Democrática Interamericana, de 2001.
Esse tipo de acordo internacional não poderia ser firmado durante a ditadura militar, que adotava uma posição, no plano da política exterior, de isolacionismo em relação ao direito internacional de direitos humanos, de forma a afastar a fiscalização de sistemas internacionais e, assim, tentar manter a imagem de que o regime não seria ditatorial; um isolacionismo deceptivo (ou seja, com a finalidade do engano, da decepção), portanto:
O discurso de que o Regime Militar respeitaria a democracia e os direitos humanos não resistiria a uma mínima fiscalização internacional. Porém, ele era necessário para que a legitimidade do governo não fosse questionada nos planos externo e interno.
O direito internacional dos direitos humanos, portanto, era perigoso para a ditadura: não só ele ensejaria a fiscalização internacional, de fora para dentro (com a atuação de órgãos internacionais para verificar a efetividade desses direitos no Brasil), como permitiria ações legais de dentro para fora (com o acesso dos indivíduos às instâncias internacionais para denunciar e processar o Estado brasileiro).
[...] Esses documentos demonstram a finalidade deceptiva desse isolacionismo. A decepção, em termos estratégicos, corresponde à manipulação da informação para enganar o inimigo; por esse motivo, o controle dos meios de comunicação e a propaganda oficial eram tão vitais para a ditadura. Fonte: I Jornada Ditaduras e Direitos Humanos Ebook
Houve um questionamento nesta Comissão da Verdade sobre até que ponto o processo de justiça de transição no Brasil também não teve um caráter deceptivo. Tal questionamento deve ser analisado no contexto geral do legado da ditadura militar. No capítulo sobre a Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Araguaia, deste Relatório da Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, destacou-se como o Supremo Tribunal Federal, para legitimar a lei de anistia da ditadura militar, não apenas violou a Constituição de 1988, como ignorou o direito internacional dos direitos humanos.
Adotando essa postura isolacionista em relação aos compromissos do Estado brasileiro no tocante aos direitos humanos, o Supremo Tribunal reproduziu, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153, uma das características mais próprias da ditadura militar. Embora a metodologia adotada por esse Tribunal não fosse, de forma alguma, adequada para uma teoria democrática do direito, não podemos imaginar nenhuma que fosse mais favorável para o vivo legado de tortura e violência deixado pela ditadura militar no Brasil.
Pedido oficial de desculpas aos Estados da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai pela cooperação da ditadura militar brasileira com as ditaduras desses Estados, à margem do Direito Internacional
Pedido de informação ao Estado francês sobre a atuação do General Paul Aussaresses no Brasil, com a lista de todos os militares que frequentaram suas aulas, e dos que o auxiliaram a realizar seus cursos