Houve internações por motivos políticos. Alguns militantes foram internados na época da ditadura. Também foram silenciados na ColôniaDaniela Arbex, jornalista
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A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo (CEV) “Rubens Paiva” escolheu, entre seus temas, a questão da saúde mental. A importância desse campo, no campo da justiça de transição, pode ser analisada sob ao menos dois aspectos: o reconhecimento das consequências psíquicas da repressão, que constituíram um dos pontos condenatórios ao Estado brasileiro na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Araguaia, e a relação histórica entre as instituições de saúde mental e as graves violações de direitos humanos.
No primeiro aspecto, a dimensão do reconhecimento das vítimas e de seu sofrimento, essencial para as dimensões da memória e da verdade, e com consequências importantes para a da justiça, é de se destacar que os parágrafos 264 a 269 da sentença da CIDH no caso Araguaia (ou Gomes Lund e outros vs. Brasil), publicada em 2013 pela CEV “Rubens Paiva”, obrigam o Estado brasileiro a prestar o "atendimento médico, psicológico ou psiquiátrico [...] às vítimas que assim o solicitem".
A CEV "Rubens Paiva" buscou apoiar o Estado brasileiro no cumprimento dessa disposição e realizou audiência, em 15 de abril de 2013, para o lançamento em São Paulo, na Alesp, das Clínicas do Testemunho, promovidas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em favor dos anistiados, anistiandos e familiares, atingidos pela ditadura militar.
DIREITOS HUMANOS E INSTITUIÇÕES DE SAÚDE MENTAL
A relação histórica entre as instituições de saúde mental e as violações aos direitos humanos foram debatidas pela CEV "Rubens Paiva", na 61ª audiência pública, em 9 de agosto de 2013, o livro "Holocausto Brasileiro: Vida, Genocídio e 60 mil Mortes no Maior Hospício do Brasil", da jornalista Daniela Arbex, sobre a Colônia de Barbacena, em Minas Gerais, onde pelo menos 60 mil pessoas morreram; os pacientes eram internados, muitas vezes, à força, e sem mesmo terem diagnóstico de doença mental, incluindo epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, dependentes químicos.
A jornalista Daniela Arbex fala sobre o trabalho de contar a história do Holocausto Brasileiro
O escritor Guimarães Rosa também faz menção à Colônia de Barbacena, no conto "Sorôco, sua mãe e sua filha": A hora era de muito sol - o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de cedro. O carro lembrava um canoão no seco, navio. A gente olhava: nas reluzências do ar, parecia que ele estava torto, que nas pontas se empinava. O borco bojudo do telhadilho dele alumiava em preto. Parecia coisa de invento de muita distância, sem piedade nenhuma, e que a gente não pudesse imaginar direito nem se acostumar de ver, e não sendo de ninguém. Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe. Para o pobre, os lugares são mais longe.
Na 137ª audiência da CEV “Rubens Paiva”, em 29 de agosto de 2014, foi lançada a obra “Os ‘Bobos’ em Goiás: Enigmas e Silêncios”, da pesquisadora Marilucia Melo Meirelles, que abordou a concentração de doentes mentais na cidade de Goiás, assunto tabu porque essas pessoas eram recolhidas pelas famílias, ainda crianças, para trabalharem em situações análogas às da escravidão, sob a omissão completa do Estado, que nem mesmo possui registro de quantos eram esses chamados "bobos". Trata-se também de uma questão de classe social, pois “A designação de “bobos”, em contrapartida, é reservada apenas aos deficientes mentais provenientes das camadas mais pobres da população.”
Dentro das medidas reparadoras exigidas pelos parâmetros contemporâneos da justiça de transição, impõe-se a questão do tratamento integral às vítimas dos crimes de lesa-humanidade cometidos pela ditadura militar e a seus familiares, que também sofreram suas conseqüências.
Audiências que não tinham como objeto específico a questão das instituições e profissionais do campo de saúde mental durante a ditadura militar em São Paulo, as relativas aos “Bobos” de Goiás e à Colônia de Barbacena, demonstraram sobejamente que essas instituições e esses profissionais foram historicamente usados no Brasil como instrumentos e agentes de poder e sujeição, seja por motivos políticos ou não. Na maioria dos casos, que não envolve militantes políticos, tratar-se-á de uma questão de resistência social, pela eficácia efetiva do direito social à saúde, que inclui necessariamente a saúde mental.
No tocante aos militantes políticos, a CEV “Rubens Paiva” indica a necessidade de que pesquisas sejam retomadas pesquisas sobre documentos da CPI de 1991 que investigou o uso dos hospitais psiquiátricos pela ditadura militar.
O uso do Complexo Juqueri como centro de internação e de tortura é uma questão que merece investigação para os fins de responsabilização dos responsáveis por essas graves violações de direitos humanos, e para se elaborar um quadro mais completo das graves violações de direitos humanos nesse período.
Elaboração de um protocolo de atendimento, no campo da saúde mental, de integral respeito aos direitos humanos; reformulação dos moldes de tratamento de pessoas internadas em institutos de saúde mental, com o propósito de inibir as violações de direitos humanos, inclusive a tortura por meio de medicamentos
Investigação sobre as instituições e profissionais de saúde mental na violação de direitos humanos durante a ditadura militar, mais notadamente em relação à internação e à tortura de presos políticos nas instituições psiquiátricas
Estabelecer um mecanismo de colaboração entre as equipes de saúde mental e justiça de transição do Cone Sul, tendo em vista as vítimas do Plano Condor