Negro tem que
ir pro pau Delegado de Polícia da 44ª DP,
Dr. Luiz Alberto Abdala, em abril de 1978
Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completoA oposição ao golpe militar no Brasil não se limitou a setores da classe média urbana de maioria étnica branca; a presença negra no movimento de combate ao regime foi também expressiva. Dentre os mortos e desaparecidos figuram nomes de militantes de origem negra. Afora isso, por serem maioria entre os mais pobres, os negros eram os maiores atingidos pelas políticas autoritárias do período.
Qualquer manifestação cultural, política, reivindicação ou atitude política de oposição, que viesse de encontro com os padrões estabelecidos da ordem vigente, poderia ser considerada subversiva e cuidadosamente vigiada e duramente reprimida.
Não temos registros precisos do número total de negros presos e torturados, e até mesmo mortos ou desaparecidos que não eram conhecidos amplamente por sua militância, mas que morreram em virtude das práticas do Estado.
O racismo e o SNI
Segundo o documento, a alegação de discriminação racial seria mera estratégia das esquerdas para realizar a “guerra revolucionária” no país
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Relatório confidencial do DOPS/SP
No documento não assinado, vê-se o monitoramento ao jornal Versus, representante da imprensa alternativa, que dava voz ao movimento negro na seção “Afro América Latina"
É difícil mensurar as diversas formas de violações sofridas pela população negra durante o período da ditadura no país, basta rememorar notícias de jornais, onde os negros e pobres figuravam em maior parte do noticiário policial. O principal legado da ditadura foi jogar o negro nas favelas e periferias carentes de serviços básicos.
Dessa forma, não se pode deixar de considerar que a população pobre e negra é atingida até os dias de hoje com práticas instauradas no período.
A vigilância era acompanhada da desqualificação das reivindicações contra a discriminação racial, tratando-as como tentativas de criar antagonismos no país. De acordo com a doutrina de segurança nacional, tratar-se-ia da “guerra psicológica adversa” que os subversivos comunistas adotariam na primeira fase da “guerra revolucionária”. Na 148ª Audiência Pública da Comissão da Verdade Rubens Paiva, no dia 3 de novembro de 2014, o pesquisador Pádua Fernandes analisou documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) que negavam a existência de racismo no país, alegando que se tratava de “invenção” da esquerda.
Outro documento debatido nessa audiência foi o Relatório confidencial, não assinado (como era a praxe da época) de 15 de maio de 1978 da Divisão de Informações do DOPS/SP. O assassinato de Robson Silveira da Luz, feirante negro de 27 anos, por policiais militares da 44º Departamento de Polícia de Guaianazes chefiados pelo delegado Alberto Abdalla, em 18 de junho de 1978, gerou tal reação que foi, de fato, o estopim para a criação do Movimento Negro Unificado, somado à proibição, semanas após, de quatro jovens negros de entrarem no Clube de Regatas Tietê.
Há vários outros documentos sigilosos da ditadura militar que associam a luta contra o racismo a uma deturpação ou a uma infiltração realizada pela esquerda socialista ou comunista. Em Pedido de Busca do II Exército, de 15 de agosto de 1974, afirma-se que o PCB estava realizando um trabalho nos meios intelectuais e universitários para “minar a infraestrutura moral, através de um trabalho de ação indireta”. Uma das vertentes desse “trabalho” seria o “desvirtuamento das características da religiosidade do nosso povo e procurando uma infiltração nas manifestações religiosas de cunho afro-brasileiro”. Com isso, os intelectuais buscariam deturpar “o sentido primitivista e apresentar temas de luta”.
Entre os principais militantes negros entre os mortos e desaparecidos em território nacional, figuram estes nomes, levantados em pesquisa da CEV “Rubens Paiva” no Dossiê da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos:
LISTA DE NEGROS MORTOS E DESAPARECIDOS
1. Abílio Clemente Filho, estudante paulista, desaparecido desde 1971;
2. Alceri Maria Gomes da Silva, gaúcha de Cachoeira do Sul, e militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), morta no ano de 1970 em São Paulo;
3. Amaro Félix Pereira, camponês desaparecido em Pernambuco desde 1972;
4. Antônio de Pádua Costa, conhecido como Piauí, desaparecido desde 1974 na Guerrilha do Araguaia;
5. Benedito Gonçalves, metalúrgico, morto em Minas Gerais, no ano de 1979;
6. Carlos Marighella, dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), morto em novembro de 1969, baiano de Salvador, era filho de um imigrante italiano e de uma negra;
7. Dermeval da Silva Pereira, conhecido como João Araguaia, desaparecido desde 1974 na Guerrilha do Araguaia;
8. Dilermano Mello do Nascimento, morto em 1964 no Rio de Janeiro;
9. Dinalva Oliveira Teixeira, conhecida como Dina, desaparecida desde 1974 na Guerrilha do Araguaia;
10. Edmur Péricles Camargo, conhecido como Gauchão, desaparecido desde o ano de 1973;
11. Edson Neves Quaresma, morto no ano de 1970 em São Paulo;
12. Evaldo Luiz Ferreira de Souza, morto no ano 1973, em Pernambuco;
13. Francisco Manoel Chaves, desaparecido desde 1972, na Guerrilha do Araguaia;
14. Geraldo Bernardo da Silva, operário, morto no ano de 1969, no Rio de Janeiro;
15. Gerson Theodoro de Oliveira, morto em 1971, no Rio de Janeiro;
16. Hamilton Fernando da Cunha, operário, conhecido como Escoteiro, morto no ano de 1969, em São Paulo;
17. Helenira Rezende de Souza Nazareth, conhecida como Preta (ou Fátima), desaparecida no ano de 1972, na Guerrilha do Araguaia; sobre ela, a CEV “Rubens Paiva” produziu uma videobiografia em que a militante é interpretada pela atriz Edi Cardoso;
18. Idalísio Soares Aranha Filho, conhecido como Aparício, desaparecido desde 1972 na Guerrilha do Araguaia;
19. Ieda Santos Delgado, desaparecida desde o ano de 1974, em São Paulo;
20. Itair José Veloso, operário desaparecido desde 1975 no Rio de Janeiro;
21. João Alfredo Dias, conhecido como Nego Fubá, camponês desaparecido desde 1964, na Paraíba;
22. Joel Vasconcelos Santos, desaparecido desde 1971 no Rio de Janeiro;
23. Jorge Aprígio de Paula, operário morto em 1968 no Rio de Janeiro;
24. José de Souza, operário, morto no ano de 1964 no Rio de Janeiro;
25. José Milton Barbosa, morto em 1971 em São Paulo;
26. José Montenegro de Lima, conhecido como Magrão, desaparecido desde 1975 em São Paulo;
27. Lúcia Maria de Souza, conhecida como Sônia, desaparecida desde o ano de 1973, na Guerrilha do Araguaia;
28. Luiz José da Cunha, conhecido como "Crioulo", comandante da ALN, 33 anos após ser morto pelos órgãos de repressão em 1973, sua ossada foi exumada do cemitério Dom Bosco, em Perus. Seu atestado de óbito dizia ter cor branca, o que foi posteriormente corrigido, após alerta feito ao Ministério Público Federal, responsável pela identificação. Em 2006 foi sepultado no Cemitério Parque das Flores, em Recife;
29. Manoel Aleixo da Silva, camponês, conhecido como Ventania, morto no ano de 1973 em Pernambuco;
30. Manuel Alves de Oliveira, morto no ano de 1964, no Rio de Janeiro;
31. Marco Antônio da Silva Lima, liderança da Associação dos Marinheiros morto no ano de 1970 no Rio de Janeiro;
32. Marcos Nonato da Fonseca, morto no ano de 1972, em São Paulo;
33. Mariano Joaquim da Silva, camponês desaparecido desde 1971 no Rio de Janeiro;
34. Newton Eduardo de Oliveira, operário morto no ano de 1964, no Rio de Janeiro;
35. Odijas Carvalho de Souza, morto no ano de 1971, em Pernambuco; Onofre Pinto, desaparecido desde 1974, no Paraná;
36. Osvaldo Orlando da Costa, conhecido como "Osvaldão", guerrilheiro no Araguaia, morto em 1974;
37. Pedro Domiense de Oliveira, morto na Bahia em 1964;
38. Raimundo Eduardo da Silva, operário, morto no ano de 1971 em São Paulo;
39. Rosalindo Souza, conhecido como Mundico, desaparecido em 1973 na Guerrilha do Araguaia;
40. Santos Dias da Silva, operário, morto no ano de 1979 em São Paulo;
41. Wilson Souza Pinheiro, camponês morto em 1980 no Acre.
Joel Rufino dos Santos, ex-preso político, sobre a repressão ao negro na ditadura Estava mofando em nossa cela, a 4, um garoto que assaltara, sem saber, um oficial do Exército. Não sabia nada de nós, nunca lera qualquer notícia política, mas encontrou uma forma de comunicação com os “terroristas”, uma bola de trapos que tenteava nos dois pés, no joelho, no peito. Se exibia diariamente pra nós, nos convidada a jogar com ele. De repente nos batia a tristeza: vão executá-lo. Era um neguinho morto jogando bola
A urgente necessidade dessa nova Comissão mostra que, sem a apuração dos crimes da ditadura militar e a realização das necessárias reformas no sistema de segurança pública, com a democratização das instituições e seu controle social (o que é preconizado nas recomendações deste Relatório), os crimes de lesa-humanidade permanecem sendo praticados de forma impune na democracia.
Que o Estado brasileiro reconheça e peça desculpas pela perseguição à população negra, não somente durante o período da ditadura no país, quanto pelos anos de escravidão e opressão até os dias atuais
Que o Estado reconheça as práticas abusivas contra negros e as reprima como forma de garantia da igualdade e da democracia
Que seja valorizada a memória da resistência da população negra contra a ditadura e que sejam homenageados seus militantes
Que o Estado brasileiro instaure uma Comissão que investigue e vise à reparação por séculos de escravidão e desigualdade contra a população negra no país