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INICIAL DO NOME:

ANTÔNIO RAYMUNDO LUCENA

OCORRÊNCIA

Desaparecido em 20 de fevereiro de 1970

DADOS PESSOAIS
Filiação: José Lucena Sobrinho e Ângela Fernandes Lima Lucena
Data e local de nascimento: 11 de setembro de 1922, em Colina (MA)
Profissão: Operário
Atuação política: PCB e Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)
Data e local da morte/desaparecimento: Desaparecido em 20 de fevereiro de 1970
Organização política: Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

RELATO DO CASO

Antônio Raymundo Lucena nasceu em 11 de setembro de 1922, em Colina (MA), filho de José Lucena Sobrinho e Ângela Fernandes Lima Lucena. Morto em 20 de fevereiro de 1970. Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Aos 12 anos de idade teve uma úlcera ocular que lhe ocasionou a perda da visão do olho direito. Nessa época, começou a ocupar-se de atividades de instalações elétricas, serviços de pedreiro e mecânica. Aos 17 anos assumiu a função de mestre de oficina mecânica, além de acumular os cargos de apontador e encarregado de uma pequena estatal. Ao casar-se com Damaris, Lucena começou a trabalhar como mestre de serraria e ela como fiandeira (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Em março de 1950, embarcou em um caminhão pau-de-arara para a cidade de São Paulo. Dois meses depois, mandou buscar a mulher e o filho. Em razão da penosa viagem e da subnutrição, perderam o filho, vitimado pela difteria. Ainda em 1953, o casal participou da campanha “O Petróleo é Nosso”. Nessa época, ele e sua esposa eram operários na Jafet, indústria têxtil localizada no bairro do Ipiranga. Em 1954, ingressou no Partido Comunista (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Lucena aposentou-se em 1964 por invalidez. Como era cego de um olho, teve o direito a uma banca na feira isenta de impostos. Damaris tirou carta de motorista e logo adquiriu uma perua, para facilitar o transporte do material de trabalho (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Em 1968, passaram a fazer parte da VPR, tendo Lucena participado de diversas ações armadas. Em 1969, o casal já vivia na clandestinidade com os filhos, em Atibaia (SP), e era responsável por guardar os fuzis FAL subtraídos por Lamarca quando fugiu do quartel de Quitaúna (SP), em janeiro de 1969. Seu filho mais velho, Ariston, também militante da VPR, veio a ser preso em 1970, após ter escapado, juntamente com Lamarca, do cerco militar estabelecido na área de treinamento de guerrilha da VPR, no Vale do Ribeira (SP), em 31 de maio de 1969. Ariston chegou a ser condenado à pena de morte, que foi comutada em prisão perpétua e, mais tarde, para 30 anos (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Em 20 de fevereiro de 1970, por volta das 15 horas, a porta do sítio em Atibaia foi golpeada violentamente por militares. Lucena dormia. Começaram a atirar. Lucena tombou gravemente ferido e, logo em seguida, recebeu mais tiros. Damaris afirma que Lucena, atingido, caíra ao lado do tanque, já fora da casa, quando um último tiro foi disparado em sua têmpora, na presença dela e dos filhos. Ela e as crianças foram presas. Saíram da prisão por ocasião do sequestro do cônsul japonês na capital paulista, Nobuo Okuchi, em março de 1970, e foram para o México, banidos do Brasil até a Lei de Anistia, de 1979 (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Lucena foi sepultado como indigente no Cemitério de Vila Formosa, em São Paulo. Em 1990, com a abertura da Vala de Perus e o apoio da então prefeita Luiza Erundina, diversas escavações foram feitas, sem êxito, na tentativa de localizar seus restos mortais (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Apresentado o caso (245/96) à CEMDP, em 2 de dezembro de 1997, o relator Luís Francisco Carvalho Filho votou pelo seu indeferimento por considerar que a morte não tivera caráter político e que não fora comprovado o tiro de misericórdia referido pela família. O voto baseou-se nos depoimentos colhidos pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que se dirigiu a Atibaia, em um esforço para resgatar os fatos, junto com os filhos de Lucena, e conversou com moradores e policiais. Um deles, na época soldado, disse que fora advertido pelo comando da PM por ter dado declarações à imprensa sobre o fato e foi enfaticamente proibido de comentar o ocorrido. Os depoimentos, no entanto, se mostraram contraditórios. Além disso, não tinham sido localizados até então o laudo necroscópico ou a perícia de local, apesar das tentativas do relator. Assim, Suzana K. Lisbôa pediu vistas aos autos (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Foi então localizada a documentação na Delegacia de Atibaia, como também a íntegra do inquérito da morte de Lucena no STM. Luís Francisco Carvalho Filho tomou o depoimento de Damaris, reproduzido em gravação anexada ao caso. A versão oficial assinada por Alcides Singillo, do DOPS/SP, é a de que a morte de Lucena resultou de sua reação à voz de prisão, quando policiais teriam ido averiguar denúncia de que ali havia um carro furtado. Não ficou claro, porém, em que momento da operação souberam que o morto era Antônio Raymundo Lucena. O laudo de necropsia, assinado por Frederico Amaral e Orlando Brandão, refere-se a nove tiros de entrada e um de saída. Nenhum na cabeça, como referido por Damaris e seus filhos. Segundo a relatora Suzana K. Lisbôa,

[…] o exame da foto de Lucena morto localizada no STM não permite ver o tiro fatal na cabeça, descrito por Damaris e seus filhos, mas permite ver grandes edemas no nariz e no olho esquerdo e escoriações, além de um afundamento no meio da testa e um tiro desfechado junto do coração (apud Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Levado a votação, o caso foi novamente indeferido, em 5 de maio de 1998, por 5 votos contra 2, os de Suzana K. Lisbôa e Nilmário Miranda. Reapresentado após a ampliação dos prazos e critérios de abrangência da lei 9.140/95, o caso voltou à votação, sob o nº 062/02. O novo relator, Belisário dos Santos Júnior,

[…] chamou a atenção para o fato de que a verdade não fora uma presença constante nos autos do inquérito instaurado, lembrando que o aparato constituído para a operação somou todas ou praticamente todas as forças policiais da cidade, dando a entender que haveria ou poderia haver resistência. Lembrou ainda que o Conselho Regional de Medicina censurou publicamente o perito do laudo, pelas deficiências da peça e pela atitude do médico. É fato, diz o relator, que ocorreu o conflito armado com agentes da polícia militar, que vitimou fatalmente Lucena e um sargento, mas ressaltou que laudos foram falsificados, depoimentos foram fraudados em muitos momentos da crônica policial e judicial desse período, sendo possível que tenha ocorrido execução sumária (apud Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Com a ampliação da lei 9.140/95, o caso foi aprovado na CEMDP por unanimidade, em 22 de abril de 2004 (Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

Fontes e documentos consultados: Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985), IEVE, 2009, p. 181-182. Direito à memória e à verdade – Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Brasília: 2007, p. 117-119.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão/Período

Nome

Função

Conduta

Vivo/óbito

Observações

DOPS/SP/1970

Alcides Singillo

 

Morte.

 

Assina a versão oficial.

IML/1970

Frederico Amaral

Médico Legista.

Falsificação de Laudo Necroscópico.

 

 

IML/1970

Orlando Brandão

Médico Legista.

Falsificação de Laudo Necroscópico.

 

 

DOCUMENTOS CONSULTADOS

  1. Documentação principal

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Documentos do Dossiê da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Consta no conjunto de documentos do Dossiê da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos sobre o caso, nas folhas 05, a certidão de óbito, folha 06 certidão de casamento, nas folhas 13 e 14 cópia do jornal Folha da Tarde, dos dias 21 e 22 de Fevereiro de 1970, folhas 15 à 19 auto de qualificação e Interrogatório de Damaris Lucena, folhas 20 à 22 relatório do DOPS ao Juiz da II Auditoria Militar, na folha 23 depoimento de Damaris Oliveira Lucena. 

001-Antonio-Raymundo-Lucena.pdf

 

 

Documentos do arquivo do Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE).

 

Conjunto de documentos do arquivo do Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE) sobre o caso de Antônio Raymundo Lucena.

002-Antonio-Raymundo-Lucena.pdf

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

Fonte

Observação

Anexo

Documentos do Dossiê da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Consta no conjunto de documentos do Dossiê da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos sobre o caso, nas folhas 176 cópia da requisição de exame necroscópico, nas folhas 25 e 26, 177 e 178 Cópias de laudo necroscópico de Antônio Raymundo Lucena. Nas folhas 181 à 187 trecho do relatório do perito do IML com fotografias e impressões digitais, Nas folhas 188 à 192 exame em dois projéteis, supostamente no corpo de Antônio Raymundo Lucena.

001-Antonio-Raymundo-Lucena.pdf

 

Documentos do arquivo do Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE).

 

Consta no conjunto de documentos do arquivo do Instituto de Estudos da Violência do Estado (IEVE) sobre o caso de Antônio Raymundo Lucena, na folha 50 reprodução fotográfica do cadáver, nas folhas 1 à 5 cópias de laudo de exame necroscópico. Na folha 10 depoimento de Damaris (esposa de Antônio Lucena) sobre a morte. Nas folhas 43 e 44 requisição de exame necroscópico.

002-Antonio-Raymundo-Lucena.pdf

 

 

3. Testemunhos sobre a prisão, morte/desaparecimento

 

Nome

Relação com o morto/desaparecido

Informação

Fonte

Damaris (e filhos).

Esposa (e filhos).

Testemunharam a morte de Antônio Raymundo Lucena.

(Direito à memória e à verdade, 2007, p. 117-119; Dossiê Ditadura, 2009, p. 181-182).

 

 

 

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão / Função

Informação

Fonte com referências

 

 

 

 

 

 

 

 

OBS: Em anexo cópias de todos os documentos reunidos pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”.

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Antônio Raymundo Lucena foi morto por agentes públicos vinculados à repressão política.  

Conforme o exposto no parágrafo 103 da Sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros: “adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade (...)”.

No parágrafo 110 do mesmo documento é mencionado que: “(...) pode-se concluir que os atos que constituem o desaparecimento forçado têm caráter permanente e que suas consequências acarretam uma pluriofensividade aos direitos das pessoas reconhecidos na Convenção Americana, enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever correlato de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis, conforme as obrigações decorrentes da Convenção Americana” (Sentença da Corte Interamericana, p. 38 e 41, publicação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo).

Recomendações: Desde que Antônio Raymundo Lucena foi reconhecido como morto sob a responsabilidade do estado, nos termos da Lei 9.140/95, cabe a este esclarecer em que circunstâncias se deram sua prisão, morte e desaparecimento, e responsabilizar os agentes públicos  que  cometeram tais  crimes. Recomenda-se também a retificação de seu atestado de óbito. 

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