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TOMO I

Tomo I

Lugares da Memória, Arqueologia da Repressão
e da Resistência e Locais de Tortura
Ato para relembrar os 50 anos do Golpe pressiona pela criação de um memorial na antiga sede do DOI-Codi em São Paulo

Identificação não apenas de locais onde se praticavam os crimes, mas também a revelação pública do circuito de horror a que os presos políticos eram submetidos

Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completo Como um dos legados mais atrozes da ditadura brasileira (1964-1985) foi o universo de torturados, mortos e desaparecidos políticos, a referência aos espaços físicos onde as violências foram cometidas sempre integraram as narrativas das vítimas e familiares.

Além da identificação dos locais das práticas nefastas, o reconhecimento oficial desses lugares surge juntamente com o funcionamento da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP (Lei nº 9.140 de 1995) e a Comissão de Anistia (Lei nº 10.559/2002), permitindo a identificação não apenas de locais onde se praticavam os crimes, mas também a revelação pública do circuito de horror a que os presos políticos eram submetidos.

A lei que cria a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e direciona os trabalhos das Comissões da Verdade estabelece como tarefa investigativa, a identificação das estruturas, dos locais, das instituições e das circunstâncias relacionadas à prática de violações de direitos humanos (art. 3°, III, da Lei 12.528/2011).

Seguindo esse caminho em ofício dirigido ao Ministro da Defesa, a CNV pediu a colaboração para apuração administrativa das violações ocorridas no período compreendido entre as décadas de 1960 e 1980, em instalações pertencentes às Forças Armadas e do desvio de finalidade desses locais. Em resposta o Ministério da Defesa não reconheceu explicitamente que as práticas atrozes aconteciam dentro das instalações oficiais ou em Centros Clandestinos de Detenção (CCD) subsidiados.

Durante o trabalho da CNV, foram identificados com base depoimentos de ex-presos políticos dezessete centros clandestinos de tortura além de instalações militares. Desses centros, sete estão documentados por depoimentos e documentos oriundos da própria repressão. Esses locais funcionaram em nove estados (Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Bahia, Ceará, Sergipe) e no Distrito Federal. No total, soma-se uma relação de aproximadamente 21 CCD listados no Brasil.

Esses locais justificam sua proteção pelo valor histórico e político que portam. Outra singularidade é que a materialidade destes espaços – sua relação física com os acontecimentos passados – é um elemento necessário ao dar sentido ao acontecido. Para isso é necessário que se definam políticas e instrumentos que legitimem sua proteção e uso.

AUDIÊNCIA PÚBLICA | VÍDEOS SOBRE O TOMBAMENTO DO DOI-CODI
A audiência sobre o tombamento do edifício sede do DOI-Codi de São Paulo e seu uso como lugar de memória teve participação de representantes do Ministério Público Federal, do Núcleo de Preservação da Memória Política e ex-presos políticos

Uma das experiências de proteção dos lugares de memória vinculados ao período ditatorial, no Estado de São Paulo, é o Memorial da Resistência de São Paulo (2008), sediado em parte do prédio que abrigou o Departamento Estadual de Ordem Política e Social – Deops/SP pelo período de 1939 a 1943. No edifício, desde 2004 funciona a Estação Pinacoteca, uma unidade da Pinacoteca do Estado. Foi o primeiro centro de detenção, tortura e assassinatos no Brasil a ser tombado (1999) e musealizado (2008) , o que não ocorreu sem conflitos e tentativas do governo do Estado de impor políticas de esquecimento, cujas consequências ainda se fazem presentes, como veremos neste capítulo.

Em toda a América Latina existem lugares de memória que foram protegidos. Na Argentina, a Escola Superior de Mecânica da Armada (Esma) é uma referência de local da memória, onde funcionou, entre 1976 e 1983, o Centro Clandestino de Detenção. Em 2004, foi instalado um espaço de promoção da memória política chamado Espacio Memoria y Derechos Humanos. Ainda na Argentina o Parque de la Memoria, em Buenos Aires, nas margens do rio da Prata, criado no ano de 1998, é um exemplo de criação de um espaço de memória, de lembrança, homenagem e reflexão, e conta com um monumento dedicado às vítimas do terrorismo do Estado. Há que ressaltar, ainda, a importância da arqueologia como um valioso instrumento para a revelação da verdade, para a compreensão dos atos violentos ocorridos durante a ditadura, podendo contribuir com a memória dos fatos.

De acordo com Inês Virgínia Prado Soares e Pedro Funari , com a arqueologia é possível estudar a materialidade dos locais e os instrumentos utilizados para prática das graves violações de direitos humanos, incluindo provas científicas que contribuam para a reconstrução do cenário do crime, indicação de responsáveis e para a elaboração de uma narrativa que permita a inclusão de outros atores na memória coletiva e, ainda, para a ressignificação de locais.

A institucionalização dos locais da memória servirá para dar maior efetividade ao eixo da memória no campo da justiça de transição. Assim, são indicados aqui os principais locais associados à repressão e à resistência no estado de São Paulo e feitas recomendações para efetividade de sua proteção.

AUDIÊNCIA PÚBLICA | CENTROS CLANDESTINOS DE REPRESSÃO
17 centros clandestinos da repressão foram identificados pela Comissão Nacional da Verdade com base no depoimentos de ex-presos políticos

Recomendações

1

Que sejam reconhecidos e identificados como Lugares da Memória os locais, públicos ou privados, apontados nas narrativas das vítimas e familiares ou nos Relatórios produzidos pelas Comissões da Verdade, utilizados pelo aparelho repressivo do Estado ditatorial para torturas e outras graves violações, ressaltando a importância desses locais como elementos fundamentais para compreensão do período de repressão, seus atores, seus apoiadores e financiadores e, até mesmo, para descobrir o paradeiro de desaparecidos políticos

2

Que o Estado se aproprie dos locais citados nesse relatório e que assuma imediatamente a partir da publicação deste relatório sua obrigação em preservar os prédios e espaços que foram utilizados para repressão, com uso dos instrumentos protetivos dos bens culturais, como Registro, Tombamento, Inventários, Vigilância e Desapropriação e outros mecanismos aptos à preservação da memória histórica e à revelação da verdade

3

Que seja criado um fundo destinado à manutenção destes lugares, com a colaboração da Fiesp, como medida de justiça restaurativa em resposta à ação da Federação de Indústrias na conspiração do golpe de 1964 e no financiamento da repressão política e dos crimes de lesa-humanidade perpetrados pelo Estado brasileiro

4

Que seja criado um grupo de trabalho para a definição e articulação de políticas públicas voltadas à valorização da memória, com a realização de uma série de audiências públicas para discussão da temática e que tal medida seja tomada em até doze (12) meses a partir da publicação deste relatório

5

Que os órgãos de cultura, em suas diversas instâncias, e especialmente, os órgãos e Conselhos nacionais, estaduais e municipais de proteção ao Patrimônio Cultural, sobretudo o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), a instaurem procedimentos para tombamento e ou adoção de outras medidas acautelatórias dos prédios públicos ou privados usados como Centros de Tortura durante a ditadura, a partir da publicação deste relatório

6

Que seja consolidada a proteção do patrimônio no sistema jurídico brasileiro e gerados mecanismos de incentivo à pesquisas, ao registro e aos proprietários desses bens, como isenção de impostos territoriais

7

Que os órgãos de cultura e de educação do Estado, em suas diversas instâncias, promovam ações e estratégias de difusão e de educação utilizando os locais de interesse em suas práticas; bem como promover linhas de fomento para essas ações

8

Que seja publicado um catálogo com os locais aqui citados como forma de educação e difusão das memórias que carregam esses lugares

9

Que sejam definidos roteiros pela Secretaria de Turismo e a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, com visitas aos locais, quando já institucionalizados, como forma de difusão

10

Que seja instigada a necessidade de realização de pesquisas arqueológicas com a finalidade de encontrar os restos mortais dos desaparecidos e esclarecer a verdade sobre tais acontecimentos

11

Que seja consolidada a proteção do patrimônio arqueológico no sistema jurídico brasileiro

12

Que o Estado de São Paulo e as municipalidades promovam um levantamento dos nomes de logradouros que homenageiam torturadores ou militares que atuaram durante a ditadura com a legitimação das violações aos direitos humanos no período, que tal medida seja tomada em até doze (12) meses a partir da publicação deste relatório

13

Que sejam alterados os nomes de logradouros públicos que homenageiam ditadores, torturadores e similares que atuaram durante a ditadura com a legitimação das violações aos direitos humanos no período, evidenciando nesse processo suas diferentes nomenclaturas e os motivos que justificam as escolhas, alterando por seus nomes anteriores, toponímicos, ou em homenagem a lideranças comunitárias de destaque ou pessoas que atuaram para a consolidação da democracia no país; que tal medida seja tomada em até doze (12) meses a partir da publicação deste relatório

14

Que seja promovida uma discussão pública, dos órgãos estaduais de cultura e educação em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública para a definição do uso do prédio do DOI-CODI, em até doze (12) meses a partir da publicação deste relatório

15

Que o Município de São Paulo erga o monumento no Cemitério de Vila Formosa recomendado pelo Ministério Público Federal – e aprovado pelo Condephaat – em até doze (12) meses a partir da publicação deste relatório

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Veja Também:

Arquivos levantados pela Comissão da Verdade


Fichas de
mortos e
desaparecidos


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