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INICIAL DO NOME:

MIGUEL PEREIRA DOS SANTOS

OCORRÊNCIA

20 de setembro de 1972 no Araguaia

DADOS PESSOAIS
Filiação: Pedro Francisco dos Santos e Helena Pereira dos Santos.
Data e local de nascimento: 12 de julho de 1943, no Recife (PE)
Profissão: Bancário
Atuação política: Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Integrante do Destacamento C das Forças Guerrilheiras do Araguaia.
Data e local da morte/desaparecimento: 20 de setembro de 1972 no Araguaia
Organização política: Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Arquivos

RELATO DO CASO

O pernambucano Miguel começou a trabalhar quando tinha apenas 13 anos. Em 1964, mudou-se com a família para São Paulo e, nesse mesmo ano, concluiu o curso científico no Colégio de Aplicação da USP. Trabalhava no Banco Intercontinental do Brasil. Iniciou cedo sua participação na vida política, filiando-se ao PCdoB. Em 1965, passou a viver na clandestinidade em razão da perseguição política. 

Em 1968, agentes do DOPS, ao procurarem Miguel, interrogaram sua mãe, ocasião em que o delegado Wanderico mostrou-lhe fotocópias de documentos de Miguel que teriam sido enviadas pela Central Intelligence Agency – CIA -, dizendo que Miguel estivera na China. Por este motivo, a casa de sua mãe foi várias vezes invadida pela polícia política. 

As primeiras informações sobre as perseguições políticas sofridas por Miguel são de 21 de novembro de 1968, quando o jornal Folha de S.Paulo publicou a seguinte informação na matéria “China Prepara Brasileiros para Fazerem Guerrilha em Nosso País”: “[…] foram vistos quando entravam ou saíam da China Comunista e é provável que a CIA (Serviço de Inteligência dos EUA) tenha colaborado com as autoridades brasileiras para sua identificação. O DOPS tem a fotografia de todos eles […].”

Após realizar treinamento de guerrilha na China, em 1966, voltou ao Brasil clandestinamente, indo morar na região Norte/Centro-Oeste do país. Miguel residiu inicialmente na Praia Chata, norte de Goiás às margens do Rio Tocantins e, posteriormente, no sul do Pará, na localidade de Pau Preto, integrando o Destacamento C das Forças Guerrilheiras do Araguaia. Entre os guerrilheiros, Miguel era conhecido como Cazuza.

O relatório do Ministério do Exército, encaminhado ao ministro da Justiça em 1993, afirma que Miguel “[…] participou ativamente da Guerrilha do Araguaia, onde teria desaparecido em 1972”. Miguel foi o primeiro guerrilheiro a desaparecer com o início da II Campanha do Exército contra a guerrilha, denominada de “Operação Papagaio”.

O Relatório Arroyo, escrito por Ângelo Arroyo, dirigente do PCdoB que conseguiu escapar ao cerco militar à região em 1974, descreveu sua morte:

“No Destacamento C, cerca do dia 20 de setembro, dois companheiros, Vítor [José Toledo de Oliveira] e Cazuza, deslocavam-se para fazer um encontro com três outros companheiros. Acamparam perto de onde devia se dar o encontro. À tardinha, ouviram
barulho de gente que ia passando perto. Cazuza achou que eram os companheiros e quis ir ao encontro deles, mas Vítor não permitiu. Disse que se devia ir ao ponto no dia seguinte. Pela manhã, Cazuza convenceu Vítor a permitir que ele fosse ao local onde, na véspera, ouvira o barulho. Vítor ainda insistiu que não se devia ir ao ponto, mas acabou concordando. Ao se aproximar do local do barulho, Cazuza foi metralhado e morto.”

O Relatório das Operações da Manobra Araguaia, de 30 de outubro de 1972, assinado pelo comandante da 3ª Brigada de Infantaria, general Antônio Bandeira, no capítulo que se refere às “Ações mais Importantes Realizadas pelas Peças de Manobra”, informou: “Do 10º BC – ação de emboscada, por uma esquadra (1 Cb. e 5 Sd), em 26 Set. 72, numa grota distante cerca de 3 km da casa do velho Manoel. Resultou na morte do terrorista ‘Cazuza’ (não identificado)”.

Regilena Carvalho Leão Aquino, em depoimento prestado no processo movido pelos familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia contra a União desde 1982, informou que Miguel foi morto, segundo informação do general Bandeira. Em outro depoimento prestado a estudantes de jornalismo, em 2002, afirmou:

“Em setembro de 1972, preso em cela vizinha à que me encontrava, Dower me informou sobre a morte do Cazuza. Dias depois, o general Bandeira confirmou a morte, acrescentando que a tropa que matou Cazuza, em choque casual no interior da mata, havia decepado sua mão direita para que, em uma das bases instaladas em vários locais da região, fossem identificadas as suas impressões digitais. Era 20 de setembro de 1972.”

Nos arquivos do DOPS/PR, a Comissão Especial de Investigação das Ossadas do Cemitério de Perus, em 24 de julho de 1991, encontrou diversas fichas em uma gaveta com a identificação “falecidos”, no qual constam os nomes de 17 militantes. Entre eles, está o de Miguel Pereira dos Santos.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pela desaparição de 62 pessoas na região do Araguaia no caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) VS. Brasil, dentre elas está Miguel. A sentença obriga o Estado Brasileiro a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas. 

Seu nome consta da lista de desaparecidos políticos do anexo I, da lei 9.140/95.
Em sua homenagem, São Paulo e Campinas (SP) deram o seu nome a ruas dessas cidades.

Fontes investigadas: 

Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE; Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 31ª audiência pública sobre os casos dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia, nascidos em São Paulo ou que tiveram atuação política principalmente nesse Estado: Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, Gilberto Olimpio Maria, Miguel Pereira dos Santos, Manoel José Nurchis, Orlando Momente, Cilon da Cunha Brum, Pedro Alexandrino de Oliveira Filho, Jaime Petit da Silva, Lucio Petit da Silva, realizada no dia 12/04/2013. Livro Operação Araguaia: os arquivos secretos da Guerrilha. 5ª edição Taís Morais e Eumano Silva, 2012, São Paulo: Geração Editorial; livro “Mata! O major Curió e as Guerrilhas no Araguaia” / Leonencio Nossa – 1º edição – São Paulo: Companhia das letras, 2012.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

 

Nome

 

Função

Conduta

Vivo/data do óbito

Observações

PRESIDENCIA DA REPUBLICA FEDERATICA DO BRASIL 1974-1979

ERNESTO GEISEL

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Responsável pela adoção de uma política de extermínio das Forças Guerrilheiras do Araguaia

Morto

“Antes de tomar posse, em 16 de fevereiro de 1974, [Ernesto] Geisel chamou o general Dale Coutinho para uma conversa. Velhos amigos, falaram de política e de combate à subversão. O jornalista Elio Gaspari, em A Ditadura Derrotada, reproduz o dialogo: “Ah, o negocio melhorou muito. Agora, melhorou, aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar. Começamos a matar” - afirmou Coutinho. “Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá pra fora (…) Ô Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”, respondeu Geisel. […] Ao concordar com o método de eliminação de adversário sugerido pelo general, o futuro presidente autorizou a linha-dura a continuar o extermínio. No mesmo encontro, Geisel convida Dale Coutinho para substituir o irmão Orlando no Ministério do Exército.” Informação consta no livro Operação Araguaia (p. 492)

III EXÉRCITO

Antônio Bandeira

General da 3ª Divisão de Infantaria

Assassinato e ocultação de cadáver

Morto

Informação Dossiê Ditadura p. 372

CENTRO DE INFORMAÇÃO DO EXÉRCITO (CIE) 1969-1974

Milton Tavares de Souza

General e diretor do Centro de

Informações do Exército

Desaparição forçada dos guerrilheiros e guerrilheiras no Araguaia

Morto

“Miltinho era o general Milton Tavares de Souza, também conhecido como “Caveirinha”. Foi diretor do Centro de

Informações do Exército enquanto Orlando Geisel era Ministro do Exército, durante o governo Médici. Nessa função, foi

responsável pela política de eliminação física dos inimigos do regime. Foi ainda responsável em 1969 pela organização

dos DOI-CODI em todo o Brasil e das operações Bandeirantes e Marajoara, que prepararam o terreno para os

desmantelamento da Guerrilha do Araguaia” Informação consta no depoimento dado pelo coronel do Exército Paulo Malhães a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro publicado dia 30/05/2014.

Gabinete Militar 1974-1979

Hugo de Andrade Abreu

Chefe Gabinete militar de 1974-1979 e Comandante da Brigada Pára-Quedista

Desaparição forçada dos guerrilheiros e guerrilheiras no Araguaia

Morto

A reunião, confirmada pelo coronel Sebastião “Curió” Rodrigues, do Centro de Informações do Exército (CIE), mudou a postura do governo. A partir do final de 1973, não restariam mais sobreviventes nas guerrilhas. Transferido para a direção da Polícia Federal, Bandeira foi substituído no Araguaia pelo general Hugo Abreu, da Brigada de Pára-quedistas. O general Milton Tavares, chefe do CIE, comandava as ações de extermínio. A missão ficou dividida entre os três ministros militares e a orientação era não deixar rastros. O CIE encarregou-se do Araguaia e dos militantes caçados pelos órgãos de repressão do Cone Sul. Com Geisel no poder (1974-1979), um grupo do DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo deveria exterminar os sobreviventes do PCdoB e o Comitê Central do PCB.” Informação consta na matéria “A Ordem é matar” da Revista ISTOÉ de 24/03/2004

COMANDO MILITAR DO PLANALTO

OLAVO VIANNA MOOG

General e Comandante do Comando Militar do Planalto

Utilização de bombas napalm contra as Forças Guerrilheiras do Araguaia

Vivo

Informação no relatório “Araguaia I” produzido por Cláudio Fonteles para a Comissão Nacional da Verdade (p.8)

ESTADO-MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS

ALVARO DE SOUZA PINHEIRO

Coronel de infantaria, atuava como oficial de ligação do Exécito Brasileiro junto ao Centro de Armas Combinadas e à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA. Atualmente é General de Brigada (reserva)

Utilização de bombas napalm contra as Forças Guerrilheiras do Araguaia

 

Informação consta no anexo 007.

DOCUMENTOS CONSULTADOS

1. Documentação principal

 

Identificação do documento

 

Órgão da repressão

 

Observações

Anexo

Dossiê para Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)

 

Documento encaminhado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos por Helena Pereira dos Santos, mãe de Miguel Pereira dos Santos, no dia 05/02/1996

001-dossie_cemdp.pdf

Certidão de óbito

 

Declarante foi Helena Pereira dos Santos: “Registro de óbito lavrados nos termos do Artigo 3º da Lei nº 9140, de 4 de dezembro de 1995 e conforme decisão do MMº Juiz Corregedor Geral da Justiça, Dr. Marcio Martins Bonilha, datado de 29 de janeiro de 1996”

001-dossie_cemdp.pdf (p.3)

Documento alegando que Miguel viajou a “China Comunista”

 

 

003-doc_viagem_china.pdf

Foto Miguel

 

 

004-foto_miguel.pdf

Foto Miguel oculos

 

 

005-foto_miguel_oculos.pdf

O Relatório das Operações da Manobra Araguaia, de 30 de outubro de 1972, assinado

pelo comandante da 3ª Brigada de Infantaria, general Antônio Bandeira

 

No capítulo que se refere às “Ações mais Importantes Realizadas pelas Peças de Manobra”, informou: “Do 10º BC – ação de emboscada, por uma esquadra (1 Cb. e 5 Sd), em 26 Set. 72, numa grota distante cerca de 3 km da casa do velho Manoel. Resultou na morte do terrorista ‘Cazuza’ (não identificado)”.

 

006-manobra_araguaia_gen_bandeira.pdf

Artigo escrito pelo general da brigada na reserva, Álvaro de Souza Pinheiro, para a série "Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro" (publicado originalmente na: Military Review 1º Trim 95 Ed Português)

Estado-Maior das Forças Aramadas

Informações sobre o uso de bombas napalm durante a Guerrilha do Araguaia “Concepção equivocada nos níveis operacional e tático. O planejamento e a condução das

operações inicialmente desencadeadas no "Bico do Papagaio" partiram do pressuposto que as

ações de contra-guerrilha a serem executadas seriam aquelas que normalmente são

desencadeadas contra forças já no estágio de Exército de Libertação Nacional, to tipo "martelobigorna",

"pistão-cilindro", etc. Uma das primeiras operações efetuadas na área foi uma ação de

vasculhamento na única serra existente na região, a serra das Andorinhas, que se caracterizava

por não ter cobertura vegetal. Após ser bombardeada com napalm pela Força Aérea, a serra foi

objeto de uma vigorosa ação de cerco e busca efetuada por um grande efetivo. E o resultado foi

nulo porque os guerrilheiros nunca lá estiveram. Por outro lado, no terreno de selva, as patrulhas

se deslocavam com um efetivo de pelotão, 35 a 40 homens, pelas trilhas, enquanto os grupos da

guerrilha se deslocavam através selva, com um efetivo de 5 a no máximo 10 elementos. Dessa

forma as ações iniciais se mostraram extremamente ineficazes.”

007-artigo_cel_alvaro_napalm.pdf

31ª audiência pública sobre os casos dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia no dia 12/04/2013.

 

Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 31ª audiência pública sobre os casos dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia no dia 12/04/2013.

008-audiencia_comissão_sp-n31.pdf

Comissão Nacional da Verdade

 

Cadeia de Comando Guerrilha do Araguaia

009-cadeia_comando_araguaia.pdf

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

Fonte

Observações

Anexo

Ficha dados físicos Miguel Pereira dos Santos

Dossiê para Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)

 

002-dossie_cemdp_ficha_dados_fisicos.pdf

 

3. Testemunhos sobre a prisão, morte/desaparecimento

Nome

Relação com o morto / desaparecido

 

Informação

 

Fonte

 

ÂNGELO ARROYO

Dirigente do Partido Comunista do Brasil

“No Destacamento C, cerca do dia 20 de setembro, dois companheiros, Vítor [José Toledo de Oliveira] e Cazuza, deslocavam-se para fazer um encontro com três outros companheiros. Acamparam perto de onde devia se dar o encontro. À tardinha, ouviram

barulho de gente que ia passando perto. Cazuza achou que eram os companheiros e quis ir ao encontro deles, mas Vítor não permitiu. Disse que se devia ir ao ponto no dia seguinte. Pela manhã, Cazuza convenceu Vítor a permitir que ele fosse ao local onde, na véspera, ouvira o barulho. Vítor ainda insistiu que não se devia ir ao ponto, mas acabou concordando. Ao se aproximar do local do barulho, Cazuza foi metralhado e morto.”

 

Relatório Arroyo (1974)

REGILENA CARVALHO LEÃO AQUINO

Militante do Partido Comunista do Brasil

“Em setembro de 1972, preso em cela vizinha à que me encontrava, Dower me informou sobre a morte do Cazuza. Dias depois, o general Bandeira confirmou a morte, acrescentando que a tropa que matou Cazuza, em choque casual no interior da mata, havia decepado sua mão direita para que, em uma das bases instaladas em vários locais da região, fossem identificadas as suas impressões digitais. Era 20 de setembro de 1972.”

 

Informação consta no Dossiê Ditadura p. 372

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão/Função

Informação

Fonte

PAULO MALHÃES

Coronel do Exército e agente do Centro de

Inteligência do Exército (CIE)

 

“a participação durante a Guerrilha do Araguaia, como repórter infiltrado da Presidência, na região, e a posterior

atuação na Operação Limpeza que desenterrou e lançou no Rio Araguaia os

restos mortais dos

guerrilheiros. Para [Paulo] Malhães era ‘apenas um trabalho científico, adquirido em cursos de aperfeiçoamento’. Em suas próprias

palavras:

‘Quando o troço virou guerra, guerra mesmo, é que as coisas mudaram. Porque a gente também foi aprender fora,

alguma coisa. Aí os perfis das prisões daqui mudaram; a forma de contato com os presos mudaram;

surgiu a necessidade de aparelhos; porque -

isso foi uma grande lição que eu aprendi -

o que causa maior pavor, não é você matar a pessoa. É você fazer

ela desaparecer. O destino fica incerto. O seu destino como... fica incerto. O que aconteceu, o que irá acontecer comigo? Eu vou morrer? Não vou morrer? Entendeu? O pavor é muito maior com o desaparecimento do que com a morte. Já quando você desaparece -

isso é ensinamento estrangeiro –

quando você

desaparece, você causa um impacto muito mais violento no grupo. Cadê o

fulano? Não sei, ninguém viu, ninguém sabe. Como? O cara sumiu como?” (p. 2) e “Malhães: ‘Quando nós chegamos, eles nos chamavam de a Força. Não tinha

nome porque não sabiam se era Exército, Marinha, Aeronáutica’

CEV-RJ: ‘Os moradores ou os guerrilheiros?’

Malhães: ‘Os moradores. Chegou a Força. Então víamos quem era o

campeiro, perguntávamos se o campeiro queria trabalhar, pagava ao campeiro,

ele era remunerado, é logico, e ele passava a trabalhar em uma destas zebras. E foi o que acabou com eles lá. CEV-RJ:

‘Os senhores montaram quantas zebras?’ Malhães:

‘Ah, era variável à beça..’. CEV-RJ:

‘Mas, apesar do lugar, a técnica é muito similar com o que o senhor já

vinha acumulando com conhecimento, mapeamento?’ Malhães: ‘Mas, ali era procurar o guerrilheiro, não queria saber quem era. Se ali passava guerrilheiro, nós íamos pegar o guerrilheiro ali.

CEV-RJ: ‘Mas, este apoio local, o senhor acha que isto foi uma boa tática que

vocês usaram?’

Malhães: ‘Foi a melhor coisa que nós descobrimos na vida para guerrear no

mato. Você conheceu a selva amazônica, você sabe que o dia vai clarear às 10hs da manhã, se clarear um pouquinho, vai escurecer antes das quatro da

tarde, aquelas árvores gigantescas fecham. Você anda de lama até aqui...né?

Se você andou no meio do mato’

CEV-RJ: ‘Andei lá, tudo.’

Malhães: ‘Você sabe que anda de lama de folha. Não é lama de terra, é lama das folhas que caem, apodrecem e faz uma lama. Então, é difícil. A guerrilha,

tanto é que o americano perdeu na guerrilha. Perdeu porque o americano, como

perde em tudo quanto é país que ele ocupa, ele erra em um principio

básico e aí.. porque ele quer fazer daquele lugar que ele ocupa o mesmo

estilo de vida que o americano tem nos Estados Unidos. Ele jamais vai

conseguir convencer aquela população a aceitar aquele estilo de vida. Então foi

o grande erro deles..’

CEV-RJ: ‘O senhor não ficou muito tempo lá, não é?’

Malhães: ‘Não, eu ia de vez em quando.’ CEV-RJ:

‘Já no final, meados de 70?’

Malhães:

‘Depois da passagem das tropas. Logo depois vieram as zebras.

Aí eu já estava começando as zebras. Porque o general Bandeira, que era o

comandante da região, no caso, comandante de guerra da região, era também

meu chapa. Porque tudo é amizade que você vai fazendo. Vão gostando do

seu trabalho, o cara passa admirar você, embora seja coronel, seja general..’

CEV-RJ: ‘E foram lhe dando espaço?’

Malhães: ‘... então, ele passa a acreditar no seu trabalho. Então, o general

Bandeira era muito meu amigo, era amigo do Curió...

CEV-RJ: ‘O senhor tinha relação boa com o Curió também?’

Malhães: ‘Tinha. Eu sacaneava muito o Curió. Brincava muito com ele. Por

que o Curió era muito fantasioso. Não sei se ainda é. Ele era muito fantasioso.

Ele fazia grandiosidade de bobo. Quando a gente ia ver na realidade, não era

nada daquilo. Eu sacaneava muito ele, brincava muito com ele. Mas ele era trabalhador” (p.14)

 

 

Depoimento dado a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro publicado dia 30/05/2014.

OBS: Em anexo cópias de todos os documentos reunidos pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Miguel Pereira dos Santos é considerado desaparecido político, por não ter sido entregue os restos mortais aos seus familiares, não permitindo o seu sepultamento até os dias de hoje. Conforme o exposto no parágrafo 103 da Sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros: “adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subseqüente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade (...)”. 

No parágrafo 110 do mesmo documento é mencionado que: “(...) pode-se concluir que os atos que constituem o desaparecimento forçado têm caráter permanente e que suas consequências acarretam uma pluriofensividade aos direitos das pessoas reconhecidos na Convenção Americana, enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever correlato de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis, conforme as obrigações decorrentes da Convenção Americana”.  (Sentença da Corte Interamericana, p. 38 e 41, publicação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo).

Recomendações: Investigação das circunstâncias da prisão, morte e desaparecimento de Miguel Pereira dos Santos, localização dos seus restos mortais e responsabilização dos agentes da repressão envolvidos no caso, conforme sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que obriga o Estado Brasileiro “a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas”; Retificação e indicação da causa mortis no atestado de óbito; que o Brasil realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e de pedido oficial de desculpas pelas graves violações de direitos humanos perpetradas contra a vítima do presente caso, especificamente, pela denegação de justiça, como regulamenta o parágrafo 275 da Sentença da Corte Interamericana. 

 

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