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TOMO I

Tomo I

O financiamento
da repressão
Cena do filme "Cidadão Boilesen" (2009), de Chaim Litewski, que conta a história de um dos empresários que financiaram a tortura no Brasil

As retaliações aos trabalhadores deram origem ao que fora denominado de ‘listas negras’ as quais continha diversos nomes de pessoas por qualquer motivo poderiam ser apontadas como ‘subversivas’ ou ‘terroristas’

Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completo O golpe militar foi arquitetado com a participação de civis, com destaque para a participação da comunidade empresarial. Parte da sociedade brasileira já havia sido conquistada pela propaganda anticomunista. O que veio a seguir foi um grande projeto político regado de muito dinheiro para estruturar o esquema de controle social baseado em armamento e repressão incisiva.

Em depoimento a Comissão Municipal da Verdade de São Paulo o coronel reformado Erimá Pinheiro Moreira relatou que o então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), Raphael de Souza Noschese, ofereceu US$1,2 milhão (1 milhão e duzentos mil dólares) ao general Amaury Kruel (comandante do II Exército) para que apoiasse o golpe militar. Em seu depoimento, o coronel Erimá contou que cedeu as instalações de um laboratório de análises clínicas, em sua propriedade, para uma reunião entre Raphael Noschese e Amaury Kruel, ocorrida no dia 31 de março de 1964. Segundo o coronel, três homens acompanharam o encontro, sendo que os três levavam maletas que estavam cheias de dinheiro.

Em 1963, durante o governo de Jango (à direita), Amaury Kruel (à esquerda) assumiu o Ministério da Guerra, mas foi afastado e assumiu o comando do II Exército. No dia 31 de março de 1964, após receber dinheiro da iniciativa privada, aderiu ao golpe militar

A ideia da união de esforços no combate a repressão das Forças Armadas com policiais civis surgiu bem antes da confecção da Oban. Hely Lopes Meirelles, então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo no período de abril de 1968 a agosto de 1969, afirmou que o entrosamento entre as Forças Armadas e a Secretaria de Segurança Pública aumentou nos fins de 1968, e que este entrosamento resultou na formação da Operação Bandeirante.

A Operação Bandeirante trouxe duas novidades no que diz respeito ao sistema de controle dos interesses ditatoriais: a primeira era conjugar atividades de segurança ou repressão com operações de informações; a segunda era reunir em suas fileiras agentes de diversas forças policiais e das forças armadas. Muitos desses agentes vinham da Divisão Estadual de Investigação Criminal (DEIC), que era famosa por seus métodos de atuação, que envolvia ostensivamente a tortura como meio de obtenção de informação (alguns de seus integrantes, inclusive, foram apontados como integrantes do Esquadrão da Morte).

Embora a emblemática questão do financiamento seja destacadamente relacionada a São Paulo, o fenômeno da participação de empresários no financiamento e manutenção do sistema de repressão da ditadura não se restringiu somente a esse Estado. No Rio de Janeiro foi indicado o envolvimento dos empresários Mario Lodders e Heli Ribeiro Gomes, apontados como donos, respectivamente, da Casa da Morte de Petrópolis e da Usina de Cambahyba, localizada no município de Campos dos Goytacazes. A Usina foi apontada pelo ex-delegado Claudio Guerra no livro “Memórias de uma Guerra Suja” quando ele afirma que no local foram incinerados os corpos de militantes das organizações de esquerda, incluindo os nomes do casal Ana Rosa Kucinski Silva e Wilson Silva, como descrito no tomo II do relatório final da Comissão da Verdade “Rubens Paiva”.

Entretanto, o envolvimento empresarial na Oban ganhou proporções de grande destaque. Segundo informações apuradas, por não estar prevista institucionalmente, não haveria como mantê-la funcionando, e desta forma, empresários teriam sido chamados a colaborar financeiramente para sua manutenção.

Audiência Pública | Financiamento empresarial
José Jorge de Melo afirma que a Oban foi uma iniciativa do empresariado paulista

Diversos motivos poderiam ser apontados para tentar entender o objetivo do envolvimento de empresários no financiamento de órgãos repressivos. Os pesquisadores Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa afirmam que os empresários se sentiam ameaçados e queriam unificar a luta em defesa de seus interesses. Fernando Pacheco Jordão acredita que os empresários estariam atemorizados pelas ações violentas praticadas pela guerrilha urbana.

Em audiência pública realizada na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” no dia 15 de março de 2014, Jorge José de Melo mencionou, que a Operação Bandeirante foi uma iniciativa dos empresários paulistas, mas que foi encampada pelo Exército, e que teria sido montada porque os empresários estariam preocupados. Nessa preocupação havia duas questões: 1) havia a ideia de um Brasil grande, e São Paulo na época possuía 40% do PIB brasileiro e era visto como a “locomotiva do país” e assim teria que tomar alguma decisão; 2) São Paulo foi o centro das principais ações da luta armada, havia a Ação Libertadora Nacional (ALN) que era uma organização que assustava. Tudo isso explica porque esse “projeto-piloto” do aparelho repressivo que é a Oban foi montado em São Paulo.

Este capítulo procurou demonstrar a participação de empresas no golpe militar e durante o período da ditadura militar para o aparelhamento de órgãos repressivos. Essa colaboração no sistema repressivo se deu de várias formas: com o empréstimo de carros para que as prisões de militantes políticos fossem efetuadas, contribuindo com dinheiro, fornecendo equipamentos militares, alimentação, cigarros, entre outras formas. As empresas durante a ditadura militar tiveram um grande econômico e contribuíram para a prática de violações aos direitos humanos, podendo ser caracterizado como cúmplices em violações aos direitos humanos de acordo com as leis internacionais.

Trailer | ‘CIDADÃO BOILESEN’

Recomendações

1

Que sejam nomeados todas as empresas e empresários que contribuíram com a ditadura, e seja dado conhecimento a sociedade do tipo de envolvimento que eles tiveram

2

Que as empresas que contribuíram com a prática de violações aos direitos humanos sejam responsabilizadas como cúmplices de acordo com as leis internacionais

3

Que seja alterada a previsão legal que somente permite a responsabilização penal de empresas em casos de crimes contra o meio ambiente, permitindo que em outras violações aos direitos humanos esse tipo de responsabilização seja possível

4

Que as empresas que forneciam “listas negras” aos órgãos de repressão com nomes de funcionários envolvidos em atividades contrárias ao regime militar sejam nomeadas e divulgadas para a sociedade e que todas prestem esclarecimentos e promovam reparação

5

Que todas as empresas que tenham contribuído de qualquer forma para que a prática de violações aos direitos humanos ocorresse durante o período de ditadura militar promovam como forma de reparação simbólica, a colocação de uma placa em frente à empresa esclarecendo essa participação

6

Que sejam abertos todos os arquivos que existirem sobre a formação da Operação Bandeirante (Oban), sendo nomeados os seus financiadores

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