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INICIAL DO NOME:

GASTONE LÚCIA CARVALHO BELTRÃO

OCORRÊNCIA

desaparecida em São Paulo no dia 22 de janeiro de 1972 e identificada e sepultada em 1975

DADOS PESSOAIS
Filiação: João Beltrão de Castro e Zoraide de Carvalho Beltrão
Data e local de nascimento: 14 de janeiro de 1950, em Coruripe (AL)
Profissão: Estudante
Atuação política: Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN)
Data e local da morte/desaparecimento: desaparecida em São Paulo no dia 22 de janeiro de 1972 e identificada e sepultada em 1975
Organização política: Ação Libertadora Nacional (ALN).

Arquivos

RELATO DO CASO

Nasceu em 12 de janeiro de 1950, em Coruripe (AL), filha de João Beltrão de Castro e Zoraide de Carvalho Beltrão. Morta em 22 de janeiro de 1972. Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva, em Maceió (AL), e concluiu o ensino médio no Rio de Janeiro (RJ), local onde morava sua avó e onde iniciou sua militância política.

Desde muito jovem já manifestava preocupação com as desigualdades sociais e, ainda adolescente, visitava os presos comuns, levando roupas e alimentos.

Voltando a Maceió, em 1968, ingressou no curso de Economia na Universidade Federal de Alagoas, com aprovação em 3º lugar no vestibular. A partir de então teve uma militância mais efetiva, inicialmente na JUC (Juventude Estudantil Católica), passando posteriormente à clandestinidade.

Casou-se em 1969 com José Pereira e logo em seguida viajou para a Europa, para realização de um curso de guerrilha urbana. Ainda em 1969, já como militante da ALN, viajou para Cuba, onde também realizou treinamento de guerrilha durante alguns meses. Depois de uma rápida passagem pelo Chile, retornou clandestinamente ao Brasil. Morreu há menos de um mês de seu retorno.

De acordo com a versão oficial, registrada na requisição de exame necroscópico, Gastone foi morta em 22 de janeiro de 1972, na rua Heitor Peixoto esquina com rua Inglês de Souza, bairro do Cambuci, em São Paulo, “[…] após travar violento tiroteio com agentes dos órgãos de Segurança, no transcorrer do qual feriu três policiais, foi ferida e, em conseqüência, veio a falecer”.

Apenas dois meses depois a mãe de Gastone, Dona Zoraide, e seu pai, o médico sanitarista João de Castro Beltrão, receberam a notícia, por intermédio de um professor do curso de História da Universidade Federal de Alagoas, acerca de uma carta enviada por algumas freiras, relatando que havia indícios de que Gastone poderia estar morta.

Dona Zoraide foi imediatamente ao DOPS paulista e, após muito insistir, conseguiu falar com o delegado Fleury, comandante da ação que culminou com a morte de Gastone, o qual inicialmente dizia não se lembrar do caso, mas acabou por declarar que a filha era uma moça muito corajosa e forte, e que resistira até a última hora.

Gastone foi enterrada como indigente no cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo/SP.  A família não conseguiu efetuar a exumação do corpo, e teve que esperar três anos para obter a autorização e trasladar seus restos mortais para o Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Maceió, o que ocorreu em 1975.

Após a realização de pesquisa da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos nos arquivos do IML e da Polícia Técnica de São Paulo, foi possível desvendar parte da história e demonstrar a falsidade da versão policial dada à sua morte.

De acordo com o registro oficial, o corpo de Gastone deu entrada no IML às 15h30min, de 22 de janeiro de 1972. Suas vestes e objetos, conforme está escrito no verso da requisição de exame necroscópico, “[…] foram entregues ao Sr. Dr.Fleury”.

O laudo necroscópico foi realizado às 18 horas de 28 de janeiro de 1972 e assinado pelos legistas Isaac Abramovitc e Walter Sayeg, constando na requisição de exame morte às 14:30h (anexo 001 p. 01 e 03) e no laudo horário da morte 11h (anexo 001 p. 4).

O laudo indica 13 ferimentos a bala, orifícios de entrada e saída, descrevendo fraturas no cúbito e rádio esquerdo, ossos do punho esquerdo e no terço superior do úmero direito. A resposta ao quarto quesito do laudo, em que consta a pergunta se a morte foi produzida por meio de veneno, fogo, asfixia, tortura ou por outro meio insidioso ou cruel, foi negativa.

Em todos esses documentos, Gastone está identificada com todos os dados corretos. No entanto, quando houve a divulgação da versão policial no jornal O Globo, de 25 de janeiro (Dossiê Ditadura p. 311), três dias após a data oficial da morte, não há referência à sua identidade ou militância. No artigo citado, intitulado “Pistoleira Fere e Morre em Duelo com Policiais”, pode-se ler: “No ponto do ônibus, ao lado do assaltante João Ferreira da Silva, o Tião, perigoso marginal procurado, estava a jovem loura. Os três policiais da ronda se aproximaram para a captura, quando foram surpreendidos pela mulher, que sacou revólver da bolsa e abriu fogo. Dois policiais caíram baleados e o terceiro continuou na perseguição, pois seu comparsa desapareceu. Mais adiante, na avenida, o agente alcançou a pistoleira que, novamente, resistiu à bala na iminência da prisão. Atingida por disparos dos policiais ela faleceu a caminho do hospital. Na escapada ela deixou cair a bolsa com documentos, que foi apanhada na rua pelo transeunte Adalberto Nadur. Este a entregou ao agente que estava no encalço da pistoleira. O policial embarcou em um táxi para localizar a mulher, mas esqueceu a bolsa no veículo. Um apelo por rádio foi feito ao motorista do táxi para que entregue a bolsa da mulher, na delegacia mais próxima de sua residência, pois somente com a devolução a polícia poderá identificar a morta, através do documento ou pista. As autoridades não divulgaram os nomes dos três policiais envolvidos no tiroteio.

O Laudo de Perícia Técnica 8.355, localizado nos arquivos da Polícia Técnica de São Paulo, tem a seguinte informação: “Às dezessete horas do dia vinte e dois de janeiro de mil novecentos e setenta e dois, este Instituto de Polícia Técnica recebeu do Delegado de Polícia de Plantão no sexto Distrito policial, Del. Jácomo José Orselli, um comunicado, por telefone e, posteriormente, confirmado pela requisição de exame BOAD nº 42/72, na qual solicitava exame pericial em prédios da Rua Inglês de Souza, da Rua Basílio da Cunha, em veículo e em cadáver até então desconhecido.”

Segundo o relatório do Ministério da Aeronáutica, encaminhado ao ministro da Justiça em 1993, Gastone “[…] faleceu dia 22 de janeiro de 1972, após travar tiroteio com agentes de segurança em São Paulo (SP)”. O relatório do Ministério da Marinha registrou a mesma versão, sem citar a data, e assinala como local da ocorrência a avenida Lins de Vasconcelos.

Os documentos encontrados no Arquivo da Polícia Técnica indicam a rua Heitor Peixoto com Rua Inglês de Souza como o local da morte.

Em função das contradições presentes nos documentos oficiais, o caso de Gastone foi submetido a exame do perito criminal Celso Nenevê.

Após a análise das fotografias, o perito constatou que Gastone tinha 34 lesões enquanto o laudo descrevera 13 ferimentos à bala com os respectivos orifícios de saída. O perito concentrou-se em duas lesões, uma na região mamária e outra na região frontal. Ampliou a foto da ferida na região mamária em 20 vezes. Abramovitc descrevera a lesão como resultante de “[…] tangenciamento de projétil de arma de fogo”. Nenevê constatou que, em vez de tiro, se tratava de uma lesão em fenda, produzida por faca ou objeto similar. E agregou que, dado o formato em “meia-lua”, o ferimento fora produzido com o braço levantado. A lesão estrelada na região frontal indica que o tiro foi disparado com a arma encostada, de cima para baixo. Essas duas lesões são totalmente incompatíveis com a versão de tiroteio, pois a lesão produzida por faca ou objeto similar requer proximidade entre agressor e vítima, e o tiro encostado na testa demonstra execução.

Nenevê concluiu o parecer ao afirmar que, considerando a requisição de exame ao IML e o relatório do local, em que é explicitado “violento tiroteio” em alusão às circunstâncias em que a vítima fora ferida; e considerando que no laudo de exame cadavérico o legista constata “[…] fratura de cúbito e rádio esquerdos, ossos do punho esquerdo e do terço superior do úmero direito”, entendeu o perito que, tanto o relatório de local como o laudo médico-legal, não estabelecem pormenores que possibilitem compatibilizar as lesões descritas com as circunstâncias em que fora travado o aludido tiroteio. Salientou que Gastone, a partir do momento em que teve os membros superiores inabilitados, não ofereceria resistência armada.

As circunstâncias da morte não foram restabelecidas, mas a CEMDP reconheceu que Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, medindo 1,55 m de altura e com 34 lesões, a maioria produzida por tiros, inclusive um à queima-roupa, além de facada, fraturas, lesões e equimoses por todo o corpo, não morrera no “violento tiroteio” atestado pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), o IML (Instituto Médico Legal) e o IPT (Instituto de Polícia Técnica), e sim depois de presa pelos agentes dos órgãos de segurança. O caso é o de nº 238/96, tendo como relator Nilmário Miranda, e foi aprovado por unanimidade em 27 de agosto de 1996.

Em sua homenagem, a cidade de Maceió deu o seu nome a uma rua localizada no loteamento Parque dos Eucaliptos.

A Comissão Estadual da Verdade do Estado de São Paulo realizou a 119ª audiência pública sobre o caso, no dia 20/03/2014 (ver transcrição em anexo)

 

Fontes investigadas:

Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 119ª audiência pública sobre o caso de Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, realizada no dia 20/03/2014.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

DOPS/SP

 

SÉRGIO PARANHOS FLEURY

 

Delegado

Prisão, tortura e assassinato

 

Morto

Quando procurado nas dependências do DOPS/SP pela mãe de Gastone, sra. Zoraíde, informou a essa que sua filha estava morta, relatando que ”...era uma moça muito corajosa e forte, e resistira até a última hora” (Dossiê p. 310) Além disso, a requisição de exame necroscópico (anexo 002-requisicao-e-exame-necroscopico.pdf) atesta à p. 02, com relação aos objetos pessoais de Gastone, que “vestes e objetos, entregues ao Dr. Fleury)

IML/SP

Isaac Abramovitc

Médico Legista

Falsificação de laudo necroscópico

morto

Perícia realizada por Celso Nenevê (anexo 005-dossie-comissao-especial-mortos-desaparecidos-politicos.pdf, p. 108 a 119), constatou as divergências entre o laudo elaborado por Issac Abramovitc e Walter Sayeg (anexo 002-requisicao-e-exame-necroscopico)

IML/SP

Walter Sayeg

Médico Legista

falsificação do laudo necroscópico

???

Perícia realizada por Celso Nenevê (anexo 005-dossie-comissao-especial-mortos-desaparecidos-politicos.pdf, p. 108 a 119), constatou as divergências entre o laudo elaborado por Issac Abramovitc e Walter Sayeg (anexo 002-requisicao-e-exame-necroscopico.pdf)

IML/SP

Arnaldo Siqueira

Diretor do IML/SP

Responsável pela designação dos médicos que assinaram o laudo necroscópico fraudulento

???

anexo 002-requisicao-e-exame-necroscopico.pdf p. 4

Polícia Civil

Jácomo José Orselli

Delegado de Plantão no Sexto Distrito Policial

Colaboração na produção da versão fraudulenta dos fatos

???

Requisitou à Polícia Técnica o exame pericial do local (anexo 004-laudo-do-local-IPT.pdf p. 1)

IPT/SP

Ernesto Eleutério

Perito Criminal

Produção de laudo fraudulento do local

???

Anexo 004-laudo-do-local-IPT.pdf

FONTES DA INVESTIGAÇÃO

1. Documentação principal

 

 

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Foto de Gastone Viva

 

Arquivo IEVE

001-foto-gastone.pdf

Ficha de cadastro no CENIMAR (Centro de Informações da Marinha)

CENIMAR

Informações constantes em órgão da Marinha

003-ficha-CENIMAR-centro-informacoes-da-marinha

Dossiê da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Documento encaminhado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

005-dossie-comissao-especial-mortos-desaparecidos-politicos.pdf

Ficha de cadastro no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)

DOPS

Informações constantes no DOPS/SP

007-ficha-dops.pdf

Certidão de óbito

 

Conforme a certidão de óbito, Gastone faleceu em virtude de anemia aguda traumática. A certidão teve como declarante Pedro de Oliveira.

008-certidao-obito.pdf

 

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

 

Documento

 

fonte

Observação

Anexo

Requisição e exame necroscópico

Arquivo IEVE

 

002-requisicao-e-exame-necroscopico.pdf

Laudo da perícia no local

Arquivo IEVE

 

004-laudo-do-local-IPT.pdf

Fotos da perícia no local e do corpo

Arquivo IEVE

 

006-fotos-pericia-local.pdf

 

 

3. Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

 

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

 

Nome

Órgão / Função

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Gastone Lúcia Carvalho Beltrão foi morta sob tortura pelos agentes do DOPS/SP, sendo a versão oficial divulgada uma fraude, conforme atestaram provas produzidas posteriormente.

Recomendações: Retificação do Atestado de Óbito, a fim de que conste o real motivo da morte de Gastone; Há necessidade de apurar a responsabilidade dos agentes citados e investigar se houve outros agentes envolvidos; que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiada política de Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra esta.

 

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