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TOMO I

Tomo I

A formação do grupo de
antropologia forense para
identificação das ossadas da Vala de Perus
Pontos de locais de óbito entre 1971 e 1973 de desaparecidos políticos e de desconhecidos na vala clandestina de Perus

A análise dos livros do cemitério de Perus permitiu notar a existência de um mecanismo de desaparecimento, que resultava na perda de identidade de inúmeros cidadãos da cidade de São Paulo e municípios próximos, um altíssimo número de 'desconhecidos'

Esta página é um resumo. faça o download do capítulo completo Este relatório remete a apresentação preliminar de dados referentes a retomada dos trabalhos relativos a vala clandestina de Perus e a identificação de desaparecidos políticos ocultados pelas estratégias repressivas do terrorismo de estado perpetrado pela ditadura civil-militar brasileira. O modus operandi dos trabalhos e a referência aos dados segue o sequenciamento de etapas tais quais são levadas a cabo nos trabalhos pela Equipe Argentina de Antropologia Forense e a Equipe Peruana de Antropologia Forense, com acompanhamento do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

PERUS EM NÚMEROS

Os resultados ainda que parciais que constam neste capítulo pautaram-se nos relatórios produzidos pelos consultores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República por meio do convênio com o Programa das Nações Unidas (PNUD) e em relatórios avulsos produzidos pela equipe:

1) Relatório das prospecções geofísicas realizadas no cemitério Dom Bosco no bairro de Perus;

2) Levantamento de dados referentes ao banco de DNA e arquivo com amostras e documentos referentes na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;

3) Levantamento da documentação da Unicamp sob guarda da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (2014);

4) Relatório preliminar sobre aerofotogrametria e cartografia referente ao cemitério de Perus (2014).

Este texto organiza-se da seguinte forma: apresenta brevemente dados relativos a retomada do processo, síntese parcial dos dados relativos a investigação preliminar e a coleta de dados antemortem. Ao final são postos procedimentos e o estado d'arte relativo ao transporte das caixas, a limpeza e a análise. Igualmente, fazem-se recomendações para trabalhos em antropologia forense no país.

Audiência Pública | Ossadas de Perus
Suzana Lisboa, da Comissão dos Familiares, Mortos e Desaparecidos Políticos, explica a situação do trabalho com as ossadas de Perus

A análise dos livros do cemitério de Perus, cuja síntese dos dados ainda está sendo realizada, permitiu notar a existência de um mecanismo de desaparecimento já em andamento, envolvendo instituições como o Instituto Médico Legal, as Universidades (USP e Unifesp), os hospitais (como o Hospital das Clínicas), as delegacias.

Este mecanismo resultava na perda de identidade de inúmeros cidadãos da cidade de São Paulo e municípios próximos, que gerou altíssimo número de "desconhecidos", pessoas cujas identidades eram perdidas, desconhecidas ou tiradas de maneira forçada, englobados em uma ampla acepção da categoria subversivo como aqueles que não se encaixavam na "norma": moradores de rua, mulheres, pobres, negros, loucos, comunistas.

UM CAPÍTULO AINDA NÃO ENCERRADO DA HISTÓRIA BRASILEIRA
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Exemplo de exumação realizada pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF),
que recuperou restos de 1,2 mil desaparecidos enterrados entre 1974-1983
Os 3 militantes já encontrados na vala de Perus

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Frederico Eduardo Mayr (ver ficha)
Denis Casemiro (ver ficha)
Flávio Carvalho Molina (ver ficha), militante do Molipo, enterrado com o nome de Álvaro Lopes Peralta

Folha de S. Paulo, 15/10/1973 A impossibilidade de seguir a trajetória de um corpo, mesmo que a causa de morte tenha sido natural, e a dificuldade de cruzamento de informação entre os órgãos envolvidos, acarreta no desaparecimento de inúmeras pessoas que, mortas e desconhecidas, são dificilmente localizáveis na "burocracia da morte". Soma-se a estes os desaparecidos ligados aos movimentos de esquerda que, forçosamente, tiveram seus documentos alterados no âmbito do desaparecimento como política repressiva adotada pela ditadura brasileira.

A análise dos livros de sepultamentos com origem no IML de São Paulo resultou no gráfico que sintetiza a entrada de corpos "desconhecidos", pessoas sem nome e sem identidade, e de desaparecidos políticos com nome verdadeiro ou falso conhecido. O que percebe-se é que entre março de 1971, quando o primeiro sepultamento é realizado no cemitério de Perus, e 1980, ano final analisado pela equipe, quase 5 mil pessoas, dentre aqueles com alcunha "desconhecidos" e os desaparecidos políticos conhecidos dão entrada no cemitério Dom Bosco.

4 de setembro de 1990: abertura da vala de Perus

Os procedimentos do laboratório utilizados pelo Grupo de Trabalho Perus fazem parte de manuais produzidos pela Equipe Peruana de Antropologia Forense (EPAF) (Normas de Biossegurança, Gestão da Cadeia de Custódia, Normas de Limpeza e Manual de Antropologia Forense), pensados especialmente para o presente caso, com adaptações e colaboração de peritos brasileiros. O protocolo de Genética Forense, o Modelo de Relatório e o Estudo Não Métrico de Ancestralidade foram produzidos por peritos brasileiros que integram o GTP.

Para a análise de cada caso, adota-se uma sequência de trabalho que, de modo bastante geral, pode ser descrita como: uma vez na mesa de análise, os ossos do indivíduo do caso a ser analisado, previamente limpos em etapa anterior, são dispostos em posição anatômica e preenche-se um inventário utilizado para registros das porções anatômicas presentes e do grau de integridade em que se encontram.

O transporte e os procedimentos de organização das caixas no laboratório

Em seguida, inicia-se a análise propriamente dita, com a aplicação de diversos métodos que objetivam o diagnóstico de sexo, de idade no momento da morte, aspectos odontológicos e avaliação de traumas e / ou lesões ante ou peri-mortem, características individualizantes e fundamentais já que se objetiva a identificação de pessoas.

São ainda descritas as características gerais observadas em cada caso: descrição do estado de conservação, indicação de presença ou ausência de artefatos associados ao caso e descrição dos mesmos caso estejam presentes, descrição de lesões e / ou traumas ante e peri-mortem, descrição de características antropológicas individualizantes e odontograma do indivíduo.

As análises tiveram início no dia 29/09/2014 e contaram 51 dias em 2014 e, até o momento, 10 dias em 2015.

Audiência Pública | Ossadas de Perus
Eugênia Augusta Fávero, do Ministério Público Federal, critica a morosidade das investigações sobre as ossadas de Perus

Recomendações

1

Conforme o apresentado torna-se fundamental para o processo de Perus especificamente, as recomendações:

a) Possibilitar a finalização do trabalho de análise até o término de todas as caixas, com o translado do restante das que ainda permanecem no cemitério do Araçá e a determinação do laboratório para análises genéticas

b) A garantia de participação dos grupos de familiares em todo processo

2

Por fim, recomenda-se para os trabalhos de Antropologia Forense no país:

a) Que todas as pesquisas em antropologia forense referentes aos trabalhos de buscas e tentativas de identificação de desaparecidos pautem-se em prerrogativas como memória, alteridade e regimes de verdade

b) Instigar a necessidade de um banco de dados antemortem dos mortos e desaparecidos para todo território nacional. O banco de dados facilitará as buscas em outros contextos, além dos processos de cruzamento antemortem/postmortem no caso de remanescentes ósseos humanos

c) O banco de dados antemortem deve acompanhar um banco com amostras genéticas de familiares que queiram doar e seguir na busca, com discussões sobre suas finalidades, objetivos, métodos, usos, salvaguarda e análise (quais laboratórios)

d) As etapas de análise antropológica e de análise genética devem correr em paralelo e com maior diálogo, assim como a análise genética e a etapa antemortem em sua relação com os familiares e suas amostras de DNA

e) Que a etapa de análise antropológica seja esclarecida em protocolos que garantam a padronização das atividades, baseados em aplicações à contextos similares e atendendo a standards internacionais. Da mesma forma, é necessário que todo processo seja documentado e registrado

f) Todos os trabalhos que envolvam escavações e exumações para buscas de "restos mortais" deverão ser pautados em paradigmas, teorias e métodos arqueológicos. As ações deverão ser minuciosamente documentadas nos seus contextos deposicionais, estratigráficos e sociais

g) Os trabalhos de busca deverão pautar-se pela prerrogativa da participação dos e abertura aos familiares ao longo de todo processo. O processo importa tanto quanto a identificação, devendo ser respeitadas as discursividades, narrativas e rituais de luto das famílias e companheiros do desaparecido ou morto

h) Buscar o máximo de transparência junto a famílias e demais envolvidos

i) Estruturar ou demandar, junto à entidades competentes, programas de acompanhamento psicológico e psicossocial tanto aos familiares como às equipes peritas

j) Fomentar políticas públicas que auxiliem em formas de organização e documentação dos cemitérios públicos (mapas dos cemitérios, salvaguarda da documentação como os livros de registro de entrada)

k) Fomentar políticas de Estado que possibilitem a continuidade dos trabalhos de buscas dos restos mortais para que não se tornem ações pontuais

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Veja Também:

Arquivos levantados pela Comissão da Verdade


Fichas de
mortos e
desaparecidos


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