A Polícia Militar foi e continua sendo um aparelho bélico do Estado, empregada pelos sucessivos governantes no controle de seu inimigo interno, ou seja, seu próprio povo
Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completo
A questão da Segurança Pública e sua relação com a herança autoritária da ditadura militar foi tratada pela Comissão da Verdade “Rubens Paiva” especialmente em duas de suas audiências públicas, apesar de o tema ser apresentado pontualmente em diversas outras ocasiões.
Na 96º audiência da Comissão, realizada em 22 de novembro de 2013, quando tratou-se da perseguição aos militares - especialmente aos ligados à polícia, Força Pública à época - e das conexões entre o Exército e a Polícia Militar, o tema ganhou destaque. Porém, maior atenção foi dada em audiência de número 99, realizada em 28 do mesmo mês e ano, quando o tema do racismo e a desmilitarização na corporação policial foram as questões centrais.
Antes de mais nada, é importante ressaltar que, na realidade, a Polícia Militar foi e continua sendo um aparelho bélico do Estado, empregada pelos sucessivos governantes no controle de seu inimigo interno, ou seja, seu próprio povo, ora conduzindo-o a prisões medievais, com a quarta maior população carcerária do mundo, ora produzindo uma matança trágica entre os filhos da pobreza e de negros, residentes nas periferias das cidades ou nas favelas.
Entre 2009 e 2013, a polícia brasileira matou em média seis pessoas por dia. Nesses cinco anos, foram 11.197 mortes, conforme noticia o 8º Anuário de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 11 de novembro de 2014. Segundo a pesquisa deste Fórum, a tropa mais letal é a do Rio de Janeiro, seguida pela de São Paulo, depois Bahia e Pará, estados governados por partidos políticos diferentes, o que sugere que essa cultura carcerária é compartilhada por diversas forças políticas.
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014
Por outro lado, o Brasil é o país que tem o maior número de policiais assassinados no mundo: 490 em 2013, 43 a mais do que em 2012. As cifras de investimentos na área são alarmantes: foram investidos R$ 61,1 bilhões em segurança pública em 2013. Porém, os custos ligados à violência foram muito maiores totalizando, segundo a mesma pesquisa, R$ 258 bilhões, sendo que a maior decorreu da perda do capital humano, com mortes e invalidez, representando R$ 114 bilhões, conforme dados da mesma pesquisa.
A ditadura militar, instaurada por meio do golpe de 1964, tinha, portanto, a sua disposição, este importante aparato repressivo. Em 13 de dezembro de 1968 é baixado o Ato Institucional nº 5, que dá ainda mais poderes à ditadura. Desta forma a repressão política ganha nova proporção e caráter federal e são criados os centros de informação das Forças Armadas.
Além disso, já ganhava espaço dentro das corporações a Doutrina de Segurança Nacional, transformada em lei pelo decreto nº 314 de 13 de março de 1967, que fortalecia a ideia de um inimigo interno a ser combatido pelas forças repressivas.
Eu me lembro que eu trabalhava no policiamento, quantas vezes a gente fez comandos, aquelas... Montava barricada no meio das ruas, parava todo o trânsito de São Paulo [...] e fiscaliza todo mundo. Para quê? Para que os órgãos de segurança pudessem estar aí vendo se encontravam alguém. A gente era usado e continua sendo, não mudou muito Depoimento de Fábio Gonçalves
O decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, em vigor, regulamenta a natureza híbrida de policial e militar, organização, formação, treinamento, adestramento e emprego da Polícia Militar na manutenção da ordem pública, inclusive, defesa interna, defesa territorial, mediante o Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200), por ele aprovado.
Na manutenção da ordem pública, cabe à Polícia militar o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública, de acordo com o artigo 2º, nº 19, do referido decreto. O emprego operacional da Polícia Militar prioriza a manutenção da ordem pública, em detrimento da prevenção à violência e à criminalidade, ou seja, da proteção à vida.
Ainda sobre o decreto, o artigo 41 estabelece que as Polícias Militares integrarão o Sistema de Informações do Exército, conforme dispuserem os Comandantes de Exército ou Comandos Militares de Área, nas respectivas áreas de jurisdição. Esse dispositivo é um dos graves resquícios da ditadura que perderam até os dias atuais, totalmente inadequado a um regime democrático de direito. A P/2 da Polícia Militar foi um eficiente instrumento de vigilância política a serviço da repressão aos opositores da ditadura, presentes em todo o território do Estado onde se encontravam efetivos policiais militares.
A militarização está na raiz do problema da violência policial institucionalizada, apesar de não ser seu único elemento constitutivo. Contudo, a desmilitarização da Polícia Militar é necessária e urgente, ainda que não seja suficiente para a criação de uma polícia democrática, republicana, eficiente, isenta de violência e corrupção. Mas, sem este passo, tampouco será possível avançar nas demais problemáticas.
A duplicidade de polícias também é maléfica e absolutamente ineficaz. As polícias cumprem papeis diferentes, o que gera um sentimento e uma prática muito mais de competição do que de colaboração. Essa fragmentação do trabalho o torna improdutivo.
As contradições não param por aí. O espinhoso assunto da Segurança Pública, esta imensa, ineficiente e violenta máquina estatal, tem dificuldades de responsabilizar seriamente outras instâncias governamentais em sua elaboração e soluções. Por um receio, evidentemente real, de serem associadas ao enorme problema e terem que arcar com o ônus do desgaste político frente à sociedade, são infrutíferos os esforços de tentar envolver os governos Federal e Municipais profundamente na questão, ficando relegados à atuarem em momentos de crise, mantendo, no dia-a-dia, a situação sob a responsabilidade quase exclusiva dos governos estudais.
O fato é, se se quer realmente enfrentar os problemas da Segurança Pública brasileira, é necessário livrá-la de todas as mazelas de um estado de exceção que a utilizou para seus fins, das formas mais brutais possíveis. A desmilitarização é, portanto, um pressuposto democrático e urgente.
Quando nós transitamos para a democracia, então entoamos todos os hinos de glória à democracia, ao estado democrático de direito, nós nos esquecemos que a transição passou de forma insuficiente pelas áreas da Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, cientista político, especialista em segurança pública
Desmilitarização e unificação das polícias, sob a subordinação do Ministério da Justiça
Fim da duplicidade de carreira das polícias
Revogação do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969 e do Decreto nº 88.777, de 30 de setembro de 1983, especialmente o artigo 41, que integra a P/2 das Polícias Militares ao Serviço Secreto do Exército, produtos legais da ditadura civil-militar, devido ao seu potencial de mal feitos ao Estado Democrático de Direito
Responsabilização de todos os níveis da federação (federal, estadual e municipal) nas questões de Segurança Pública, em especial o que rege as polícias