Sem nunca descuidar do perfil militante de seus integrantes e do seu papel político nas mobilizações mais amplas da sociedade brasileira, a Comissão da Verdade de São Paulo tomou muito cuidado para assumir sua condição de órgão oficial
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A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, por ter sido a primeira comissão dessa natureza a começar os trabalhos no país, teve de assumir um papel de protagonismo e de experimentações que influenciou, decisivamente, o processo de construção da verdade em nosso país.
Ela sempre foi pautada por uma concepção de que a reconstrução da verdade era, ainda que fundamental, apenas mais um capítulo do trabalho de memória e de justiça que deveria ser concretizado pelo Estado brasileiro.
Desse modo, as ações da Comissão sempre foram articuladas com reivindicações de responsabilização, em todas as esferas, dos autores das graves violações de direitos humanos.
Isso implicou uma estratégia de refutar, desde o primeiro momento, que a Comissão da Verdade constituísse uma alternativa à justiça, mais adequada à transição “negociada” e “controlada” em nosso país. Tampouco orientou esta Comissão o discurso de “reconciliação” e de “paz social” que em vários momentos preservaram a impunidade. A consciência do papel catalisador das energias das lutas dos familiares de desaparecidos políticos e de novos movimentos sociais nessa temática estava bastante clara desde o início.
Essa consciência se materializou a partir de uma aliança permanente e estratégica com os grupos de familiares de desaparecidos, fazendo uma opção pelas disputas públicas no âmbito do conjunto das Comissões da Verdade para pressioná-las a atender aos reclamos das vítimas.
Assim, as Comissões que surgiram em um contexto de ampla negociação, inclusive com setores mais conservadores, foram levadas para além de seus limites iniciais. A Comissão Paulista polarizou, por exemplo, com a Comissão Nacional da Verdade publicamente, escancarando as diferentes concepções sobre a construção social da verdade e o maneira de levar adiante essa tarefa em nosso país.
O direito à memória, que foi bastante prestigiado pela Comissão, materializa-se em políticas públicas, audiências, publicações e outras iniciativas orientadas tanto para homenagear os que foram perseguidos quanto para esclarecer o funcionamento da repressão, dando ampla repercussão social a essas informações.
Essa dimensão é fundamental para o processo de construção coletiva e oficial de uma memória capaz de revelar não somente as formas de exercício do poder autoritário, mas também enaltecer o papel da resistência de setores da sociedade civil. Outras medidas simbólicas que a Comissão apoiou foram a retirada de nomes de violadores dos direitos humanos de ruas e lugares públicos, bem como a construção de espaços de memória e monumentos em homenagem às vítimas da criminalidade de Estado.
Um dos momentos altos da atuação da Comissão foi a organização de um ato político-cultural unitário no dia 31 de março de 2014, data que marcou o cinquentenário do golpe de 1964. Em várias reuniões preparatórias, com diversos setores da sociedade civil e outros órgãos do Poder Público, houve a concepção e encaminhamento desse ato que reuniu em torno de duas mil pessoas no pátio do 36o DP, marcando simbolicamente a ocupação daquele espaço para lembrar as vítimas da ditadura e pedir justiça pelos crimes ali cometidos.