José Paulo De Luca, José Paulo Vitalli Ramos, Alexandre ou Xandinho nasceu e viveu na clandestinidade nos seus primeiros anos de vida. Teve vários registros de nascimento com nomes e mães diferentes.
Oito cidades, dois estados, cinco países foi o roteiro durante quase três anos. Lugares desconhecidos, com pessoas desconhecidas, passando de mão em mão. Dezenas de mãos solidárias cuidaram dele, sabendo apenas que a mãe era procurada pela ditadura.
Em 18 de abril de 1972, aos três meses de idade deixei-o com Joana Lopes, num hospital em Londrina. Sem ter ideia dos fatos, ela segura o menino. Expliquei que meu marido fora preso por problema político, e saí rapidamente sem dar-lhe tempo de reagir. Não podia por em risco a vida de meu filho. Precisava impedir que caísse nas mãos da repressão se eu fosse presa. Joana conversa com os médicos do hospital e o menino fica internado no berçário por vários dias até conseguirem uma solução.
Sai do berçário e vai para a casa de vários professores universitários. Passava uma noite em cada casa. Por segurança e por que as pessoas tinham de manter seus horários de vida normais, para não suscitar desconfiança. Esse período ele teve como anjo da guarda Eda Arzua.
A médica Elzira Vilela busca-o em Londrina e leva para Curitiba. Ali, o menino passa dias e noites no Seminário Catarinense, aos cuidados do Padre-diretor Evaristo Debiasi e os seminaristas Vertolino e Sergio Maikot.
O bebê chorava e os seminaristas davam mamadeira. Quanto mais mamadeira, mais o bebê chorava. Não sabiam trocar fraldas e receavam chamar alguém. Queriam que o menino se calasse para não chamar a atenção dos demais sacerdotes e seminaristas. Como explicar um bebê num seminário católico, onde só moravam homens? O menino chorava e chorava. Saíram na madrugada gelada de Curitiba em busca de um pediatra. O pediatra pensou que o menino fosse filho de algum padre. Eles negam e o pediatra não fez mais perguntas. Apenas aconselha a darem mamadeira de quatro em quatro horas. Quase mataram o menino de tanta comida!
Militantes da Ação Popular se mobilizam em Santa Catarina. Quem o abriga, enrola numa manta quentinha é a jornalista Márcia Maykot.Num Volkswagen descem a Serra Geral em direção à Ilha de Santa Catarina.
Em Florianópolis, em frente à Maternidade Carmela Dutra é entregue para João Soccas, que pediu apoio ao casal francês Pihilippe e Bernadette Vialle. O estudante de engenharia, solteiro, faltava às aulas para cuidar do menino. Aprendeu a trocar fralda e esquentar mamadeira que Bernadette deixava pronta antes de sair de casa.
Semanas depois, em frente a mesma maternidade, o casal francês entrega o menino para o casal Ivo e Onadyr de Jesus de Itajaí. O menino segue para Itajaí com o nome de Alexandre, um pacote de remédios e várias recomendações, escritas numa folha de caderno, em tinta vermelha, num português arrevesado.
Calada e muda, Onadyr segura as línguas das mulheres. As vizinhas xeretavam. Diziam que ela era burra e a criança devia ser filha do Ivo com outra mulher. A cunhada desconfiada perguntava de quem era a criança. Com cinco filhos e tendo mais uma criança para alimentar, Onadyr nunca se queixou nem explicou a origem da criança. Apenas o vigário, padre Taicyl, sabia. Durante quase um ano o menino ficou em Itajaí, quando então é devolvido ao casal Vialle e daí segue para casa da avó Maria Rizzieri. Nesse período, teve como anjo Valmir Martins e Murilo Canto. Onadyr faz questão de fotografá-lo. Fotografia esta que manteve escondida durante trinta anos. Em Içara é cuidado pela Ica – Nadir dos Santos, enquanto a avó vai trabalhar.
Meses depois, se prepara para viajar a Cuba com permissão do Juiz de Menores, Wladimir Divanemko, que ordena o registro do menino com o nome verdadeiro da mãe. Cuba e Brasil não tinham relações diplomáticas. O Juiz não se aperta. Escreve no despacho: Para ir ao encontro da mãe.
Tia Darcy Terezinha De Luca e Dozolina Rizzieri viajam a Buenos Aires, onde as aguarda Yurina, da Juventude Cubana. Passam dois dias num hotel. Viajam ao Peru e Darcy acompanha-os até o embarque, em Lima. Ao entrar no avião, o menino percebe que tia Darcy não está, escapa da mãe de Yurina e sai correndo pela pista. Segundo o companheiro cubano organizador da viagem, foi o momento mais tenso da missão. O menino só tinha autorização para viajar com tia Darcy. No avião da companhia aérea Cubana de Aviación ele não sossegou, nem comeu. Tomou 17 sucos de laranja.
Yurina me entrega um menino de 2 anos e três meses, já caminhando.
Em Havana, fomos acompanhados pelos psiquiatras Elza Gutierrez e Alberto Lavandera.Em 1979, com a Lei de Anistia voltamos ao Brasil. Levei 32 anos para refazer sua trajetória desde o momento em que eu o deixei em Londrina, até a chegada em Havana. Faltam muitas lacunas a preencher, mas uma verdade é notável. Apesar da ditadura, meu filho foi envolvido numa rede de solidariedade que garantiram sua segurança. O Diário Catarinense publicou a história, em 2005 sob o título: “O bebê que driblou a ditadura”.
Em 1988, recebeu o título de Cidadã Honorária de Criciúma e, em 2001, recebeu da Assembleia Legislativa de SC a Medalha Antonieta de Barros. É autora de diversos livros, entre eles Os jasmins do Jardim de Paolo, À sombra da Figueira e No corpo e na alma, Além da lenda e o livro didático de história e geografia do município de Içara.
É professora e coordena o Coletivo Catarinense pela Memória Verdade e Justiça. Membro do CASC e da Rede Brasil Memória, Verdade, Justiça.