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INICIAL DO NOME:

LAURIBERTO JOSE REYES

OCORRÊNCIA

27 de fevereiro de 1972 em São Paulo

DADOS PESSOAIS
Filiação: José Reyes Daza Jr. e Rosa Castralho Reyes
Data e local de nascimento: 02 de março de 1945, em São Carlos (SP)
Profissão: Estudante
Atuação política: Militante do Movimento de Libertação Popular (MOLIPO) e integrante da direção executiva da UNE (União Nacional dos Estudantes)
Data e local da morte/desaparecimento: 27 de fevereiro de 1972 em São Paulo
Organização política: Movimento de Libertação Popular (MOLIPO).

Arquivos

RELATO DO CASO

Nasceu em São Carlos (SP), em 2 de março de 1945, filho do fiscal sanitário José Reyes Daza Jr. e de Rosa Castralho Reyes. Foi morto em 27 de fevereiro de 1972. Era conhecido como Lauri entre os colegas no Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião onde fez o primário ginásio, e entre os colegas do Colégio Diocesano onde fez o ensino secundário científico.
Durante o científico colaborou assiduamente para o jornal “O Diocesano”, revelando a cada artigo a sua indignação frente às situações de injustiça social.

Em 1965 fez vestibular e ingressou na Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), vindo posteriormente a morar no CRUSP (Conjunto Residencial da USP), onde foi, por um período, diretor cultural. Gostava de polemizar sobre questões culturais, participando dos debates sobre a militância política, o Tropicalismo e a criação artística. Esteve entre os 46 estudantes que, segundo relatório de inquérito policial militar, “dominaram” o CRUSP em 1968.

Lauriberto era militante da Dissidência Estudantil do PCB/SP até a formação da ALN (Ação Libertadora Nacional). Posteriormente se integrou ao Movimento de Libertação Popular (Molipo). Fez parte, ainda, da direção executiva da UNE (União Nacional dos Estudantes), em 1968. Ajudou a organizar o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), em 15 de outubro de 1968, sendo preso e libertado no dia seguinte para ir ao enterro do pai em São Carlos, sua cidade natal. 

A morte de seu pai, José Reyes Daza Júnior, é mais uma dívida do regime militar com a família. Foi o delegado da cidade de São Carlos, conhecido como Dr. Glauco que o atropelou. Isso ocorreu quando dirigia com imprudência um carro de passeio, em direção à Delegacia de Polícia da cidade, para organizar um destacamento policial cujo objetivo era reprimir uma manifestação estudantil que ocorria no centro da cidade. A dor do momento não permitiu ir adiante para contestar conclusão do inquérito policial onde o pai de Lauriberto passou de vítima a culpado, pois ali alegava-se que ele teria sido imprudente ao atravessar a rua, pois não enxergava bem (anexo 011-118-audiencia-cvsp-20-03-2014).

Lauriberto era acusado de participar do seqüestro de um avião Boeing da Varig durante o trajeto Buenos Aires–Santiago, com mais oito militantes da ALN, desviando-o para Cuba, em 4 de novembro de 1969. O fato foi divulgado na imprensa da época. Em Cuba, realizou treinamento de guerrilha e, em setembro de 1971, retornou ao Brasil clandestinamente como militante do MOLIPO.
Foi morto em 27 de fevereiro de 1972 em uma perseguição policial contra ele e Alexander José Ibsen Voerões, também militante do MOLIPO. Nessa ocasião ambos faleceram, bem como Sr. Napoleão Felipe Biscaldi, que passava no local no momento.
A nota policial, publicada em fevereiro de 1972, dizia que Alexander e Lauriberto foram mortos na rua Serra de Botucatu, no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, depois de intenso tiroteio, sendo também morto um funcionário público aposentado, Napoleão Felipe Biscaldi, morador do local.

Referida nota foi publicada no jornal Folha de São.Paulo, em 29 de fevereiro de 1972, nos seguintes termos: “Dois terroristas, um dos quais natural do Chile, ao dispararem metralhadora e revólver contra agentes dos órgãos de repressão, acabaram por atingir e matar o sr. Napoleão Felipe Biscaldi, de 61 anos de idade, no cerco realizado domingo na rua Serra de Botucatu, bairro do Tatuapé.
Outros jornais, como o Jornal do Brasil, publicaram notas semelhantes.

O laudo necroscópico de Lauriberto, emitido em 29 de fevereiro de 1972, afirma que ele faleceu às 17 horas, de 27 de fevereiro de 1972, e dá como causa da morte “[…] lesões traumáticas crânio encefálicas”. A requisição de exame feita pelo DOPS/SP ao IML/SP informou: “Após travar tiroteio com os agentes dos órgãos de segurança, foi ferido e, em conseqüência veio a falecer”. O horário indicado de entrada no necrotério foi 18h30min.

No exame necroscópico de Lauriberto, consta a descrição de quatro tiros: um no ombro esquerdo, um na coxa direita e dois na cabeça: um no olho esquerdo e outro na porção média da região frontal. 
Ao examinar os documentos e algumas contradições entre as informações divulgadas nos jornais da época, o relator da CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), no caso sob o nº 270/96, Nilmário Miranda, passou a considerar a hipótese de execução, solicitando um levantamento mais detalhado aos familiares.

Em 4 de junho de 1997, dois integrantes da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos estiveram no local do crime, para colher informações sobre o episódio com os moradores, e relataram: “Fomos a uma borracharia onde trabalha Adalberto Barreiro, que na época dos fatos tinha 12 anos de idade e estava em casa assistindo televisão. Era um domingo quando ele ouviu um barulho continuado de tiro. Morava à rua Tijuco Preto, paralela à Serra de Botucatu. Curioso, correu pelos fundos da casa até a rua [Serra de] Botucatu. Lá, viu um jovem que tentava correr, mancando e segurando a perna, quando passou um Opala branco com policiais armados de metralhadora, com metade do corpo para fora do carro, atirando. Primeiro, atingiram Napoleão Felipe Biscaldi – um funcionário público aposentado antigo morador da [Serra de] Botucatu, que atravessava a rua; depois balearam o rapaz que mancava. O rapaz aparentemente foi morto na hora. Os policiais o jogaram no porta-malas do carro. As ruas estavam cercadas de policiais. ‘Tinha até metralhadora em tripé’. Eles gritavam que o rapaz que mancava ‘era um terrorista’. Adalberto contou que viu uma moça japonesa presa dentro do Opala. ‘Em toda parte estava cheio de policiais armados. Era um cerco, parecia uma guerra. Todo mundo viu ou soube que Napoleão fora morto pela Polícia. Mas era um tempo em que todo mundo tinha medo de falar’. Ele disse também que os policiais e as pessoas comentavam que o outro ‘terrorista’ também tinha sido morto, no outro quarteirão. O borracheiro nos orientou que falássemos com Maria Celeste Matos, moradora do número 846 daquela rua. Com muito medo ainda, depois de tanto tempo, ela nos falou que, naquele domingo, o Esquadrão da Morte comandou a ação militar. Fez um cerco e colocou homens armados em toda a extensão da rua. ‘Do lado da minha casa, ali mais adiante, havia um campinho de futebol. Meu filho e o de Napoleão estavam jogando bola lá. Ele estava em casa, ouviu tanto tiro e então falou para a esposa, Alda, que ia buscar o filho no campinho. Foi quando ele saiu para a rua e foi executado pelo Esquadrão da Morte, que saiu atirando pela rua. Naquela hora, vimos um menino, vestido com um short, ser morto e colocado no porta-malas do carro da polícia. Meu marido pensou tratar-se de nosso filho que jogava de short. Ele falou com o Esquadrão da Morte que eles tinham matado nosso filho e ficou junto do carro sem arredar o pé. Foi aí que os policiais abriram o porta-malas, e mostraram para ele que o rapaz morto não era nosso filho’. Maria Celeste ainda disse que acha que o mesmo sucedeu com a outra pessoa morta. Os policiais explicaram que ‘eram terroristas’, disse Maria Celeste. Nenhum deles, nem Lauriberto, nem Alexander, chegou a sacar a arma, segundo relato dos moradores.”

Pelos relatos colhidos no local do crime, todos viram a execução dos militantes e do vizinho Napoleão, cujo corpo ficou cinco horas na rua, aguardando a perícia, enquanto os corpos dos dois militantes foram levados. Lauriberto e Alexander foram examinados pelos legistas Isaac Abramovitc e Walter Sayeg, encarregados de confirmar as falsas versões oficiais. O laudo de Napoleão Biscaldi foi assinado por outro legista, Paulo Altenfelder. As requisições de exame ao IML/SP, solicitadas pelo DOPS/SP, em 27 de fevereiro de 1972, informando as mortes em decorrência dos ferimentos sofridos em tiroteio com os agentes dos órgãos de segurança apresentam a letra T manuscrita, indicando tratar-se de indivíduos considerados ‘terroristas’, como eram tratados os perseguidos políticos na época.

Não foi encontrada perícia de local nem sequer fotos dos corpos que permitissem um exame por parte de peritos. Desse modo, foi impossível reconstruir a dinâmica do evento. Segundo o relator da CEMDP, “[…] houve um cerco poderoso, uma emboscada e que, pelo relato de Adalberto Barreiro da morte de Sr. Napoleão Biscaldi, vítima inocente, e do jovem que foi abatido quando fugia, ‘mancando e segurando a perna’, que a operação não visava prender os dois militantes e sim matá-los”.
Lauriberto foi enterrado em São Carlos por seus familiares, onde durante uma missa de corpo presente, com motivações e crenças diversas, todos cantaram “prova de amor maior não há do que doar a vida pelo irmão”.

O caso de Lauriberto na CEMDP foi aprovado no dia 7 de agosto de 1997, por 6 votos a favor e 1 contra, o do general Oswaldo Pereira Gomes.

Em homenagem a Lauriberto José Reyes, seu nome foi dado a uma praça em sua cidade natal, São Carlos, em 1996. Lá também existe hoje uma praça batizada com seu nome, no Parque Santa Marta, onde uma placa traz a inscrição: “Lauriberto José Reyes. Estudante são-carlense que lutou pela liberdade e democracia no Brasil. A vida por uma causa”. Mais tarde, a homenagem se repetiu quando a Câmara Municipal daquela cidade aprovou projeto de conferir o nome Lauriberto José Reyes ao Centro da Juventude que seria inaugurado no bairro Cidade Aracy.
A Comissão Estadual da Verdade do Estado de São Paulo realizou a 118ª audiência pública sobre o caso, no dia 20/03/2014 (ver transcrição em anexo).

Fontes investigadas: 
Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 118ª audiência pública sobre o caso de Lauriberto José Reyes, realizada no dia 20/03/2014.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

DOI-CODI/SP

Major Carlos Alberto Brilhante Ustra

Comandante do DOI-CODI/SP no período de 1970 a 1974

Assassinato

Vivo

Responsável pelas ações do DOI-CODI/SP

IML/SP

Isaac Abramovitc

Médico Legista

Falsificação de laudo necroscópico

morto

001-requisicao-e-exame-necroscopico.pdf

IML/SP

Walter Sayeg

Médico Legista

falsificação do laudo necroscópico

???

001-requisicao-e-exame-necroscopico

IML/SP

Arnaldo Siqueira

Diretor do IML/SP

Responsável pela designação dos médicos que assinaram o laudo necroscópico fraudulento

???

001-requisicao-e-exame-necroscopico

FONTES DA INVESTIGAÇÃO

1. Documentação principal

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Foto de Lauriberto vivo

 

Arquivo IEVE

010-foto-lauriberto-vivo.pdf

Documento de perseguição

 

Arquivo IEVE

002-documento-perseguicao-informativo.pdf

Documento de perseguição – Ficha de cadastro no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)

DOPS

Informações constantes no DOPS/SP

003-fichas-dops.pdf

Documento de perseguição – mandado de prisão expedido e certidão de óbito

 

Conforme a certidão de óbito, Lauriberto foi morto em decorrência de lesões traumáticas crânio encefálicas

005-mandado-prisao-e-certidao-obito.pdf

Ficha de cadastro no CENIMAR (Centro de Informações da Marinha)

CENIMAR

Informações constantes em órgão da Marinha

006-ficha-cenimar.pdf

Documento de perseguição – auto de exibição e apreensão

DOPS

Informações constantes no DOPS/SP

007-documentos-apreendidos.pdf

Documento de perseguição – lista de estudantes do 30º congresso da une

DOPS

Arquivo IEVE

008-lista-estudantes-30congresso-une.pdf

Dossiê da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Documento encaminhado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

009-documentos-para-cemdp1.pdf e 009-documentos-para-cemdp-parte2

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

 

fonte

Observação

Anexo

Registro do exame necroscópico

Arquivo IEVE

 

004-registro-exame-necroscopico.pdf

Requisição e exame necroscópico

Arquivo IEVE

 

001-requisicao-e-exame-necroscopico.pdf

 

3. Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

fonte com referências

Adalberto Barreiro

Morador dos arredores de onde ocorreu a morte

Viu a perseguição a um rapaz ferido e o momento do disparo da arma de fogo (metralhadora) efetuado por um policial com a metade do corpo para fora de um veículo Opala branco, o qual atingiu o Sr. Napoleão e posteriormente o rapaz perseguido.

Dossiê p. 327 e relatos da Audiência realizada pela CVSP (011-118-audiencia-cvsp-20-03-2014)

Maria Celeste Matos

Moradora dos arredores de onde ocorreu a morte

Declara que o esquadrão da morte comandou a ação militar e fez um cerco policial, com homens armados em toda extensão da rua. Viu um menino vestido com short ser morto e colocado no porta malas de um carro da polícia. Afirma que os policiais informaram que os mortos seriam “terroristas”

Dossiê p. 328 e relatos da Audiência realizada pela CVSP (011-118-audiencia-cvsp-20-03-2014)

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão / Função

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Lauriberto José Reyes foi morto em uma emboscada promovida por agentes do DOI-CODI/SP, sendo a versão oficial divulgada, a qual atestava a existência de confronto, uma fraude.

Recomendações: Retificação do Atestado de Óbito, a fim de que conste o real motivo da morte de Lauriberto; Há necessidade de apurar a responsabilidade dos agentes citados e investigar se houve outros agentes envolvidos; que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiado político de Lauriberto Jose Reyes, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra ele.

 

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