Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível.
Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: “Filho dessa raça não deve nascer”.
Depois, fui levada ao Pelotão de Investigação Criminal (PIC), onde houve ameaças de tortura no pau de arara e choques. Dias depois, soube que Paulo também estava lá. Sofremos a tortura dos “refletores”.
Eles nos mantinham acordados a noite inteira com uma luz forte no rosto. Fomos levados para o Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro, onde, além de me colocarem na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à “tortura científica”, numa sala profusamente iluminada.
A pessoa que interrogava ficava num lugar mais alto, parecido com um púlpito. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia.
De lá, fui levada para o Hospital do Exército e, depois, de volta à Brasília, onde fui colocada numa cela cheia de baratas.
Eu estava muito fraca e não conseguia ficar nem em pé nem sentada. Como não tinha colchão, deitei-me no chão. As baratas, de todos os tamanhos, começaram a me roer. Eu só pude tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos.
Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição em Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia. Foi uma experiência muito difícil, mas fiquei firme e não chorei.
Depois disso, ficavam dizendo que eu era fria, sem emoção, sem sentimentos. Todos queriam ver quem era a “fera” que estava ali.
Trecho do livro: Luta, Substantivo Feminino: Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Editora Caros Amigos, 2010)
Quando o casal mudou-se para Brasília em 1970, Hecilda era militante da Ação Popular (AP). Estudava Ciências Sociais na Universidade de Brasília (UnB) e morava com o marido na própria Universidade, num alojamento destinado a casais.
Era ativa militante do movimento estudantil e da reconstrução da UNE nesta cidade quando foi presa, grávida de cinco meses, em 1971.
Em seus depoimentos, Hecilda relata que foi levada primeiro à delegacia da Polícia Federal, onde já sofreu socos e pontapés e ouviu de seus algozes que “filho dessa raça não deve nascer”. Foi levada em seguida ao Pelotão de Investigação Criminal (PIC), onde sofreu ameaças e soube que seu companheiro Paulo também estava lá. Depois seguiu para o Batalhão de Polícia do Exército do Rio de Janeiro e lá as torturas físicas se agravaram. Precisou de atendimento médico sendo então levada para o Hospital do Exército. De volta a Brasília, relata que foi colocada numa cela cheia de baratas. Posteriormente, foi levada ao hospital da Guarnição em Brasília permanecendo ali até o nascimento de seu filho, Paulo. Muito mal tratada, teve um parto induzido, feito com um corte sem anestesia.
Quando saiu da prisão, Hecilda, neste momento já militante do PCdoB, manteve sua militância, ao lado do marido, em defesa dos Direitos Humanos e contra os latifundiários da região do Araguaia.
Hoje, vive em Belém (PA), onde é professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal daquele estado (UFPA).