Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a oportunidade histórica de participar deste importante evento da Comissão da Verdade “Rubens Paiva” de São Paulo que lança luz sobre as brutalidades e violências perpetradas pelos lobos febrentos que assaltaram o poder em 1964 e que, seguramente, também elegeram a infância como inimiga da segurança nacional e dos generais facínoras, responsáveis pela tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados.
Em segundo lugar, registro um abraço afetuoso, aos que, como eu, conheceram todo o barbarismo dos verdugos e aqui rendo minhas homenagens à memória de meu pai, Paulo Fonteles, advogado de posseiros no Sul do Pará, assassinado pelo latifúndio em 1987 e a minha mãe, Hecilda Veiga, a pessoa mais íntegra que conheço nesta vida e que, com o destemor de ter me feito nascer, em meio ao Pelotão de Investigações Criminais (PIC), em fevereiro de 1972, revelou inexorável bravura a ponto de um agente da repressão política, dentro da
Polícia Federal, cunhar a frase: “Filho dessa raça não deve nascer”.
Em “Segunda Anunciação”, poema escrito anos depois dos cárceres, meu pai denunciava o discurso e a prática do tirano: “Teu filho, teu filho, teu filho não nascerá. Teu filho, filho dessa raça, filho dessa raça não deve nascer. Filho dessa raça não deve nascer. Teu filho, filho dessa raça não deve nascer, não deve nascer”.
Aqui, antes de mais nada, devo por convicção e altiva consciência denunciar locais e os verdugos que atuaram severamente para por fim em nossas vidas, seja no Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército, e no DOI-CODI instalado dentro do próprio Ministério do Exército, em Brasília, seja no Rio de Janeiro, no Centro Científico de Torturas, na terrível Barão de Mesquita, também da Polícia do Exército. Meus pais também ficaram presos em Belém, na Gaspar Viana, onde meu irmão Ronaldo foi gerado, e no antigo Presídio São José. Nessa fase eu já havia nascido, portanto, estava em segurança familiar.
Mas vamos aos torturadores, e como ensina Wadih Damous, Presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, em discurso na Assembleia Legislativa do Estado do Pará quando da devolução simbólica dos mandatos em março de 2013, dentre eles do ex-governador Aurélio do Carmo, único vivo entre os governadores cassados em 1964, que “os torturadores têm medo da luz do sol”. Aqui haveremos de colocar holofotes sobre as bestas-feras.
Segundo denúncia de meus pais, publicada no Jornal Resistência, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, no final da década de 1970, “fomos seviciados e torturados pelo general Antônio Bandeira, coronel Azambuja, major Paulo Horta, major Andrade Neto, major Othon Rego Monteiro, capitão Magalhães, capitão Menezes, ‘doutor’ Cláudio, o delegado da Polícia Federal Deusdeth, tenente Burger, o sargento Vasconcelos, o sargento Arthur, o sargento Ribeiro, o cabo Edson Torrezan, o cabo Jamiro ou Jamito, o cabo Nazareno, o cabo Martins, o cabo Calegari, e os soldados Ismael, Almir, Osmael e Admir”.
Esses famigerados, especialistas na Santa Inquisição e que diziam que os métodos da Gestapo estavam ultrapassados, atuaram para liquidar-nos, tanto em Brasília como no Rio de Janeiro. Numa das passagens do depoimento ao Jornal Resistência, meu pai denunciava que, “através de um vidro, mostravam-me a Hecilda, apanhando no rosto e nas pernas, grávida de cinco meses”.
No dia de meu nascimento, em 20 de fevereiro de 1972, minha mãe asseverou ao insurgente jornal dos paraenses que: “levaram-me ao Hospital da Guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Foi uma experiência muito difícil, mas fiquei firme e não chorei”.
Minha mãe, Hecilda, afirma ainda que o tal médico disse-lhe que ela não gostava do filho, simplesmente porque não sofria. Minha mãe, que peitou o general Bandeira, ia dar o braço a torcer? Nunca, jamais.
Uma das lembranças mais antigas que tenho sobre mim mesmo está no fato de ter nascido na prisão e de ser filho de comunistas. Minha avó, Cordolina Fonteles de Lima, contava que os agentes da repressão atrasaram minha entrega para a família, por horas, porque simplesmente não haviam encontrado algemas que dessem em meus pulsos de recém-nascido, eles deviam me achar bastante perigoso!
No curso dos anos tenho refletido sobre tais atos de “terrorismo”, numa pérfida lei de um dos ideólogos mais importantes daqueles tempos sinistros, o coronel Jarbas Gonçalves Passarinho, que definha como o pústula que é e parece estar bem próximo do Satanás.
Não tenho dúvidas que herdamos de nossos pais, seus destemores e convicções. A canção de Belchior, cantada pela mais bela voz feminina em todos os tempos de civilização brasileira, a de Elis Regina, está prenhe de verdade quando afirma que “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”. Neste caso, Paulo e Hecilda, por seus valores fraternais devem sempre ser seguidos pelos filhos, o que nos dá a régua e o compasso.
Se este é meu depoimento, vou falar de um tempo em que, menino, testemunhei a retomada de meus pais na luta do povo, meu pai no campo e minha mãe na cidade. Poderiam ter se acomodado, poderiam ter cuidado de suas próprias vidas, o que seria justo diante das memórias do cárcere. Mas não, retomaram às posições de combate.E ali estávamos nós, crescendo como crescem as árvores. As histórias da carochinha contadas eram sempre de guerrilheiras tartaruguinhas contra um jacaré de fardas que viviam no Araguaia.
Foi por aqueles tempos em que meu pai, formado em direito, resolveu advogar para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região do Araguaia. Muito de sua decisão têm as digitais na luta guerrilheira do Araguaia e o fato de ter travado conhecimento com os primeiros presos da insurgência nas matas paraenses, dentre eles estava José Genoíno Neto. Outro fator importante para se destinar à defesa dos posseiros foi o incentivo que teve do poeta e intelectual Ruy Paranatinga Barata no conflito da Fazenda Capaz, em 1977, de propriedade do coronel estadunidense John Davis.
Debruçado na defesa dos camponeses pobres e procurando reunir informações sobre luta rebelde araguaiana, meu pai, Paulo Fonteles, mais uma vez passou a sofrer a carga da reação, de famigerados como o Major Curió, do Centro de Inteligência do Exército (CIE) e do grande latifúndio, aliados incontestes na espoliação da Amazônia, sempre em benefício dos poderosos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Moramos em Conceição do Araguaia e tínhamos o imenso rio dos Karajá em nosso quintal. Por aqueles dias já convivíamos com os lavradores e os filhos destes, como é o caso dos filhos de Amaro Lins e de Neuza, Vladimir, Carlos e Mauricio, além de Helenira, amigos para todo o sempre.
Lembro-me, meus caros e minhas caras, que nesse período, a reação começava fazer carga sobre a nossa família. E nós nos transferimos para Belém em 1978 exatamente pelo medo que os meus pais tinham de que algo pudesse nos ocorrer naquelas condições. Inclusive, hoje de manhã, lembrei-me de um poema que ele escreveu para os filhos chamado “Para Ronaldo e Paulinho”, onde ele diz o seguinte:
“Onde encontrá-los? Num porão? Numa cela, ensanguentados de fuzis nas mãos libertando-me? Quem sabe será toda uma vida”.
Por conta de uma atuação radicalmente vinculada à luta dos lavradores conheceu, mais uma vez, as ameaças contra sua própria vida e a vileza dos donos do poder de então. Foi eleito deputado estadual em 1982 sob a consigna de “Terra, Trabalho, Liberdade e Independência Nacional”.
Derrotado nas urnas em 1986, não conseguiu êxito na campanha para a Assembleia Nacional Constituinte e, menos de um ano depois, foi assassinado a mando da União Democrática Ruralista (UDR), quando se votava o Capítulo da Terra. O intermediário de tamanha covardia foi James Sylvio de Vita Lopes, da OBAN e do SNI, que, nos auspícios do regime moribundo, foi organizar milícias da grande propriedade rural na Amazônia.
Todo o esquema que se montou, todo o aparato que liquidou fisicamente com o meu pai partiu exatamente do esquema da repressão política. Esse James Sylvio de Vita Lopes é de São Paulo e mora atualmente em Jundiaí. E pesa sobre ele não apenas a organização do assassinato do meu pai, mas também a morte do deputado João Batista. Meu pai foi assassinado em 11 de julho de 1987. E o João Batista foi assassinado, se não me falha a memória, no dia 6 de dezembro de 1988. E o James Vita
Lopes era conhecido como o Capitão James. Foi julgado e condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, e hoje se encontra livre.
Naqueles dias, eu tinha 15 anos e para não enlouquecer decidi ingressar nas fileiras do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Era minha saída e a forma de me organizar para enfrentar o futuro.
Quando, enfim, tivemos a notícia do falecimento de Carlos Alexandre Azevedo [em fevereiro de 2013] é que muita coisa veio à tona e meus sentimentos se voltaram para minha própria história. Em artigo escrito numa longa e dura madrugada asseverei: “Mas o que fazer diante destes testemunhos, de tua segunda morte?”
Sinto que em tempos de Comissão Nacional da Verdade (CNV) devemos cobrar que estejam embutidos, no relatório que será apresentado aos brasileiros, os acontecimentos criminosos que foram perpetrados por questões políticas contra a infância deste imenso país.
Tua segunda morte carrega o legado de que, mais do que nunca, devemos cuidar da tenra idade contra os infanticidas, dos de ontem como também os da atualidade.
Com ousadia, sem procuração alguma, a não ser pela memória da carne violada, tomamos para nós, por tais testemunhos, a exigência de que quem nos torturou, no ventre ou fora dele, responda pelos crimes de inexorável covardia, contra aqueles que devem ser protegidos desde a fecundação.
Assim cumprimos com a civilizatória missão de proteger os filhos do povo brasileiro.
Neste sentido, é preciso que as Comissões da Verdade façam as ligações na perspectiva de traçar um paralelo comum entre essas vivências de filhos de presos políticos e dos inúmeros centros de detenção de menores, criados durante a ditadura, como a Febem e que na vida democrática não mudou seus métodos e, como é o caso de São Paulo, onde a tortura se esconde travestida pelo pomposo nome de Fundação Casa.
Apenas agora nos debruçamos sobre a infância na ditadura militar e há um caminho extenso a percorrer. Tal caminho seguramente irá nos levar aos filhos de camponeses e crianças indígenas, além dos casos de filhos de militantes políticos, já bastante relatados.
Há dois anos conheci Sebastião, ex-motorista do Incra durante a Guerrilha do Araguaia, na cidade de Marabá. Tal pessoa relatou-me sua revolta ao lembrar que na Base da Bacaba havia uma ala de tortura apenas para crianças e jovens, filhos dos sertões naquele país profundo e desigual.
Aqui destaco o registro poético de meu pai, que assim relatou meu nascimento em força e arte: “A criança nasceu. A mãe passa bem. Apesar de todas as proibições, bebamos vinhos até a embriaguez! Quem é que pode com povo?”
Acho que este momento em que o Brasil se debruça sobre a questão da violência e do barbarismo do regime militar é um momento muito importante da vida nacional, da civilização brasileira.
Eu tenho um irmão, o Ronaldo, que foi gerado na prisão. Quando meus pais voltaram ao Pará, num período mais leve da prisão deles, um militante político disse ao oficial do dia que meus pais estavam separados há muito tempo e que precisavam ficar juntos. E o oficial consentiu que os meus pais ficassem juntos. E, nesse dia, meu irmão foi gerado na prisão.
Para nós, um momento que foi absolutamente terrível foi a manhã de domingo em que, através das redes sociais, nós tivemos a informação da morte de Carlos Alexandre Azevedo. Eu ficava pensando: “O que me salvou? Quais foram os caminhos que me permitiram estar vivo, poder travar a luta política e a militância?” E o que eu pude apurar é que questões foram absolutamente decisivas nesse sentido.
Primeiro, as relações sociais. Eu tive um pai e uma mãe absolutamente afetuosos, generosos. Com todas as dificuldades, com todas as
proibições, me ensinaram valores absolutamente pertinentes, como poder ter a capacidade de fazer o enfrentamento na vida atual, como de revisitar a Lei da Anistia. Nós precisamos atuar nisso. Precisamos fazer com que aqueles que nos barbarizaram, no ventre ou fora dele, paguem pelo que fizeram.
Existe uma luta na sociedade brasileira nessa perspectiva. E nós precisamos ganhar a sociedade brasileira para isso. Esse é um dos fatores que têm me alimentado a vida: não apenas ter vivido esse processo todo, ter nascido na prisão, ter tido um pai assassinado, mas também esse processo da luta política, da militância social. E aqui eu não quero colocar em discussão o Partido A ou Partido B, mas sempre a perspectiva da luta coletiva, da luta civilizatória, na luta para fazer valer a questão dos direitos humanos no nosso país, revisitando isso na atualidade.
Queria render minhas homenagens aos que lutaram, aos que tombaram e aos meus pais. Há um fato muito característico nessa relação com eles, que é como eles colocaram nos filhos o seguinte sentido: “Vão para a luta. Vão enfrentar as questões”.
É essa convicção, é esse heroísmo que foi capaz de me fazer ter nascido. O mesmo heroísmo da Crimeia [Alice Schmidt de Almeida], de companheiras que geraram seus filhos na prisão, sob tortura, sob sevícia, sob espancamentos, sob grande pressão psicológica.
Quando eu nasci, minha mãe pesava 37 quilos. Ela foi cortada de uma ponta a outra sem anestesia e não disse um “ai”. Não tem coisa que mais me orgulhe nessa vida do que isso. É como um combustível, um motor para travar a luta.
Essa é a tarefa deste momento. Contar esta história para vacinar a consciência nacional dos brasileiros para que nenhum filho nasça na prisão, para que nenhum filho tenha esse dissabor de não conhecer o pai.
Quando eu nasci, fiquei apartado dos meus pais por mais de um ano e meio. Fui viver com os meus avós paternos. Nascer na prisão concretamente é nascer no presídio. Meus pais foram presos em outubro de 1971, ambos estudantes da Universidade de Brasília. Minha mãe estudante de Ciências Sociais, e meu pai estudante de Direito, militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Eles saíram do Pará, onde eram estudantes, para organizar, a pedido da Direção Nacional da Ação Popular, o Movimento Estudantil em Brasília, em particular na Universidade de Brasília. E o meu pai e minha mãe foram presos em outubro de 1971. E eu venho a nascer em fevereiro de 1972. Um período absolutamente terrível para todos nós.
A minha infância foi muito marcada exatamente por isso. Porque os meus pais diziam o que eles eram. Eu me lembro, eu não devia ter 4 ou 5 anos de idade, que o meu pai dizia para mim: “Olha, nós somos comunistas. E se tu disseres isso por aí nós podemos ir presos”. Me lembro que, quando menino, eu estudava em uma escola católica, e um belo dia uma professora de moral e cívica mandou que eu pintasse com as cores as três armas: verde o Exército, azul a Aeronáutica, e branco a Marinha. Eu pintei tudo de vermelho e escrevi do lado “Exército vermelho”. Chamaram a Hecilda para prestar contas na escola e minha mãe disse: “É isso mesmo”.
Meus pais foram enquadrados pelo 477 [decreto-lei de 1969 que previa a punição de professores, alunos e funcionários de universidades considerados culpados de subversão ao regime], e foi um momento muito interessante de nossas vidas em que nós ficamos juntos. Mas logo depois que eles puderam retomar a universidade e se formaram, meu pai entrou na luta política e foi para a região do Araguaia, muito em função das informações já recebidas durante o processo do PIC, quando chegam os primeiros camponeses presos em Brasília.
Desde muito cedo nós convivemos com a violência, com as ameaças. Com 8, com 9, com 10 anos de idade, nós já sabíamos da atividade deles. E isso tinha um impacto muito forte. Eu devia ter uns 9 anos de idade quando começaram a vir camponeses em casa todo tempo. E quando a turma chegava eu e meu irmão éramos desalojados do nosso quarto, aquela coisa bem urbana em Belém do Pará. E uma vez eu tentei peitar meu pai, dizendo: “Que história é essa, meu pai, esse pessoal vem para cá e tal, toma o nosso quarto?” E eu recebi talvez a mais importante lição na vida quando ele disse: “Olha, esses camponeses que estão aí, quando eu vou para a terra deles, para os sertões, eles me protegem a vida. Eles dão a cama para eu dormir”. E foi ali naquele momento que eu percebi a grandeza da atividade deles.
E eu só me ressinto muito de não ter podido ter mais convivência em particular com meu pai. Porque em certa medida, os sertões e a luta no Araguaia exigiam dele um afastamento de meses sem nos ver. Uma das coisas que eu julgo ser mais importantes é aquilo que os filhos pensam da gente. Eu tenho filhos e não são poucos, e eu sempre quero que eles gostem de mim como eu gostava e gosto do meu pai.
Quando meu pai foi assassinado, em 11 de junho de 1987, claro que não estávamos mais no período da ditadura militar, mas ele foi liquidado por agentes da repressão. O latifúndio foi pegar quem para fazer a liquidação física desses lutadores do povo, lutadores da luta pela reforma? Foi pegar gente experimentada, gente que conhecia os porões. Quando meu pai foi assassinado, eu pensei: “O que eu vou fazer da minha vida?” Eu tinha 15 anos de idade.
Nós estudávamos à tarde e o meu pai foi assassinado às 10h40 da manhã. Eu escutava rock and roll com o meu irmão mais novo naquela vitrola que quando terminava o disco, voltava para o rádio. E nessa história de voltar para o rádio, anunciaram o assassinato do meu pai.
Quando ele chegava em um lugar, brilhava. Eu tenho uma imagem dele como uma coisa que brilha, como um sol. E a minha mãe como um oráculo, no sentido da sabedoria, da resistência.
Então falar sobre mim mesmo é falar disso, não é? Porque isso é a melhor parte que há em mim. O que há de melhor em mim foi aquilo que eles me deixaram, e que ajudaram a forjar dentro da gente, que é a convicção de que é preciso enfrentar esse momento na atualidade.
É claro que a minha vida é marcada por tragédias, ter nascido na prisão, ter convivido com ameaças. Minha mãe foi torturada no dia 19 de fevereiro, um dia antes de meu nascimento. Ela sofreu pancadas tanto nos braços quanto nas pernas. Aliás, o meu próprio parto foi sob tortura. Nasci nessas condições e tenho um irmão gerado nessas condições.
Em 1968, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Pará. Em 1969, dedicou-se no Pará a reorganizar o movimento estudantil, sendo eleito diretor da União Estadual dos Estudantes (UEE), neste momento já como militante da Ação Popular (AP).
Em 1970, mudou-se para Brasília com sua esposa Hecilda, onde participaram das lutas estudantis, da reorganização da União Nacional dos Estudantes (UNE), então na ilegalidade. Foram presos em 6 de outubro de 1971, pelo DOI-CODI, onde sofreram bárbaras torturas. Esteve preso durante um ano e oito meses, cumprindo a pena em presídios militares de Brasília, Rio de Janeiro e posteriormente transferido para o presídio São José no estado do Pará. Ao sair da prisão, já militava no Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Em agosto de 1978, foi novamente indiciado, juntamente com sua mulher, por ter denunciado publicamente as torturas que sofrera. Logo depois passou a trabalhar na Comissão Pastoral de Terra (CPT), como primeiro advogado paraense a se dedicar exclusivamente à defesa dos posseiros da região do Araguaia. Foi preso diversas vezes devido ao seu trabalho militante.
Em julho de 1981 laçou-se candidato a deputado estadual pelo PMDB e foi eleito. Também se candidatou a deputado federal nas eleições de 1986, para a Assembleia Nacional Constituinte, mas desta vez não logrou êxito.
Era constantemente ameaçado de morte e, apesar das diversas denúncias públicas que fez sobre isso, em 11 de junho de 1987 foi assassinado quando viajava para o interior do Pará, aos 38 anos de idade, a mando dos latifundiários da região.
Paulo César Fonteles de Lima deixou cinco filhos: Paulo César Fonteles de Lima Filho, Ronaldo Veiga Fonteles de Lima, João Carlos Hass Veiga Fonteles de Lima, Juliana Zaire Fonteles de Lima e Pedro César Miranda Fonteles de Lima.