Meu nome é Carlos Eduardo Martins Ibrahin. Sou filho de José Ibrahin e Tereza Cristina Denucci Martins.
Meu pai foi líder sindical e minha mãe atuou na luta armada no MR-8. Ela era do movimento estudantil, foi do grupo do Vladimir Palmeira. Eu nasci no Panamá. Era para eu ser chileno, porque fui concebido no Chile, mas como houve aquela fatalidade do golpe contra o [Salvador] Allende, meus pais tiveram que invadir a Embaixada no Panamá. E então eu nasci no Panamá.
Quando eu tinha quarenta dias de vida, fomos expulsos do Panamá e deportados para a Bélgica, que foi o país que aceitou asilo político do meu pai, da minha mãe e o meu. Vivemos ali por cinco anos, até a anistia. O primeiro marido da minha mãe foi morto na ditadura militar. Meu pai é o segundo marido dela, eles se conheceram no Chile. Minha mãe fugiu e meu pai foi trocado pelo embaixador americano. Todos vocês conhecem essa história marcante.
Meu pai começou a trabalhar com 5 anos de idade, foi engraxate. E com 14 anos foi trabalhar na Cobrasma. Fez o SENAI, e aos 16 já era diretor do sindicato. Com 20 anos, ele foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Nossa família começou a trabalhar muito cedo. Aos 10 anos, sem precisar trabalhar, eu catava jornal na vizinhança para vender para o peixeiro embrulhar peixe na feira. O Gabriel, meu irmão, também sempre teve essa consciência. Meu pai começou a luta política muito cedo. Com 20 anos de idade ele já era presidente do maior Sindicato de Metalúrgicos daquela região, de maior liderança.
A estratégia dele de greve era muito singular. Ao invés dele estruturar o Sindicato, trabalhar o Sindicato de cima para baixo, ele fez ao contrário. Procurou montar Comissões dentro das fábricas. Por isso que a greve dele na verdade foi uma greve geral de metalúrgicos, porque não foi só Osasco que parou, foi Guarulhos também e outras regiões que pararam em solidariedade. Aí meu pai foi demitido por justa causa, foi preso, ficou preso sete meses no DOPS, torturado todos os dias, pau de arara, choque e etc. Foi trocado pelo embaixador americano. Foi para o México, foi para Cuba. A intenção de morar em Cuba era justamente se aprimorar na luta armada, para voltar para o Brasil. De Cuba, foi para o Chile porque a ideia dele, depois de três anos em Cuba, era aprender como é que o Allende estava trabalhando lá. E aí aconteceu o que aconteceu. Conheceu minha mãe, tiveram que ir para o Panamá. Na Bélgica ele coordenou junto com pessoas como [Leonel] Brizola e Cesar Maia, entre outros, um processo político para pressionar na redemocratização do Brasil. Desde o Chile ele já vinha fazendo isso.
Ele criou na Bélgica, junto com a Organização das Nações Unidas, a Casa Latino Americana, que tinha como objetivo abrigar, dar suporte psicológico, social e financeiro para os exilados políticos da América Latina. A partir desse trabalho, a Casa Latino Americana pôde salvar muitas vidas, trazer muitos companheiros que estavam nas ditaduras, sofrendo com perigo de morte.
Com a anistia, voltamos ao Brasil. Eu não queria sair da Bélgica. Minha mãe trabalhava no Mercado Comum Europeu, meu pai estava presidindo a Casa Latino Americana pela ONU, enfim, ganhando bem, com uma estrutura. E a Bélgica é um estado de bem estar social dos mais exemplares que existe na história do mundo. Então eu não queria, mas tive que voltar. Era pequeno, tinha 6 anos.
A minha infância foi muito difícil. Primeiro, eu só consegui minha cidadania nata aos 23 anos de idade porque entrei com uma ação contra a República. Minha certidão era provisória. Para eu tirar meu título de eleitor tive que ser subversivo. Um amigo de Goiás me disse: “Aqui no Estado de Goiás tem uma cidade chamada Panamá”. Então, eu tenho uma carta de identidade que diz que eu nasci no Panamá, Goiás. Só assim pude tirar o meu título de eleitor. Inclusive, por conta disso, por esse argumento eu entrei com um pedido de Anistia Política e indenização na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Por conta de o Estado ter rasgado a Constituição, o direito Constitucional, o meu direito de ser cidadão nato, eu tive que entrar com uma ação, gastei dinheiro com advogado, tudo para receber minha cidadania nata. Tanto é que minha certidão de nascimento, eu vou escanear e mandar para vocês, ela me dá a cidadania nata, mas está escrito assim, “Por força do ato tal, folha tal, folha tal, folha tal…”. Quer dizer, isso foi forçado.
Isso aconteceu não só comigo, muitos filhos de exilados sofreram muito. Inclusive os nossos telefones eram grampeados pelo SNI. Até o governo Collor, a vida do meu pai e da minha mãe e a minha eram controladas. Só depois do governo Collor que isso parou. Então, toda essa conjuntura teve um impacto muito forte nos filhos dos exilados.
Quando voltamos ao Brasil, eu morei dois anos em Osasco, com meu pai e minha mãe e aí eles se separaram. Meu pai estava naquela de montar o PT e a CUT. Ele foi o Primeiro Secretário Geral do PT, e se preparava para ser candidato a Deputado Federal, nas eleições de 1982. E logo depois das eleições eu fui morar no Rio.
Meu avô [Dirceu Martins] também era uma pessoa muito politizada. Durante a ditadura militar ele foi tesoureiro chefe do Banco Central. Era uma pessoa também engajada politicamente, de um outro lado, mas engajada. Ele fazia o desenho do passaporte que vocês têm na mão hoje, porque foi presidente da Casa da Moeda, que fazia o passaporte. O que ele fazia? Ele pegava vários passaportes desmontados, levava para casa, montava direitinho e dava para as pessoas fugirem. Ele ajudou muita gente a sair do Brasil pela fronteira.
Depois, eu mesmo tive minha vida política. Fui presidente do meu Grêmio, diretor secretário-geral do DCE da PUC por muito tempo, vice-presidente nacional da juventude do PSDB durante oito anos, trabalhei muito tempo com Franco Montoro.
Minha mãe morreu em 2011. Eu resolvi dar uma parada, cuidar da minha vida pessoal. Agora em 2013 meu pai falece. Então no prazo de um ano e dez meses mais ou menos eu perdi os dois.
Minha mãe morreu de uma maneira que ninguém gosta de morrer, sofrendo, e meu pai morreu como um anjo, dormindo. Então, duas mortes diferentes, completamente diferentes. Mas o fato é o seguinte: eu estou disposto, com meu irmão, a dar continuidade à vida pública do meu pai, a imagem do meu pai, e eu, particularmente, tanto da imagem do meu pai quanto da minha mãe. Dar continuidade ao trabalho que ele estava fazendo.
Minha mãe, Tereza Cristina Denucci Martins, foi guerrilheira, sabia atirar como ninguém. O primeiro marido dela, Paulo Bastos, foi morto na ditadura, jogado vivo na Baía de Guanabara. Isso criou uma confusão muito grande porque eu não consegui minha certidão de nascimento de primeira mão, que era a provisória. Porque o primeiro marido da minha mãe era considerado vivo. Estava morto. E o meu pai era considerado morto e estava vivo. Logo, eu seria filho do Espírito Santo. Então eu só consegui a cidadania provisória depois que saiu o atestado de óbito do primeiro marido da minha mãe. E até então eu tinha já uns 10 anos de idade. Ou seja, até os 10 anos de idade eu não existia, entendeu? Hoje, eu tenho 39, mas eu não tenho 39, eu tenho 39 menos 10, que só com 10 anos eu passei a existir.
Estamos dispostos a continuar essa luta, não só na Comissão da Verdade, mas no Movimento Sindical e no Movimento Partidário. Meu pai atuou em três focos: Movimento da Organização Social Civil, redemocratização e Partido Político. Ele foi filiado ao PT, PDT e o último partido no qual ele militou foi o PV. Foi fundador, por exemplo, junto comigo do CEAT, que é o Centro de Atendimento ao Trabalhador. Durante muito tempo meu pai foi Secretário Geral do Conselho Consultivo do CEAT. Tinha esse trabalho na área das organizações não governamentais, e tem todo o trabalho internacional do meu pai. Até hoje ele é o sindicalista mais conhecido no exterior.
Meu pai foi vice-presidente da Comissão de Educação para o Trabalho na OIT. Teve uma atuação grande na disseminação do trabalho digno. Eu também tive a oportunidade de contribuir nisso. Quando eu trabalhei no governo Marcelo Alencar, fiz parte da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil no Rio de Janeiro e consegui mandar prender muita gente que fazia trabalho escravo no Rio de Janeiro.
Então essa questão do mundo do trabalho foi também minha atuação. E eu quero continuar com isso. Eu e meu irmão queremos continuar com esse trabalho dele. Tanto é que estamos criando um espaço vivo sobre a memória do José Ibrahin. E como pano de fundo, o mundo do trabalho e a democratização do Brasil. Futuramente, será criado um espaço do José Ibrahin no Museu da Cidade de Osasco e no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco.
Eu vivi intensamente o exílio, intensamente a redemocratização do Brasil. Fui subversivo e tirei meu título de eleitor para votar no Roberto Freire. Queria votar nele de qualquer jeito. Depois eu me engajei como vicepresidente nacional da juventude do PSDB, me engajei na eleição do Fernando Henrique. Viajei o Brasil inteiro com essa bandeira. Fui assessor do senador Artur da Távola. Fiz história na PUC e depois fiz mestrado em Engenharia de Produção na UFRJ.
Eu tive a oportunidade, por ter a sorte de ter nascido do José Ibrahin e da Tereza Cristina, de conhecer não só meu pai e minha mãe, mas muita gente que fez, que faz parte da história política do nosso Brasil. Tive a oportunidade de ter um relacionamento íntimo com Mário Covas, com Franco Montoro, com Brizola, com Jacó Bittar, que era muito amigo do meu pai. Enfim, com o próprio Lula, em especial também o José Dirceu, que até hoje é amigo da família, enfim, e de muita gente do Movimento Sindical.
Estou disposto a trabalhar junto com a Comissão para a verdade realmente aparecer. Muitas injustiças foram cometidas aqui neste país e a justiça tem que vir à tona para todos nós.
Ontem [5 de maio 2013] eu falei para três mil pessoas no aniversário de 50 anos do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos, onde meu pai foi homenageado e fomos receber uma placa. E eu falei para os trabalhadores que meu pai foi torturado fisicamente, mas que a maior tortura psicológica que fizeram foi na vida das famílias brasileiras. Os trabalhadores foram duramente repreendidos nessa época. Comentei que a ditadura militar era um câncer, que até hoje a gente não conseguiu curar porque para muita gente não interessa que a verdade venha à tona.
Denucci Martins, formado em História (PUC RJ),
Mestre em Engenharia de Produção com foco em Engenharia de Financiamento Social (COPPE/URFJ) e Doutorando em Economia (Universidade de Coimbra – Portugal), tem uma empresa de consultoria em projetos.
Aos 18 anos, em 1965, fundou ilegalmente a primeira comissão de fábrica, na Cobrasma, experiência que serviria de base para reorganização, dois anos depois, do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Osasco (até então na ilegalidade).
Entre 16 e 21 de julho de 1968 liderou a primeira greve de trabalhadores durante a ditadura militar no Brasil, por melhores condições de trabalho e contra a política de arrocho salarial, imposta pelos militares desde 1964. Além dos trabalhadores da Cobrasma, operários das empresas Braseixos, Barreto Keller, Granada, Brown Boveri e Lanoflex aderiram ao movimento grevista. Ao todo, 22 mil trabalhadores aderiram à paralisação.
Ibrahin tinha apenas 21 anos de idade na época em que comandou a greve. Foi demitido e com os direitos políticos cassados, caiu na clandestinidade e passou para a militância armada, ingressando na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A VPR o destacou para São Paulo, onde trabalhou na organização sindical entre Osasco e São Paulo, até que em 1969 foi preso e levado ao DOI-Codi, onde foi torturado.
Em setembro de 1969, com o desfecho do sequestro do embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, foi um dos quinze presos políticos libertados na troca, também foram libertados José Dirceu, Flávio Tavares, Vladimir Palmeira, Ricardo Zarattini, entre outros. Foi para o exílio, permanecendo por dez anos fora do país, vivendo no México, Cuba e Chile.
Em 1979, com a Anistia aos perseguidos políticos da ditadura, Ibrahin retorna do exílio e foi um dos articuladores da fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980 e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. Em 1991, Ibrahin foi um dos principais articuladores da criação da Força Sindical. Posteriormente desentende-se com a cúpula da Força Sindical e filia-se a União Geral dos Trabalhadores (UGT), onde torna-se Secretário de Formação Política. Ibrahin faleceu na madrugada do dia 1º para o dia 2 de maio de 2013, aos 66 anos.
Integrou a luta armada, militando no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Participou da organização do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969. Foi casada com o mineiro Paulo Costa Ribeiro Bastos, também militante do MR-8, desaparecido em julho de 1972, após ser de preso por agentes da ditadura.
Exilada no Chile, Tereza passou a viver com José Ibrahin. Com a queda de Salvador Allende, em setembro de 1973, o casal invade a embaixada do Panamá e segue para o país andino, onde nasce o filho deles, Carlos. Com 40 dias de vida do bebê, a família é expulsa do Panamá e consegue ser recebida na Bélgica, onde ficaram até a Anistia.
Na Bélgica, fez mestrado, doutorado e pós-doutorado em ciência política e relações internacionais pela Universidade Livre de Bruxelas.
No Brasil, trabalhou no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) coordenando o setor de transferência de tecnologia. Criou e coordenou a coordenadoria de Ciência e Tecnologia da prefeitura do Rio de Janeiro, hoje Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia. É fundadora da Fundação BioRIO. Foi gestora de projetos no Sebrae-RJ e participou de diversos projetos com foco na difusão de ciência e tecnologia e transferência internacional. Trabalhou na área de qualificação.