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INICIAL DO NOME:

LUIZ EDUARDO DA ROCHA MERLINO

OCORRÊNCIA

19 de julho de 1971, em São Paulo

DADOS PESSOAIS
Filiação: Zeno Merlino e Iracema Rocha da Silva Merlino
Data e local de nascimento: 18 de outubro de 1947, em Santos (SP)
Profissão: Jornalista
Atuação política: Partido Operário Comunista (POC)
Data e local da morte/desaparecimento: 19 de julho de 1971, em São Paulo
Organização política: Partido Operário Comunista (POC) .

Arquivos

BIOGRAFIA

Nasceu em 18 de outubro de 1947, em Santos (SP), filho de Zeno Merlino e Iracema Rocha da Silva Merlino. Morto em 19 de julho de 1971. Dirigente do Partido Operário Comunista (POC).

Ainda estudante secundarista, Merlino participou do CPC da UNE. Em 1965, com 17 anos, transferiu-se para São Paulo (SP), onde integrou, mais tarde, a primeira equipe de jornalistas do recém-fundado Jornal da Tarde (1966), da empresa O Estado de S. Paulo. Escreveu reportagens de grande repercussão, como a que denunciou o “mau patrão” J. J. Abdala, proprietário da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus (Jornal da Tarde, 24 de abril de 1967) e a sobre os índios Xavantes de Mato Grosso (Jornal da Tarde, 12 de agosto de 1967 e 26 de agosto de 1967). Trabalhou depois na Folha da Tarde e no Jornal do Bairro, em 1969 e 1970. Participou ainda ativamente da equipe do jornal Amanhã, editado pelo Grêmio Estudantil da FFCL da USP, que, mais que um semanário estudantil, foi uma publicação voltada para os problemas nacionais e de circulação nos meios operários. Em abril de 1968, participou da manifestação contra a prisão de jornalistas, diante do Tribunal Militar de São Paulo.

O ano de 1968 foi marcado por grandes mobilizações estudantis, nas quais Merlino também participou ativamente, já que havia ingressado no curso de História da USP. Foi também durante esse ano que ingressou no POC. Como repórter da Folha da Tarde, fez a cobertura do XXX Congresso da UNE, em outubro de 1968, em Ibiúna (SP) e foi, na ocasião, uma das principais fontes de informação sobre a repressão ao evento. Apesar da prisão dos mais de 700 estudantes, Merlino, liberado em seguida em virtude de sua condição de jornalista, publicou na Folha da Tarde, de 14 de outubro de 1968, as matérias “Um Triste Congresso” (assinada por Antônio Mello), “Quem é ela?” (assinada por Eduardo da Rocha e Silva) e “Um Defunto Que Não Morreu” (não assinado). Em dezembro, quando houve a decretação do AI-5, liderou a greve dos jornalistas da Folha da Tarde.

A partir de 1969, com o endurecimento da ditadura, participou de atividades clandestinas de combate ao regime, sem deixar a vida de jornalista. Nessa ocasião, colaborou na organização clandestina das manifestações estudantis contra a visita do banqueiro estadunidense David Rockfeller ao Brasil. Em dezembro de 1970, viajou para a França, para um período de estudos e contatos, sobretudo no âmbito da IV Internacional, de orientação trotskista. Participou como observador do 2º Congresso da Liga Comunista, organização francesa da IV Internacional, em Rouen. Durante sua estadia na França, por meio de seus contatos com a organização francesa, conseguiu que o prestigioso editor François Maspero publicasse uma das primeiras denúncias da tortura no Brasil, com depoimentos de vítimas, obra que elaborou em conjunto com os jornalistas Bernardo Kucinski e Ítalo Tronca: Pau de Arara – La Violence Militaire au Brésil (Paris, François Maspero, Cahiers Libres, 1971).

Tonico Ferreira, amigo de Luiz Eduardo Merlino, relatou que: “vamos voltar a 1966. Aos 18 anos de idade, após um ano vivendo em São Paulo, Merlino e eu rompemos com o nosso passado intelectual de Santos, cidade onde nascemos e fomos amigos fiéis desde o quarto ano primário. No primeiro ano da faculdade de arquitetura da USP, eu havia entrado para um grupo político de esquerda, a DI – Dissidência do Partido Comunista. Merlino, no curso de história, também da USP, foi para a Polop, a Política Operária. (...). Na Rua Maria Antônia, em São Paulo, trocamos de líderes, substituímos inspirações e viramos jornalistas por força da política (fizemos um jornal estudantil em 67, o ‘Amanhã’, e trabalhamos juntos na ‘Folha da Tarde’, em 68). Nesse ano, Merlino já havia se filiado a uma dissidência da Polop, o POC (Partido Operário Comunista), que, apesar do ‘operário’ no nome, era formado basicamente por intelectuais e estudantes”. (Tonico Ferreira, Anos que não terminam. Publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 33). 

Em depoimento filmado, apresentado na audiência realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo no dia 13 de dezembro de 2013, Tonico Ferreira, declarou que: “(...) [no dia da morte, eu não estava aqui em São Paulo, eu tinha me casado e tinha viajado, eu não sabia de nada, não sabia nem que o Merlino tinha voltado, nem sabia que ele tinha voltado. Aí, eu me lembro claramente, são coisas que você marca a imagem, eu estava na Rua Pamplona encontro com o Chico Caruso. O Chico Caruso chegou pra mim e disse, ‘você não acredita, o Merlino foi preso e foi morto'. Coisa terrível. Aí nos tentamos fazer, eu e o Raimundo, por iniciativa do Raimundo, porque duas pessoas foram importantes na minha formação, o Luiz Eduardo Merlino e o Raimundo Rodrigues Pereira. Aí o Raimundo falou assim, 'Tonico, tenho que resolver esse negócio, temos que saber o que foi isso aqui', e nós iniciamos uma investigação, não sei se vocês ficaram sabendo, nós fomos ao IML, conversamos com o diretor do IML, descobrimos que realmente, através, do jeito como eles como eles estavam fazendo com o corpo do Eduardo era o jeito que eles estavam, que a repressão estava se desfazendo dos corpos e criando essa entidade dos desaparecidos. Era super fácil, o DOPS ou DOI-CODI entrega o corpo, você tira a identificação, a pessoa é corpo não reclamado e enterra em algum cemitério como indigente, foi isso o que eles fizeram durante anos.  Nós descobrimos ali naquela hora e eu me arrependo de a gente não ter feito alguma coisa a mais para fazer essa denúncia porque ela só foi feita muito tempo depois, só muito tempo depois se descobriu qual era  o caminho que se fazia com as pessoas que morriam nas mãos dos torturadores”.

CIRCUNSTÂNCIAS DA MORTE OU DO DESAPARECIMENTO FORÇADO

Cinco dias depois de sua volta da França – que havia sido feita com passaporte legal, uma vez que contra ele não pesava nenhuma acusação dos órgãos repressivos –, foi preso na casa de sua mãe, Iracema da Rocha Merlino, em Santos, em 15 de julho de 1971. Os órgãos repressivos não conheciam a sua identidade legal, mas conheciam bem as atividades de Nicolau, seu nome de guerra no POC, como também sua qualidade de dirigente. Os policiais do DOI-CODI/SP apresentaram-se à porta da casa como amigos, mas, desde o momento em que puseram os pés no recinto da família, a cordialidade foi substituída pela brutalidade, as metralhadoras foram apontadas para toda a família, particularmente para sua irmã, Regina. Com grosserias e impropérios, revistando brutalmente o seu quarto, perguntavam agressivamente por sua companheira, Ângela Mendes de Almeida, também dirigente do POC e já condenada pela Justiça Militar a quatro anos de prisão. Iracema ficou nervosa, mas foi acalmada pelo filho que dizia: “Logo estarei de volta”.

Na sede do DOI-CODI/SP, na Rua Tutóia, Merlino foi torturado por cerca de 24 horas ininterruptas e abandonado em uma solitária, a chamada “cela-forte”, ou “X-zero”. Apesar de queixar-se de fortes dores nas pernas, fruto da permanência no pau-de-arara, não teve nenhum tratamento médico. Apenas massagens, acompanhadas de comentários grosseiros por parte de um enfermeiro de plantão, de traços indígenas, que respondia pelo nome de Boliviano, ou Índio, e que, em tom de brincadeira, falou ao chefe da equipe: “Capitão, o Merlino está reclamando de dores nas pernas e que não pode fazer pipi. Vai ver que andou demais durante a noite”; e os dois torturadores puseram-se a rir.

O preso político Guido Rocha já estava na solitária, ou “X-zero”, havia vários dias quando os policiais chegaram com Merlino, conforme depoimento dado por ele em Bruxelas, em 1º de abril de 1979, ao jornalista Bernardo Kucinski. Guido tentara sair do país por Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, aonde chegara por trem, mas as autoridades bolivianas o devolveram aos militares brasileiros. O “X-zero” era uma cela quase totalmente escura. Chão de cimento, colchão manchado de sangue jogado no piso, uma privada turca, que os presos chamavam de “boi”. Só entrava luz na cela quando uma portinhola era aberta para passar comida. Antes mesmo de Merlino ser trazido para o “X-zero”, Guido já o conhecia pelos seus gritos e gemidos que ouvira muitas vezes, vindos da sala de torturas, localizada bem ao lado. Ao chegar, Merlino estava muito machucado e viera carregado pelos policiais. Mantinha-se calmo, tinha a voz fraca, mas ainda estava conversando e contou-lhe mais ou menos a sua situação, apresentando-se como Nicolau. Tinha a esperança de poder sair logo. Mas a sua saúde começava a piorar. As duas pernas ficaram dormentes, em razão do tempo que passara pendurado no pau-de-arara. Para ir à privada turca, Guido tinha que carregá-lo, embora, por ser franzino, mal o agüentasse.

Em depoimento, Guido Rocha, relata que: “[ao ser questionado se era a perna esquerda ou direita que Merlino sentia a dormência] tenho a impressão de que era a esquerda, não posso precisar. Essa dormência acabou piorando, (já depois da acareação) acabaram levando ele para o pátio; puseram em cima de uma mesa. E um cidadão que se dizia enfermeiro começou a fazer massagem, um cidadão que andava com botas de soldado, calças de soldado, mas tinha uma bata branca. Deixaram a porta da cela aberta, e eu pude ver, nessa hora, mais claramente, a fisionomia dele, aí que eu vi a fisionomia e guardei bem porque fiquei várias horas olhando e mais tarde é que eu pude identificar, pela fotografia dele no jornal, que era Luiz Eduardo Merlino. (...) Me parece que na cela ao lado tinha gente vendo também e o enfermeiro não quis fazer o teste de reflexo na vista das outras pessoas. Eu também estava arrebentado, então eles não se importaram comigo e trouxeram ele para minha cela para fazer o teste de reflexo. Vieram, fizeram o teste de reflexo no joelho e não tinha resposta nenhuma. O enfermeiro ficou perturbado com isso e não sabia o que fazer. Eu falei: o estado dele é grave, acho que convém levar para o hospital. O enfermeiro ficou irritado comigo, disse que ele é que sabia, que já tinha recuperado outros presos políticos, que estavam em estado muito pior do que aquele, que aquilo não era nada para ele. Fechou a porta. (...) Depois que fecharam a porta Merlino começou a piorar muito, logo em seguida. À noite começou a se sentir mal, estava bem pior. Eu tinha conseguido uma pêra e dei a ele. Porque ele rejeitava tudo, não comia nada. Eu não me lembro dele ter comido nem uma vez...porque ele tentava comer e vomitava sangue. Aí ele começou a mudar, a ficar nervoso, falou que estava piorando...vomitou sangue outra vez. Eu tentei acalmá-lo. Ele pediu que eu o colocasse sentado. Merlino nunca ficou em pé desde o primeiro dia. Para ir a privada precisava carregar ele. Eu e um guarda. Bem, eu tentei acalmá-lo, comecei a dizer a ele para respirar fundo, fazer a respiração de ioga, manter um pouco de calma. Mas ele ficou muito nervoso e falou: ‘chama o enfermeiro rápido que eu estou muito mal, a dormência está subindo, está nas duas pernas e nos braços também’. Aí eu bati na porta com força e gritei e vieram o enfermeiro e alguns torturadores, policiais, os mesmos que já haviam me torturado e torturado a ele também. Vieram e o levaram. Agora vou dar um detalhe que pode levar a alguma prova de alguma coisa. Na hora que eles saíram, de madrugada, eu estava muito arrebentado, e eu imediatamente deitei. Eu deitei e eles fizeram uma troca de sapatos. Levaram os meus sapatos e deixaram o dele; pode ser que entregaram à família dele sapatos que não eram dele”. (depoimento de Guido Rocha dado ao jornalista Bernardo Kucinski, em abril de 1979. A transcrição do depoimento encontra-se na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 39 e 40).

As dores nas pernas que Merlino sentia eram, na verdade, uma complicação circulatória decorrente das torturas. Na manhã do dia 17, o enfermeiro da Equipe A do DOI-CODI arrastou uma escrivaninha até o pequeno muro que divide o pátio, onde existiam sete celas. Pediu então ao carcereiro Marechal para trazer o preso do “X-zero”. Luiz Merlino foi carregado até a mesa improvisada. O enfermeiro, com bata branca, calças e botas militares, tirou o calção de Merlino, colocou-o de costas para cima e massageou suas pernas. Ele gemeu, chorou e gritou de dor. Suas nádegas estavam esfoladas. Os presos das celas 2 e 3, em um breve período de afastamento do enfermeiro, conversaram com ele, que se identificou. Contou que fora torturado toda a noite e que suas pernas não mais o obedeciam, fruto da gangrena generalizada. De volta ao “X-zero”, Merlino piorava. O enfermeiro fez o teste de reflexo no joelho e planta do pé, sem resposta alguma. Ficou perturbado, mas se irritou quando Guido Rocha cobrou a remoção do companheiro para um hospital, batendo na porta maciça de ferro. Ele vomitava tudo o que comia e havia sangue nos vômitos. “Chame o enfermeiro rápido, que estou muito mal”, pediu Merlino. A dormência já alcançava os seus braços. Guido Rocha bateu na pesada porta e gritou por socorro. O enfermeiro reapareceu, com outras pessoas, que Guido identificou como torturadores. Eles levaram Merlino para morrer no Hospital Geral do Exército.

A reconstituição dos fatos deu-se com os relatos de Guido Rocha e, ainda, os depoimentos de Eleonora Menicucci, Ricardo Prata Soares, Laurindo Junqueira Filho e Zilá Prestes Pra Baldi, prestados na Justiça Militar, que confirmam as torturas sofridas por Merlino no DOI-CODI/SP.

Leane Ferreira de Almeida, ex-presa política, também integrante do POC, presa no dia 15 de julho de 1971, declarou que: “eu fui a primeira militante que estava atuando a ser presa do nosso grupo. (...) Ele passou a ser torturado a partir do momento em que ele chegou. E eu fui tirada da sala de tortura para o Luiz Eduardo Merlino entrar. (...) Todos os presos escutavam os gritos dele incessantemente, até sua retirada da Operação Bandeirantes, desacordado e colocado no porta-malas de um carro. Isso foi visto por mim no pátio da Oban, comandado pelo Major Ustra; colocado no porta-malas de um carro por quatro outros policiais da mesma equipe (...) desacordado. Parecia até já morto”. (depoimento de Leane Ferreira de Almeida, dado em audiência ocorrida no TJ- 20 Vara Cível Central, processo 583.00.2010.175507-9). 

Leane relata também que: “nesta cela tinha uma janela basculante e duas outras companheiras tiveram que me segurar porque a gritaria foi muito grande quando retiraram o corpo do Luiz Eduardo... (...) [Gritaria dos] policiais, porque aparentemente não seria possível salvá-lo. Enfim, eles fizeram um alarido muito grande e nós nos organizamos; as duas companheiras – eu era a menor das três – me seguraram e eu consegui chegar até a basculante pra ver o corpo dele sendo colocado no porta-malas de um carro, (...) vestido, inerte, totalmente vulnerável, por quatro homens comandados pelo Major Ustra”.  (depoimento de Leane Ferreira de Almeidadepoimento de Leane Ferreira de Almeida, dado em audiência ocorrida no TJ- 20 Vara Cível Central, processo 583.00.2010.175507-9).

Leane declarou na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo que: “Bom, eu tenho os fatos um pouco embaralhados, eu confesso que eu não posso garantir datas e nem fatos precisos. Eu tenho flashes na minha cabeça destas coisas. Então, eu vi este corpo sendo colocado, o porta-malas foi fechado, a gritaria era grande, por isso a Ivone e a Lucia Coelho, a Ivone Serra e a Lucia Coelho me levantaram porque eu era a menor das três. Nós estávamos nessa cela e dava para ver o pátio. E foi nesse pátio que vi essa cena. [ao ser perguntada por Adriano Diogo quais eram os torturadores do dia] Então, os torturadores do dia eram o Ustra com certeza (...) o Gaeta, que a Ivone, a Ieda citou, Mangabeira, não é? (...)Bem, o que eu vi foi isto. Eles me colocaram neste outro prédio, numa outra ala, não é? Da OBAN de onde nós ouvíamos os gritos a noite. Ivone, eu e Lúcia ouvíamos os gritos mais a distância do que os companheiros que estavam na carceragem, mas ouvíamos os gritos ainda durante esta noite e depois então houve esta cena que a gente presenciou. Além disto eu não, já não sei mais o dia, se foi no mesmo dia ou no dia seguinte, eu vi alguém mencionou o Merlino sem óculos, não é? Eu vi os óculos do Merlino sobre uma mesa, foi aí que eu soube que era o Merlino que estava sendo torturado, porque quando eu vi os óculos dele, era uns óculos grossos como aparece em todas as fotos. Eu sabia que eram dele aqueles óculos, eu tinha contato com o Merlino antes das prisões, das nossas prisões antes de ele ir para a França e eu conhecia bem aqueles óculos, eu identifiquei. Eu parei, eu estava subindo para uma outra sala de interrogatório e eu parei quando vi os óculos, eu estaquei assim involuntariamente pelo susto, porque para mim ele estava na França. E eles perceberam a minha reação e eu já não sei mais qual foi dos torturadores que falou “sim, é ele mesmo que está aqui. Você está admirada, mas ele está aqui”. Então, obviamente eram dele. Aí eu identifiquei os gritos eram dele, ele então estava sendo preso naquele dia. Porque no dia, na noite, não, na manhã desse dia eles se dedicaram, a equipe estava toda basicamente comigo, não é? Porque o interrogatório era feito por várias pessoas a comando do Ustra, mas pelo menos uns cinco estavam comigo na cela e provavelmente interrogando você em outra, na sala, em outra sala, não é? Nós fomos presos juntos. Então, acho que seria mais ou menos isto”.

Eleonora Menicucci de Oliveira, ex-presa política, também militante do POC, relata que: “(...) no momento da prisão do Luiz Eduardo da Rocha Merlino eu já estava presa. Numa madrugada eu fui chamada, retirada da cela e fui a uma sala chamada sala de tortura, onde tinha um pau-de-arara e a cadeira-do-dragão. Neste pau-de-arara estava o Luiz Eduardo da Rocha Merlino, nu, já com uma enorme ferida nas pernas, numa das pernas era maior. E eu fui torturada na cadeira-do-dragão. Neste momento eu vi o Luiz Eduardo Merlino, eu assisti à tortura, sendo torturada, e vi o Coronel Ustra entrar na sala e sair. (...) Esse machucado que vi foi gangrenando (...) a cela das mulheres era separada da dos homens. E o Luiz, por informações dadas pelos carcereiros, ele estava na cela forte junto com o Guido. E depois um silêncio absoluto, não se falava mais nele. E depois, novamente se falava que ele tinha falecido e, na realidade, ele não morreu, ele foi assassinado. Ele foi levado para o hospital, não sei dizer para a senhora qual era o hospital (...). E depois do silêncio, a informação de que ele tinha falecido por gangrena na perna”. (depoimento de Eleonora Menicucci de Oliveira, Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9).

Na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Eleonora Menicucci declarou que: “Só queria reafirmar aqui a presença do Ustra [Carlos Alberto Brilhante Ustra] na sala de tortura, do ‘J.C.’ [Dirceu Gravina] e do ‘Ubirajara’ [Aparecido Laertes Calandra], que ora torturavam o ‘Nicolau’ [Luiz Eduardo Merlino] no pau-de-arara, ora a mim na cadeira do dragão. (...) o assassinato do ‘Nicolau’ tem responsáveis e estes responsáveis, diretamente responsáveis com a fúria e com a selvageria que caracterizava. Porque o Merlino, nem o nome dele abria, e estas três pessoas muito fortemente presentes no assassinato dele são absolutamente responsáveis pelo assassinato de Luiz Eduardo da Rocha Merlino."

Otacílio Guimarães Cecchini, preso em 15 de julho de 1971, relatou que: “[ao ser questionado se conhecia Merlino antes, respondeu] não, conheci lá. Estava da primeira cela, com uma visão muito boa, fácil de ver quem entrava para o interrogatório. (...) Eu fiquei numa cela que dava uma visão ampla de tudo e vi fatos (...). Havia do meu lado uma cela forte, uma chapa de aço; havia nessa cela uma pessoa que fiquei sabendo depois que era o Guido (...). Saí dessa cela para receber uma pessoa que eu não sabia que era o Merlino (...). Na manhã do dia seguinte, que era um sábado, o carcereiro – eu chamava ele de Marechal – abriu a cela e reclamou que a cela estava suja. (...) Mas o ajudou a sair porque ele estava com dificuldade, pegou ele rápido, foi colocado numa mesa no corredor. (...) o Merlino, ele não tinha como se locomover. E a tentativa era fazer uma massagem na perna pra que ele pudesse andar e ter o mínimo de autonomia e voltar para a cela. É claro que isso não resolveu o problema. (...) Eu também vi – acho importante para o depoimento – foi no interrogatório a que eu estava submetido, na segunda-feira...(...). Mas no meu caso ele (Ustra) estava no interrogatório e era dele que partia a ordem se ia ser torturado ou não. As pessoas não tinham autonomia, passava por ele a decisão. Com um sinal ele decidia se ia ser torturado ou não, como foi no seu caso (...). Alguém abriu a porta – não lembro o nome – e chamou o comandante, dizendo que era do hospital, uma ligação do hospital, pedindo a presença da família para autorizar uma eventual amputação. (...) E ele sai da sala para tomar a decisão, já que a família não podia ser acionada”. (depoimento de Otacílio Guimarães Cecchini, Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9). 

Otacílio Guimarães Cecchini na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo declarou que: “Bom, sou uma testemunha importante, não é? E enquanto eu viver, que isso fique presente em livros, depoimentos, eu fui a pessoa que, no meio do julgamento, foi citado lá, no meio de um julgamento, de uma tortura, de um inquérito sendo feito, o Merlino entra, me desculpe, o Ustra entra na sala. Estão perguntando sobre o Merlino, aqui e ali, o Ustra entra na sala, eu estou sendo interrogado, e ele de pé atrás e tal, ele era a pessoa que dava o sinal de ir para a tortura ou para não ir, enfim, ele é aquela história militar, ele é o comandante, ninguém fazia nada sem a ordem dele, beleza. Entra um militar, com traje de civis, ele entra e diz que havia um telefonema, se dirigindo ao Ustra, que tinha um telefonema do hospital, não fala qual hospital, que os médicos estavam pedindo contato com a família do Merlino. Pedindo contato porque haveria a necessidade de uma amputação. Houve uma chateação, todo mundo, e na minha frente ali, eu escutei e vi a reação dele. Bom, eu vejo isso e tal, me tiraram da sala, ou seja, havia uma solicitação do hospital que o paciente que ainda estava com vida ainda, porque isso é importante: ele sai com vida de lá, ele está no hospital, que raio de hospital? Pode ser as Clínicas que a gente sabe que na época havia essa cobertura, não é? E outros hospitais em São Paulo que faziam essa cobertura. Há um telefonema, isso eu sou testemunha desse fato que é importante, há então  a ligação entre um preso político torturado com princípio de gangrena, com a necessidade de amputação de uma perna e o Ustra recebe a informação. Eu, veja, eu não sei o nome da pessoa, nós não sabíamos, uma pessoa que depois de 40 anos, sim, era um jovem, um daqueles vários torturadores ou uma pessoa da equipe, e parecia mais uma pessoa da equipe porque tinha alguns que faziam campana, equipe, saíam e então não ficavam tão presentes ali. Eles não faziam interrogatório, mas era um daqueles, ou provavelmente as pessoas de Inteligência porque eles tinham uma retaguarda, essas pessoas que ficavam vendo, a Inteligência, é um desses funcionários da OBAN ali. Essa pessoa então fala, o Ustra, uma frustração, claro, ali e tal, e me tiram, "bom, desce com esse cara e tal" que iriam resolver o problema. O que se passou depois a gente imagina e as informações passam a ser coerentes. Quer dizer, de desleixo, falta de cuidado, porque se você quisesse, da mesma forma que houve a retirada do preso, chamem a família, no mínimo, depois de toda a barbárie, mas a covardia é imensa, a gente sabe disso, a covardia mesmo, a mais baixa de todas, não é? (...)”

Paulo de Tarso Vannuchi, preso em 18 de fevereiro de 1971, declarou que: “... e retornei ao DOI-Codi na Rua Tutóia no mês de julho. (...) Conheci o Merlino, que foi trazido para a porta da minha cela, no xadrez três. Rabisquei um croquis para a senhora (...) explicando onde foi a massagem, deitado numa escrivaninha, que um enfermeiro – conhecido como Boliviano – fez durante uma hora na minha frente. Pude conversar com o Merlino, eu era estudante de medicina e notei que ele tinha numa das pernas a cor da cianose, que é um sintoma de isquemia, risco de gangrena. E nos dias seguintes perguntei para carcereiros, sobretudo para um policial de nome Gabriel – negro atencioso – o que tinha acontecido com aquele moço e ele respondeu que ele tinha sido levado para o hospital. Nos dias seguintes vi essa versão ser repetida e tinha contato com o Major Tibiriçá, cheguei a perguntar sobre isso e ele nada me respondeu (...). E o semblante das respostas dos funcionários era que alguma coisa grave ali tinha acontecido. (...) Ele estava com muita dor, com uma voz muito fraca e se limitou a responder à pergunta: ‘Como você chama?’ – Ele respondeu: ‘Merlino’ – Eu não entendi, entendi que fosse Merlim, e ele acenou”. (depoimento de Paulo de Tarso Vannuchi, Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9).


Joel Rufino dos Santos, preso no final de dezembro de 1972, amigo de Luiz Eduardo Merlino, relatou que: “principalmente um torturador, o Oberdan, ele me relatou como foi a tortura do Merlino. (...) Pela versão que me deu esse torturador, ele estava presente e comandou a tortura sobre o Merlino. E decidiu ao final se amputava ou não a perna do Merlino. A versão que recebi foi essa, que o Merlino, depois de muito torturado, foi levado ao hospital e de lá telefonam, se comunicam com o Comandante Ustra pra saber o que fazer. Ele disse para deixar morrer”. (depoimento de Joel Rufino dos Santos  Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9).

Ivan Seixas, na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, realizada no dia 13 de dezembro de 2013, relatou que:

“Em julho de 1971 eu estive preso na cela 4 do DOPS em São Paulo (...) em 12 de julho de 1971, o torturador Otávio Gonçalves Moreira Júnior, delegado de polícia, conhecido como ‘Varejeira’ ou ‘Otavinho’ chega na carceragem do DOPS "Arruma suas coisas que você vai para o Sul".(...) Estávamos sequestrados e ameaçados de morte iminente.  (...) Fomos todos colocados num carro e levados ao DOI-CODI. Ao chegar passamos a ser torturados (...)  Eu tinha um pouco de controle de que as pessoas que estavam comigo estavam todas ali naquela carceragem. Imediatamente quando a gente chegou lá, eu acho que era umas 5 ou 6 horas da tarde, imediatamente a gente entrou naquela rotina infernal, macabra que era o DOI-CODI, gritaria e torturas. Muita tortura, e eles estavam enfurecidos, ensandecidos além do normal e a gente não entendia o que estava acontecendo, e aos poucos fomos sabendo que era o pessoal do POC que tinha sido capturado e que tinham conseguido alcançar alguém importante na estrutura do POC. E rapidamente, entre os presos tinha uma comunicação muito rápida, porque todos nós tínhamos que saber o que acontecia pra ver se não aconteceria com a gente, e veio um nome, o Nicolau, pegaram o Nicolau. Eu não sabia quem era o Nicolau, mas percebia que era uma pessoa que tinha importância na estrutura do POC, Partido Operário Comunista. A gritaria foi, primeiro a gritaria deles e depois os gritos de tortura que vinham da sala ao lado. Eu tinha sido colocado na cela X1, tinha a cela forte, tinha a X1 que era a primeira cela, depois X2 e X3 e do outro lado tinha 4, 5 e 6 que era a das mulheres, e um portão preto que tinha do lado da entrada da cela forte, do X0, abria o portão preto e tinha a sala de tortura que ficava ao lado da escada que subia para o andar superior. E ali a gente ouvia tudo, não era escondido, não tinha nenhum tipo de preocupação com os gritos serem ouvidos do lado de fora, a porta ficou aberta e a porta da sala de tortura estava aberta e a gente ouviu a noite inteira, a noite inteira as torturas por que passava o Nicolau. E era uma coisa terrível, porque para nós que passamos por tortura, nós sabíamos o que estava acontecendo, sabíamos o quanto de sofrimento estava sendo aplicado àquela pessoa que estava sendo torturada, fosse homem ou fosse mulher, e todos nós sofríamos duplamente, sofríamos como militantes, por ser um companheiro que estava sendo destruído e sofríamos como seres humanos, de ouvir aquelas sessões ininterruptas. E a gente ouviu a noite inteira, a madrugada inteira aquelas cenas, ouvindo aqueles gritos terríveis, gritos de perguntas e gritos de torturas, dava para ver que tinha muito choque, uma coisa muito furiosa. De manhãzinha, lá para umas 4 ou 5 horas da manhã, foi possível porque a cela onde eu estava era bem perto dessa porta preta, eu vi o Ustra comandando a retirada e a limpeza da cela de tortura, e ele dizia, “traz ele para cá, põe ele aqui, limpa lá o sangue, limpa lá essa porcaria, limpa isso, limpa aquilo”. E os torturadores, que tinham muito medo também do Ustra, iam rapidamente limpando tudo, e aí puseram, deu para perceber, deu para ver porque eu ficava de lado, puseram aquela pessoa, que era o Nicolau, na cela forte, eu não sei por quanto tempo porque em seguida, uma hora mais ou menos depois, nós todos fomos tirados dali e levados em um comboio enorme de torturadores para a base aérea de Campo de Marte, não é? E lá fomos embarcados em um avião C47 e levados para Porto Alegre onde ficamos um mês e pouco lá. Mas o tempo que a gente ficou ali no DOI-CODI, a gente pode ouvir as torturas, eu vi em alguns momentos, cansado de tanto torturar eu vi o JC passando, saiu para fumar e assim cansado, “vai dar trabalho, vai dar trabalho” e falava assim uma coisa muito eufórica e cansada, não é? Eu não vi os outros, mas esse eu vi, e essa cena terrível que foi o Ustra mandando limpar sangue, sujeira, que não sei o que era e dizendo, "tira ele daí e põe aqui", e aí puseram ele na cela forte. Depois disso a gente, lá no Sul a gente soube, através de uma visita do Raul Carrion, me lembrei agora, foi, inclusive, Deputado do PCdoB lá no Rio Grande do Sul, a família dele trouxe a notícia de que tinha sido assassinato em São Paulo um dirigente do POC, que teria sido atropelado, alguma coisa assim, a informação era muito confusa, e a gente deduziu que aquilo que nós presenciamos era aquela morte daquele companheiro que havia sido anunciada nos jornais”. 

Ieda Akselrud de Seixas relatou na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, que na manhã seguinte a noite que Merlino passou sendo torturado, ela ouviu do Lourival Gaeta: “O que vocês estão fazendo aí, porra?” Nós estamos aqui porque nos trouxeram, aí tiraram o Merlino da sala, ele estava no colo, e eu lembro de que me chamou a atenção porque o Merlino, pelo que parece, era muito míope, não é? Então ele fazia assim para enxergar, aí o cara chegou e disse assim, “Ele não está fazendo xixi” aí ele disse assim, “porra, mas esse cara é difícil, ele parece o Arrudão”, o Diógenes Arruda, o militante do PCzão “porque ele não fala, não tem jeito, ele não fala, o Arrudão, eu arrebentei meu relógio de tanto torturar ele e ele não falou, e esse cara está pensando que ele é quem? Ele não vai acabar bem, não.” Mas assim, a naturalidade, ele parado ali na porta, “pode deixar que eu já vou lá resolver isso porque hoje ele vai falar de qualquer jeito.” Esse é meu testemunho, ele vai até aí porque depois eu fui levada para o Sul”.

Embora no atestado de óbito conste a data de 19 de julho de 1971, sua morte não foi comunicada à família. Os parentes só ficaram sabendo no dia 20, à noite, por pessoas que buscavam informação sobre sua prisão. A primeira versão era de que ele havia se suicidado. Uma segunda versão dada pelos órgãos repressivos afirmava que ele teria morrido por “auto-atropelamento”: tendo sido levado para o Rio Grande do Sul para identificar companheiros, ele teria escapado da guarda e se jogado embaixo de um carro, na BR-116, na altura de Jacupiranga (SP).

Apesar da desculpa mais sofisticada, o corpo não aparecia. Parentes de Merlino foram até o IML/SP e tiveram como resposta do diretor, Arnaldo Siqueira, que o corpo não estava ali. Foi preciso que seu cunhado, o delegado de polícia Adalberto Dias de Almeida, valendo-se de sua condição, entrasse por uma porta lateral e procurasse o corpo, de geladeira em geladeira, até encontrá-lo. Desmascarado então pelos parentes, o diretor deu como desculpa o fato de aquele corpo estar ainda sem identificação.

O corpo de Merlino foi retirado do IML/SP e enterrado no Cemitério de Paquetá, em Santos, pela família.

O laudo necroscópico, assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini, concluiu que Merlino morreu de anemia aguda traumática (por ruptura da artéria ilíaca direita). No laudo consta a resposta “não” ao quarto quesito, que pergunta se a morte foi produzida por torturas ou por outro meio degradante e cruel. Na requisição de exame necroscópico, no item referente ao histórico do caso, lê-se “[…] no dia e hora supra mencionados [19/07/71 - 19h30min - BR-116 Jacupiranga] ao fugir da escolta que o levava para Porto Alegre, RS, na estrada BR-116 foi atropelado e em conseqüência dos ferimentos faleceu”. O documento contém um T de “terrorista”, escrito a lápis.

A notícia da morte de Luiz Eduardo Merlino foi censurada. Apesar disso o jornal A Tribuna, de Santos, noticiou, em 27 de agosto de 1971, que “Estava morto há dias jornalista desaparecido […] desde o dia 16 de julho último”. No texto, citava-se um despacho enviado de Paris pela Agência Reuters, uma semana antes, comunicando que Merlino havia sido preso pelas autoridades de Segurança Nacional. Na mesma data, um anúncio fúnebre em O Estado de S. Paulo convidava “[…] os jornalistas brasileiros e o povo em geral para a missa de trigésimo dia do seu falecimento, a realizar-se dia 28 de agosto, na Catedral da Sé, em São Paulo”.

De fato, a missa foi celebrada com a presença de centenas de jornalistas e amigos. Segundo relato de sua irmã, Regina Merlino, havia também, entre os presentes, muitos policiais, alguns até portando metralhadoras. E o cúmulo do acinte: os mesmos três homens, que tinham ido prender Merlino em sua casa, foram dar os pêsames à família.

Durante muito tempo, toda a família foi vigiada ostensivamente, em alguns casos chegando à provocação. Por sua vez, a companheira de Merlino, Ângela, já condenada, permaneceu fora do Brasil até o advento da Lei de Anistia, em agosto 1979.

Iracema da Rocha Merlino morreu em 31 de março de 1994. Ela, a irmã, Regina Merlino Dias de Almeida, e a companheira de Luiz Eduardo, Ângela Mendes de Almeida, nunca deixaram de lutar pelo restabelecimento da verdade sobre sua morte. E nunca deixaram de denunciar esse crime por todos os meios disponíveis. Em 1978, o Núcleo de Profissionais de Saúde do CBA/SP denunciou diversas mortes sob tortura, entre elas a de Luiz Eduardo. Em julho de 1979, sua família entrou com uma ação declaratória contra a União na Justiça Federal.

Durante os processos contra os médicos legistas do Cremesp, que falsificaram laudos durante a ditadura, iniciado pelo GTNM/RJ na década de 1990, a pedido da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, o médico Antenor Chicarino analisou o laudo de necropsia de Luiz Eduardo e afirmou que a fotografia revelava manchas roxas no braço direito, no nariz e na testa, compatível com aquelas causadas por agente mecânico de efeitos constritivos que não são apontadas no laudo. As lesões compatíveis com marcas de pneus estão localizadas na sola dos pés, pernas, nádegas, cotovelos e braços. Como explicar escoriações na sola dos pés, se estava calçado com botas de couro? O médico Dolmevil aborda as mesmas questões e, com base nas fotografias, destacou inchaço no lábio inferior e uma mancha roxa horizontalizada paralela em toda a linha de implantação dos cabelos na região frontal.

 

EXAME DA MORTE OU DO DESAPARECIMENTO FORÇADO ANTERIORMENTE À INSTITUIÇÃO DA CNV

Na CEMDP, seu caso, de nº 209/96, teve como relator Nilmário Miranda e foi deferido por unanimidade em 23 de abril de 1996.

Em 4 de abril de 2008, a Justiça de São Paulo acolheu uma ação cível declaratória – sem pedido de punição criminal ou indenização pecuniária – contra o coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI do II Exército à época e acusado por várias testemunhas de ser o principal responsável pela morte de Merlino. A ação teve como autoras sua ex-companheira, Ângela, e sua irmã, Regina. Infelizmente, em 23 de setembro de 2008, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o agravo de instrumento impetrado por Ustra que suspende o processo, aceitando o argumento de que a ação declaratória não seria o meio processual para discutir o pedido feito (reconhecimento da tortura sofrida por Merlino). Fábio Konder Comparato e Aníbal Castro de Sousa, advogados dos familiares de Merlino, recorreram da decisão. A ação foi declarada extinta e os advogados da família ingressaram com uma nova ação em 2010. Nessa segunda vez, foi dado ingresso a uma ação por danos morais, que teve sua sentença em 25 de junho de 2012.  A sentença foi dada em primeira instância pela 20ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, que ordenou que o militar pagasse uma indenização de 50 mil reais a cada uma das autoras da ação – a irmã do jornalista Regina Maria Merlino Dias de Almeida e a ex-mulher dele, Ângela Maria Mendes de Almeida.

Segundo a sentença, o entendimento manifestado pelo STF na ADPF 153 sobre a Lei de Anistia (Lei 6683/79), no sentido de que os fatos praticados no período do regime militar estariam anistiados, não interfere na decisão, já que a anistia se daria no âmbito exclusivamente penal.

Argumenta ainda, que mesmo quanto a responsabilização penal há uma discussão em virtude da sentença no “Caso Gomes Lund e outros” (Guerrilha do Araguaia), que reconheceu a invalidade da Lei de Anistia já que esta teria afetado o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos. Outro argumento utilizado é que a ação de reparação de danos morais decorrentes de ofensas a direitos humanos é imprescritível segundo várias decisões do Superior Tribunal de Justiça.

Carlos Alberto Brilhante Ustra recorreu da sentença e o recurso ainda não foi julgado. 

Por causa da morte prematura de Merlino, a sua irmã e sua companheira foram privadas de sua companhia, sendo lhes ferida a dignidade. Assim, nada mais correto e justo que ocorra a responsabilização pelos fatos praticados, que consistem numa grave violação a direitos humanos.

Ustra foi condenado em primeira instância, em outubro de 2008, em outra ação declaratória iniciada em 2006. O processo foi movido por cinco membros da família Almeida Teles, que o acusam de tê-los torturado em 1972. Em 2012 o Tribunal de Justiça negou o recurso de Carlos Alberto Brilhante Ustra. O processo atualmente aguarda o julgamento do recurso de Ustra no STJ. 

No dia 22 de setembro de 2014 o Ministério Público Federal ingressou com uma denúncia contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, Dirceu Gravina, Aparecido Laertes Calandra e Abeylard de Queiroz Orsini. A acusação contra os três primeiros é de homicídio doloso qualificado, tendo sido o homicídio de Luiz Eduardo da Rocha Merlino cometido por motivo torpe, com emprego de tortura e ação foi praticada mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Em relação à Abeylard de Queiroz Orsini, médico legista que assina o laudo de exame necroscópico juntamente com Isaac Abramovitc (já falecido) a acusação é de falsidade ideológica, por ter omitido em documento público informação de que dele deveria constar, bem como inserir declaração falsa e diversa da que deveria ter sido escrita.

Além da condenação por homicídio doloso e falsidade ideológica, o MPF quer que Ustra, Gravina, Calandra e Orsini tenham a pena aumentada devido a vários agravantes, como motivo torpe para a morte, emprego de tortura, abuso de poder e prática de um crime para a ocultação e a impunidade de outro. Os procuradores da República que assinam o documento pedem ainda que os acusados percam cargos públicos que ocupam atualmente e o cancelamento de aposentadoria concedida ou qualquer outra forma de provento que recebam. Solicita ainda que, enquanto tramitar o processo, Gravina seja afastado cautelarmente do cargo de delegado de Polícia Civil, bem como que seja vedado a Orsini o exercício da medicina.

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo fez a 106ª audiência pública sobre o caso no dia 13 de dezembro de 2013. (ver transcrição em anexo). Realizou também a 133ª Audiência Pública no dia 08 de agosto de 2014 (sem transcrição).

IDENTIFICAÇÃO DO LOCAL DA MORTE OU DO DESAPARECIMENTO FORÇADO

Luiz Eduardo da Rocha Merlino morreu sob tortura nas dependências do DOI-Codi do II Exército de São Paulo.

IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA

1. Cadeia de Comando do(s) órgão(s) envolvido(s) na morte ou desaparecimento forçado

 DOI-Codi do II Exército/SP

Carlos Alberto Brilhante Ustra

Lourival Gaeta

Marechal

Boliviano

Dirceu Gravina (JC)

Aparecido Laertes Calandra (Capitão Ubirajara)

Capitão André

IML/SP

Arnaldo Siqueira

Abeylard de Queiroz Orsini

Isaac Abramovitc

2. Autorias de graves violações de direitos humanos

Nome

Órgão

Função

Violação de direitos humanos

Conduta praticada pelo agente

Local da grave violação

Fonte documental/testemunhal sobre a autoria

Carlos Alberto Brilhante Ustra

DOI-Codi do II Exército - SP

Comandante

Prisão, tortura, assassinato

Prisão, tortura, assassinato

DOI-Codi do II Exército - SP

Poder Judiciário, 20ª Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9

 

 

Publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória.

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 133ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 08/08/2014

 

Lourival Gaeta -

Mangabeira

DOI-Codi do II Exército - SP

Escrivão de polícia

Equipe C de interrogatório do DOI-Codi desde 1969 (fonte: “Bagulhão”, em 0utubro de 1975.)

Tortura, assassinato

Tortura, assassinato

DOI-Codi do II Exército – SP

 

Poder Judiciário, 20ª Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9

 

Publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória.

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Marechal

 

DOI-Codi do II Exército - SP

Carcereiro

Tortura, assassinato

Tortura, assassinato

DOI-Codi do II Exército – SP

Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9

 

 

Publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória.

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Boliviano ou Índio

DOI-Codi do II Exército - SP

“enfermeiro”

Tortura, assassinato

Tortura, assassinato

DOI-Codi do II Exército - SP

Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9

 

Publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória.

 

Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil

 

 

Aparecido Laertes Calandra (Capitão Ubirajara)

DOI-Codi do II Exército – SP

Chefe da Equipe B de interrogatório do DOI-Codi  desde 1972. É capitão do Exército

Tortura, assassinato

Tortura, assassinato

DOI-Codi do II Exército – SP

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 133ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 08/08/2014

 

Dirceu Gravina (JC)

DOI-Codi do II Exército – SP

Equipe A de interrogatório do DOI-Codi no período de 1971-1972. delegado da Polícia Civil

Tortura, assassinato

Tortura, assassinato

DOI-Codi do II Exército – SP

Na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Eleonora Menicucci declarou que: “Só queria reafirmar aqui a presença do Ustra [Carlos Alberto Brilhante Ustra] na sala de tortura, do ‘J.C.’ [Dirceu Gravina] e do ‘Ubirajara’ [Aparecido Laertes Calandra], que ora torturavam o ‘Nicolau’ [Luiz Eduardo Merlino] no pau-de-arara, ora a mim na cadeira do dragão. (...) o assassinato do ‘Nicolau’ tem responsáveis e estes responsáveis, diretamente responsáveis com a fúria e com a selvageria que caracterizava. Porque o Merlino, nem o nome dele abria, e estas três pessoas muito fortemente presentes no assassinato dele são absolutamente responsáveis pelo assassinato de Luiz Eduardo da Rocha Merlino."

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 133ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 08/08/2014

Capitão André, Edgar (André Pereira Leite)

DOI-Codi do II Exército/SP

Equipe de análise do DOI-Codi desde 1972. em 1971 usava o nome de Capitão André e participava dos interrogatórios naquele mesmo destacamento. É capitão do Exército

Tortura

Tortura

DOI-Codi do II Exército/SP

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 133ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 08/08/2014

Arnaldo Siqueira

 

IML/SP

Diretor

Cúmplice em Falsificação de laudo necroscópico

Cúmplice em Falsificação de laudo necroscópico

IML/SP

 

Laudo de exame de corpo de delito – exame necroscópico

Abeylard de Queiroz Orsini

 

IML/SP

Legista

Falsificação de laudo necroscópico, falsidade ideológica

Falsificação de laudo necroscópico, falsidade ideológica

IML/SP

Laudo de exame de corpo de delito – exame necroscópico

Isaac Abramovitc

 

IML/SP

Legista

Falsificação de laudo necroscópico

Falsificação de laudo necroscópico

IML/SP

Laudo de exame de corpo de delito – exame necroscópico

FONTES PRINCIPAIS DA INVESTIGAÇÃO

Conclusões da CEMDP (Direito à Memória e à Verdade); Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE; Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013; “Bagulhão” A Voz dos Presos Políticos contra os Torturadores, São Paulo, Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, s. e., 2014.Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª e 133ª Audiências públicas  sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizadas no dia 13/12/2013 e 08/08/2014, respectivamente.

1. Documentos que elucidam as circunstâncias da morte ou desaparecimento forçado

 

Identificação da fonte documental (fundo e referência)

Título e data do documento

Órgão produtor do documento

Informações relevantes para o caso

 Arquivo da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

IEVE/SP

001-dossie-cemdp.pdf

Dossiê da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

 

Arquivo da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

IEVE/SP

001-dossie-cemdp.pdf (página 4 do anexo)

Certidão de óbito de Luiz Eduardo da Rocha Merlino

 

Cartório do Registro Civil do 20º Subdistrito – Jardim América

Atestado de óbito firmado por Isaac Abramovitc. Causa da morte: anemia aguda traumática. Declarante: Alcides Cintra Bueno. Falecido no dia 19/07/1971 às 19h30min na Rodovia BR 116

Arquivo da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

IEVE/SP

 

001-dossie-cemdp.pdf (páginas 15 a 30 do anexo)

Ação declaratória proposta por Iracema da Rocha Merlino (mãe de Merlino)

 

 

Consta o depoimento de Guido Rocha que esteve preso na cela solitária junto com Luiz Eduardo da Rocha Merlino

Arquivo da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

IEVE/SP

001-dossie-cemdp.pdf (páginas 32-48 do anexo)

Matérias da época do assassinato

 

Reportagens sobre o assassinato de Luiz Eduardo da Rocha Merlino

Arquivo da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

IEVE/SP

001-dossie-cemdp.pdf (páginas 55 e 56 do anexo)

Requisição de exame necroscópico

IML/SP

No documento consta o “T” de terrorista indicando o nome de Merlino. Falecido às 19h30min do dia 19/07/1971 na BR 116 em Jacupiranga. Segundo o histórico: ao fugir da escolta que o levava para Porto Alegre – BR 116 foi atropelado e em conseqüência dos ferimentos faleceu. Legista: Isaac Abramovitc

Arquivo da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

IEVE/SP

002-foto-morto.pdf

Foto de Luiz Eduardo da Rocha Merlino morto

IML/SP

Foto de Merlino morto

Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

Audiencia da Comissao da Verdade n.106.pdf

Transcrição da 106ª audiência pública da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

 

Audiência da Comissão da Verdade de São Paulo no qual há depoimentos acerca da prisão, tortura e morte de Merlino

Arquivo do Estado de São Paulo

Interrogatorio-Merlino.pdf

Documento do DOI-Codi do II Exército/SP

Declarações que presta Luiz Eduardo da Rocha Merlino às Equipes de interrogatórios Preliminares A e B

DOI-Codi do II Exército/SP

Declarações prestadas por Luiz Eduardo da Rocha Merlino (documento entregue pelos familiares de Merlino à Comissão Estadual da Verdade de São Paulo)

Tribunal de Justiça de São Paulo

sentenca-ustra-merlino.pdf

Sentença de ação de danos morais movida por Ângela Mendes de Almeida e Regina Maria Merlino Dias de Almeida contra Carlos Alberto Brilhante Ustra

 

A sentença foi dada em primeira instância pela 20ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, que ordenou que o militar pagasse uma indenização de 50 mil reais a cada uma das autoras da ação – a irmã do jornalista Regina Maria Merlino Dias de Almeida e a ex-mulher dele, Ângela Maria Mendes de Almeida.

 

Segundo a sentença, o entendimento manifestado pelo STF na ADPF 153 sobre a Lei de Anistia (Lei 6683/79), no sentido de que os fatos praticados no período do regime militar estariam anistiados, não interfere na decisão, já que a anistia se daria no âmbito exclusivamente penal.

 

Argumenta ainda, que mesmo quanto a responsabilização penal há uma discussão em virtude da sentença no “Caso Gomes Lund e outros” (Guerrilha do Araguaia), que reconheceu a invalidade da Lei de Anistia já que esta teria afetado o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos. Outro argumento utilizado é que a ação de reparação de danos morais decorrentes de ofensas a direitos humanos é imprescritível segundo várias decisões do Superior Tribunal de Justiça.

 

Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

carta-comissao-cev.pdf

Carta escrita pelos familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino à Comissão Estadual da Verdade

 

Constam relatos de ex-presos políticos que presenciaram a tortura de Luiz Eduardo da Rocha Merlino e recomendações à Comissão Nacional da Verdade

Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória. Coletivo Merlino

Merlino presente.pdf

Publicação escrita pelo Coletivo Merlino

 

Consta uma série de textos relacionados a Luiz Eduardo da Rocha Merlino

Denúncia do Ministério Público Federal contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, Dirceu Gravina, Aparecido Laertes Calandra, Abeylard de Queiroz Orsini

denuncia-coronel-ustra.pdf

Denúncia do MPF

 

Denúncia proposta no dia 22/09/2014 pelo MPF/SP. A acusação contra os três primeiros é de homicídio doloso qualificado, tendo sido o homicídio de Luiz Eduardo da Rocha Merlino cometido por motivo torpe, com emprego de tortura e ação foi praticada mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima. Em relação à Abeylard de Queiroz Orsini, médico legista que assina o laudo de exame necroscópico juntamente com Isaac Abramovitc (já falecido) a acusação é de falsidade ideológica, por ter omitido em documento público informação de que dele deveria constar, bem como inserir declaração falsa e diversa da que deveria ter sido escrita.

2. Testemunhos sobre o caso prestados à CNV ou às comissões parceiras

 

Identificação da testemunha [nome e qualificação]

Fonte

Informações relevantes para o caso

Guido Rocha

Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013

Esteve preso junto com Merlino na  solitária ou “x-zero”. Relatou que:

Antes mesmo de Merlino ser trazido para o “X-zero”, Guido já o conhecia pelos seus gritos e gemidos que ouvira muitas vezes, vindos da sala de torturas, localizada bem ao lado. Ao chegar, Merlino estava muito machucado e viera carregado pelos policiais. Mantinha-se calmo, tinha a voz fraca, mas ainda estava conversando e contou-lhe mais ou menos a sua situação, apresentando-se como Nicolau. Tinha a esperança de poder sair logo. Mas a sua saúde começava a piorar. As duas pernas ficaram dormentes, em razão do tempo que passara pendurado no pau-de-arara. Para ir à privada turca, Guido tinha que carregá-lo, embora, por ser franzino, mal o agüentasse.

 

Em depoimento, Guido Rocha, relata que: “[ao ser questionado se era a perna esquerda ou direita que Merlino sentia a dormência] tenho a impressão de que era a esquerda, não posso precisar. Essa dormência acabou piorando, (já depois da acareação) acabaram levando ele para o pátio; puseram em cima de uma mesa. E um cidadão que se dizia enfermeiro começou a fazer massagem, um cidadão que andava com botas de soldado, calças de soldado, mas tinha uma bata branca. Deixaram a porta da cela aberta, e eu pude ver, nessa hora, mais claramente, a fisionomia dele, aí que eu vi a fisionomia e guardei bem porque fiquei várias horas olhando e mais tarde é que eu pude identificar, pela fotografia dele no jornal, que era Luiz Eduardo Merlino. (...) Me parece que na cela ao lado tinha gente vendo também e o enfermeiro não quis fazer o teste de reflexo na vista das outras pessoas. Eu também estava arrebentado, então eles não se importaram comigo e trouxeram ele para minha cela para fazer o teste de reflexo. Vieram, fizeram o teste de reflexo no joelho e não tinha resposta nenhuma. O enfermeiro ficou perturbado, ficou perturbado com isso e não sabia o que fazer. Eu falei: o estado dele é grave, acho que convém levar para o hospital. O enfermeiro ficou irritado comigo, disse que ele é que sabia, que já tinha recuperado outros presos políticos, que estavam em estado muito pior do que aquele, que aquilo não era nada para ele. Fechou a porta. (...) Depois que fecharam a porta Merlino começou a piorar muito, logo em seguida. À noite começou a se sentir mal, estava bem pior. Eu tinha conseguido uma pêra e dei a ele. Porque ele rejeitava tudo, não comia nada. Eu não me lembro dele ter comido nem uma vez...porque ele tentava comer e vomitava sangue. Aí ele começou a mudar, a ficar nervoso, falou que estava piorando...vomitou sangue outra vez. Eu tentei acalmá-lo. Ele pediu que eu o colocasse sentado. Merlino nunca ficou em pé desde o primeiro dia. Para ir a privada precisava carregar ele. Eu e um guarda. Bem, eu tentei acalmá-lo, comecei a dizer ele para respirar fundo, fazer a respiração de ioga, manter um pouco de calma. Mas ele ficou muito nervoso e falou: ‘chama o enfermeiro rápido que eu estou muito mal, a dormência está subindo, está nas duas pernas e nos braços também’. Aí eu bati na porta com força e gritei e vieram o enfermeiro e alguns torturadores, policiais, os mesmos que já haviam me torturado e torturado a ele também. Vieram e o levaram. Agora vou dar um detalhe que pode levar a alguma prova de alguma coisa. Na hora que eles saíram, de madrugada, eu estava muito arrebentado, e eu imediatamente deitei. Eu deitei e eles fizeram uma troca de sapatos. Levaram os meus sapatos e deixaram o dele; pode ser que entregaram à família dele sapatos que não eram dele”.

Leane Ferreira de Almeida

Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013.

 

Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9.

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Leane Ferreira de Almeida, ex-presa política, também integrante do POC, presa no dia 15 de julho de 1971, declarou que: “eu fui a primeira militante que estava atuando a ser presa do nosso grupo. (...) Ele passou a ser torturado a partir do momento em que ele chegou. E eu fui tirada da sala de tortura para o Luis Eduardo Merlino entrar. (...) Todos os presos escutavam os gritos dele incessantemente, até sua retirada da Operação Bandeirantes, desacordado e colocado no porta-malas de um carro. Isso foi visto por mim no pátio do Presídio Bandeirantes, comandado pelo Major Ustra; colocado no porta-malas de um carro por quatro outros policiais da mesma equipe (...) desacordado. Parecia até já morto”. (depoimento de Leane Ferreira de Almeida na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 4).

 

Leane relata também que: “nesta cela tinha uma janela basculante e duas outras companheiras tiveram que me segurar porque a gritaria foi muito grande quando retiraram o corpo do Luiz Eduardo... (...) [Gritaria dos] policiais, porque aparentemente não seria possível salvá-lo. Enfim, eles fizeram um alarido muito grande e nós nos organizamos; as duas companheiras – eu era a menor das três – me seguraram e eu consegui chegar até a basculante pra ver o corpo dele sendo colocado no porta-malas de um carro, (...) vestido, inerte, totalmente vulnerável, por quatro homens comandados pelo Major Ustra”.  (depoimento de Leane Ferreira de Almeida na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 4).

 

Leane declarou na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo que: “Bom, eu tenho os fatos um pouco embaralhados, eu confesso que eu não posso garantir datas e nem fatos precisos, precisos, eu tenho flashes na minha cabeça destas coisas. Então, eu vi este corpo sendo colocado, o porta-malas foi fechado, a gritaria era grande, por isso a Ivone e a Lucia Coelho, a Ivone Serra e a Lucia Coelho me levantaram porque eu era a menor das três. Nós estávamos nessa cela e dava para ver o pátio. E foi nesse pátio que vi essa cena. [ao ser perguntada por Adriano Diogo quais eram os torturadores do dia] Então, os torturadores do dia eram o Ustra com certeza (...) o Gaeta, que a Ivone, a Ieda citou, Mangabeira, não é? (...)Bem, o que eu vi foi isto. Eles me colocaram neste outro prédio, numa outra ala, não é? Da OBAN de onde nós ouvíamos os gritos a noite. Ivone, eu e Lúcia ouvíamos os gritos mais a distância do que os companheiros que estavam na carceragem, mas ouvíamos os gritos ainda durante esta noite e depois então houve esta cena que a gente presenciou. Além disto eu não, já não sei mais o dia, se foi no mesmo dia ou no dia seguinte, eu vi alguém mencionou o Merlino sem óculos, não é? Eu vi os óculos do Merlino sobre uma mesa, foi aí que eu soube que era o Merlino que estava sendo torturado, porque quando eu vi os óculos dele, era uns óculos grossos como aparece em todas as fotos. Eu sabia que eram dele aqueles óculos, eu tinha contato com o Merlino antes das prisões, das nossas prisões antes de ele ir para a França e eu conhecia bem aqueles óculos, eu identifiquei. Eu parei, eu estava subindo para uma outra sala de interrogatório e eu parei quando vi os óculos, eu estaquei assim involuntariamente pelo susto, porque para mim ele estava na França. E eles perceberam a minha reação e eu já não sei mais qual foi dos torturadores que falou “sim, é ele mesmo que está aqui. Você está admirada, mas ele está aqui”. Então, obviamente eram dele. Aí eu identifiquei os gritos eram dele, ele então estava sendo preso naquele dia. Porque no dia, na noite, não, na manhã desse dia eles se dedicaram, a equipe estava toda basicamente comigo, não é? Porque o interrogatório era feito por várias pessoas a comando do Ustra, mas pelo menos uns cinco estavam comigo na cela e provavelmente interrogando você em outra, na sala, em outra sala, não é? Nós fomos presos juntos. Então, acho que seria mais ou menos isto”.

Eleonora Menicucci de Oliveira

Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Eleonora Menicucci de Oliveira, ex-presa política, também militante do POC, relata que: “(...) no momento da prisão do Luiz Eduardo da Rocha Merlino eu já estava presa. Numa madrugada eu fui chamada, retirada da cela e fui a uma sala chamada sala de tortura, onde tinha um pau-de-arara e a cadeira-do-dragão. Neste pau-de-arara estava o Luiz Eduardo da Rocha Merlino, nu, já com uma enorme ferida nas pernas, numa das pernas era maior. E eu fui torturada na cadeira-do-dragão. Neste momento eu vi o Luiz Eduardo Merlino, eu assisti à tortura, sendo torturada, e vi o Coronel Ustra entrar na sala e sair. (...) Esse machucado que vi foi gangrenando (...) a cela das mulheres era separada da dos homens. E o Luiz, por informações dadas pelos carcereiros, ele estava na cela forte junto com o Guido. E depois um silêncio absoluto, não se falava mais nele. E depois, novamente se falava que ele tinha falecido e, na realidade, ele não morreu, ele foi assassinado. Ele foi levado para o hospital, não sei dizer para a senhora qual era o hospital (...). E depois do silêncio, a informação de que ele tinha falecido por gangrena na perna”. (depoimento de Eleonora Menicucci de Oliveira na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 5).

 

Na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, Eleonora Menicucci declarou que: “Só queria reafirmar aqui a presença do Ustra [Carlos Alberto Brilhante Ustra] na sala de tortura, do ‘J.C.’ [Dirceu Gravina] e do ‘Ubirajara’ [Aparecido Laertes Calandra], que ora torturavam o ‘Nicolau’ [Luiz Eduardo Merlino] no pau-de-arara, ora a mim na cadeira do dragão. (...) o assassinato do ‘Nicolau’ tem responsáveis e estes responsáveis, diretamente responsáveis com a fúria e com a selvageria que caracterizava. Porque o Merlino, nem o nome dele abria, e estas três pessoas muito fortemente presentes no assassinato dele são absolutamente responsáveis pelo assassinato de Luiz Eduardo da Rocha Merlino."

(106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo).

Otacílio Guimarães Cecchini

Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013

 

Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9

 

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Otacílio Guimarães Cecchini, preso em 15 de julho de 1971, relatou que: “[ao ser questionado se conhecia Merlino antes, respondeu] não, conheci lá. Estava da primeira cela, com uma visão muito boa, fácil de ver quem entrava para o interrogatório. (...) Eu fiquei numa cela que dava uma visão ampla de tudo e vi fatos (...). Havia do meu lado uma cela forte, uma chapa de aço; havia nessa cela uma pessoa que fiquei sabendo depois que era o Guido (...). Saí dessa cela para receber uma pessoa que eu não sabia que era o Merlino (...). Na manhã do dia seguinte, que era um sábado, o carcereiro – eu chamava ele de Marechal – abriu a cela e reclamou que a cela estava suja. (...) Mas o ajudou a sair porque ele estava com dificuldade, pegou ele rápido, foi colocado numa mesa no corredor. (...) o Merlino, ele não tinha como se locomover. E a tentativa era fazer uma massagem na perna pra que ele pudesse andar e ter o mínimo de autonomia e voltar para a cela. É claro que isso não resolveu o problema. (...) Eu também vi – acho importante para o depoimento – foi no interrogatório a que eu estava submetido, na segunda-feira...(...). Mas no meu caso ele (Ustra) estava no interrogatório e era dele que partia a ordem se ia ser torturado ou não. As pessoas não tinham autonomia, passava por ele a decisão. Com um sinal ele decidia se ia ser torturado ou não, como foi no seu caso (...). Alguém abriu a porta – não lembro o nome – e chamou o comandante, dizendo que era do hospital, uma ligação do hospital, pedindo a presença da família para autorizar uma eventual amputação. (...) E ele sai da sala para tomar a decisão, já que a família não podia ser acionada”. (depoimento de Otacílio Guimarães Cecchini na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 6).

 

Otacílio Guimarães Cecchini na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo declarou que: “Bom, sou uma testemunha importante, não é? E enquanto eu viver, que isso fique presente em livros, depoimentos, eu fui a pessoa que, no meio do julgamento, foi citado lá, no meio de um julgamento, de uma tortura, de um inquérito sendo feito, o Merlino entra, me desculpe, o Ustra entra na sala. Estão perguntando sobre o Merlino, aqui e ali, o Ustra entra na sala, eu estou sendo interrogado, e ele de pé atrás e tal, ele era a pessoa que dava o sinal de ir para a tortura ou para não ir, enfim, ele é aquela história militar, ele é o comandante, ninguém fazia nada sem a ordem dele, beleza. Entra um militar, com traje de civis, ele entra e diz que havia um telefonema, se dirigindo ao Ustra, que tinha um telefonema do hospital, não fala qual hospital, que os médicos estavam pedindo contato com a família do Merlino. Pedindo contato porque haveria a necessidade de uma amputação. Houve uma chateação, todo mundo, e na minha frente ali, eu escutei e vi a reação dele. Bom, eu vejo isso e tal, me tiraram da sala, ou seja, havia uma solicitação do hospital que o paciente que ainda estava com vida ainda, porque isso é importante: ele sai com vida de lá, ele está no hospital, que raio de hospital? Pode ser as Clínicas que a gente sabe que na época havia essa cobertura, não é? E outros hospitais em São Paulo que faziam essa cobertura. Há um telefonema, isso eu sou testemunha desse fato que é importante, há então  a ligação entre um preso político torturado com princípio de gangrena, com a necessidade de amputação de uma perna e o Ustra recebe a informação. Eu, veja, eu não sei o nome da pessoa, nós não sabíamos, uma pessoa que depois de 40 anos, sim, era um jovem, um daqueles vários torturadores ou uma pessoa da equipe, e parecia mais uma pessoa da equipe porque tinha alguns que faziam campana, equipe, saíam e então não ficavam tão presentes ali. Eles não faziam interrogatório, mas era um daqueles, ou provavelmente as pessoas de Inteligência porque eles tinham uma retaguarda, essas pessoas que ficavam vendo, a Inteligência, é um desses funcionários da OBAN ali. Essa pessoa então fala, o Ustra, uma frustração, claro, ali e tal, e me tiram, "bom, desce com esse cara e tal" que iriam resolver o problema. O que se passou depois a gente imagina e as informações passam a ser coerentes. Quer dizer, de desleixo, falta de cuidado, porque se você quisesse, da mesma forma que houve a retirada do preso, chamem a família, no mínimo, depois de toda a barbárie, mas a covardia é imensa, a gente sabe disso, a covardia mesmo, a mais baixa de todas, não é? (...)”

 

Paulo de Tarso Vannuchi

Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013

Paulo de Tarso Vannuchi, preso em 18 de fevereiro de 1971, declarou que: “... e retornei ao DOI-Codi na Rua Tutóia no mês de julho. (...) Conheci o Merlino, que foi trazido para a porta da minha cela, no xadrez três. Rabisquei um croquis para a senhora (...) explicando onde foi a massagem, deitado numa escrivaninha, que um enfermeiro – conhecido como Boliviano – fez durante uma hora na minha frente. Pude conversar com o Merlino, eu era estudante de medicina e notei que ele tinha numa das pernas a cor da cianose, que é um sintoma de isquemia, risco de gangrena. E nos dias seguintes perguntei para carcereiros, sobretudo para um policial de nome Gabriel – negro atencioso – o que tinha acontecido com aquele moço e ele respondeu que ele tinha sido levado para o hospital. Nos dias seguintes vi essa versão ser repetida e tinha contato com o Major Tibiriçá, cheguei a perguntar sobre isso e ele nada me respondeu (...). E o semblante das respostas dos funcionários era que alguma coisa grave ali tinha acontecido. (...) Ele estava com muita dor, com uma voz muito fraca e se limitou a responder à pergunta: ‘Como você chama?’ – Ele respondeu: ‘Merlino’ – Eu não entendi, entendi que fosse Merlim, e ele acenou”. (depoimento de Paulo de Tarso Vannuchi na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 8).

 

Joel Rufino dos Santos

Merlino Presente – caderno de combate pela memória. Coletivo Merlino, junho/2013

 

Poder Judiciário, 20a Vara Cível Central, Processo 583.00.2010.175507-9

Joel Rufino dos Santos, preso no final de dezembro de 1972, amigo de Luiz Eduardo Merlino, relatou que: “principalmente um torturador, o Oberdan, ele me relatou como foi a tortura do Merlino. (...) Pela versão que me deu esse torturador, ele estava presente e comandou a tortura sobre o Merlino. E decidiu ao final se amputava ou não a perna do Merlino. A versão que recebi foi essa, que o Merlino, depois de muito torturado, foi levado ao hospital e de lá telefonam, se comunicam com o Comandante Ustra pra saber o que fazer. Ele disse para deixar morrer”. (depoimento de Joel Rufino dos Santos na publicação Merlino Presente! – Caderno de Combate pela Memória, p. 9).

 

Ivan Akselrud de Seixas

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Ivan Seixas, na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, realizada no dia 13 de dezembro de 2013, relatou que: “Eu tinha um pouco de controle de que as pessoas que estavam comigo estavam todas ali naquela carceragem. Imediatamente quando a gente chegou lá, eu acho que era umas 5 ou 6 horas da tarde, imediatamente a gente entrou naquela rotina infernal, macabra que era o DOI-CODI, gritaria e torturas. Muita tortura, e eles estavam enfurecidos, ensandecidos além do normal e a gente não entendia o que estava acontecendo, e aos poucos fomos sabendo que era o pessoal do POC que tinha sido capturado e que tinham conseguido alcançar alguém importante na estrutura do POC. E rapidamente, entre os presos tinha uma comunicação muito rápida, porque todos nós tínhamos que saber o que acontecia pra ver se não aconteceria com a gente, e veio um nome, o Nicolau, pegaram o Nicolau. Eu não sabia quem era o Nicolau, mas percebia que era uma pessoa que tinha importância na estrutura do POC, Partido Operário Comunista. A gritaria foi, primeiro a gritaria deles e depois os gritos de tortura que vinham da sala ao lado. Eu tinha sido colocado na cela X1, tinha a cela forte, tinha a X1 que era a primeira cela, depois X2 e X3 e do outro lado tinha 4, 5 e 6 que era a das mulheres, e um portão preto que tinha do lado da entrada da cela forte, do X0, abria o portão preto e tinha a sala de tortura que ficava ao lado da escada que subia para o andar superior. E ali a gente ouvia tudo, não era escondido, não tinha nenhum tipo de preocupação com os gritos serem ouvidos do lado de fora, a porta ficou aberta e a porta da sala de tortura estava aberta e a gente ouviu a noite inteira, a noite inteira as torturas por que passava o Nicolau. E era uma coisa terrível, porque para nós que passamos por tortura, nós sabíamos o que estava acontecendo, sabíamos o quanto de sofrimento estava sendo aplicado àquela pessoa que estava sendo torturada, fosse homem ou fosse mulher, e todos nós sofríamos duplamente, sofríamos como militantes, por ser um companheiro que estava sendo destruído e sofríamos como seres humanos, de ouvir aquelas sessões ininterruptas. E a gente ouviu a noite inteira, a madrugada inteira aquelas cenas, ouvindo aqueles gritos terríveis, gritos de perguntas e gritos de torturas, dava para ver que tinha muito choque, uma coisa muito furiosa. De manhãzinha, lá para umas 4 ou 5 horas da manhã, foi possível porque a cela onde eu estava era bem perto dessa porta preta, eu vi o Ustra comandando a retirada e a limpeza da cela de tortura, e ele dizia, “traz ele para cá, põe ele aqui, limpa lá o sangue, limpa lá essa porcaria, limpa isso, limpa aquilo”. E os torturadores, que tinham muito medo também do Ustra, iam rapidamente limpando tudo, e aí puseram, deu para perceber, deu para ver porque eu ficava de lado, puseram aquela pessoa, que era o Nicolau, na cela forte, eu não sei por quanto tempo porque em seguida, uma hora mais ou menos depois, nós todos fomos tirados dali e levados em um comboio enorme de torturadores para a base aérea de Campo de Marte, não é? E lá fomos embarcados em um avião C47 e levados para Porto Alegre onde ficamos um mês e pouco lá. Mas o tempo que a gente ficou ali no DOI-CODI, a gente pode ouvir as torturas, eu vi em alguns momentos, cansado de tanto torturar eu vi o JC passando, saiu para fumar e assim cansado, “vai dar trabalho, vai dar trabalho” e falava assim uma coisa muito eufórica e cansada, não é? Eu não vi os outros, mas esse eu vi, e essa cena terrível que foi o Ustra mandando limpar sangue, sujeira, que não sei o que era e dizendo, "tira ele daí e põe aqui", e aí puseram ele na cela forte. Depois disso a gente, lá no Sul a gente soube, através de uma visita do Raul Carrion, me lembrei agora, foi, inclusive, Deputado do PCdoB lá no Rio Grande do Sul, a família dele trouxe a notícia de que tinha sido assassinato em São Paulo um dirigente do POC, que teria sido atropelado, alguma coisa assim, a informação era muito confusa, e a gente deduziu que aquilo que nós presenciamos era aquela morte daquele companheiro que havia sido anunciada nos jornais”.

 

Ieda Akselrud de Seixas

Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 106ª Audiência pública sobre o caso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, realizada no dia 13/12/2013

 

Ieda Akselrud de Seixas relatou na 106ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo, que na manhã seguinte a noite que Merlino passou sendo torturado, ela ouviu do Lourival Gaeta: “O que vocês estão fazendo aí, porra?” Nós estamos aqui porque nos trouxeram, aí tiraram o Merlino da sala, ele estava no colo, e eu lembro de que me chamou a atenção porque o Merlino, pelo que parece, era muito míope, não é? Então ele fazia assim para enxergar, aí o cara chegou e disse assim, “Ele não está fazendo xixi” aí ele disse assim, “porra, mas esse cara é difícil, ele parece o Arrudão”, o Diógenes Arruda, o militante do PCzão “porque ele não fala, não tem jeito, ele não fala, o Arrudão, eu arrebentei meu relógio de tanto torturar ele e ele não falou, e esse cara está pensando que ele é quem? Ele não vai acabar bem, não.” Mas assim, a naturalidade, ele parado ali na porta, “pode deixar que eu já vou lá resolver isso porque hoje ele vai falar de qualquer jeito.” Esse é meu testemunho, ele vai até aí porque depois eu fui levada para o Sul”.

 

3. Depoimentos de agentes do Estado sobre o caso, prestados à CNV ou às comissões parceiras

Identificação do Depoente

[nome e qualificação]

Fonte

Informações relevantes para o caso

 

 

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusões: Luiz Eduardo da Rocha Merlino foi morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi do II Exército/SP, sendo necessário apurar as circunstâncias de sua prisão e responsabilizar os agentes envolvidos.

Recomendações: 1) a retificação do atestado de óbito de Luiz Eduardo da Rocha Merlino para que conste como causa da morte: “morto sob tortura nas dependências do DOI-Codi do II Exército/SP”. 

2) que realize investigações para o esclarecimento da verdadeira identidade de “Oberdan” (“Zé Bonitinho’’),  de “Marechal”,  “Boliviano” ou “enfermeiro da equipe C”, citados na cena de massagem inútil nas pernas gangrenadas de Merlino, e claramente implicados na tortura e na morte de Merlino;
 
3) que esclareça a composição da Equipe que estava de plantão na noite de 15 para 16 de julho de 1971, no DOI-CODI, quando Merlino foi torturado por “por cerca de 24 horas ininterruptas;”

4) que esclareça de quem são tanto a assinatura como a rubrica que constam dos dois documentos que confirmam a presença de Merlino no DOI-CODI), e a composição das citadas equipes nas datas, respectivamente, de 17 e 18 de julho (Equipe A) e 18 e 19 de julho de 1971 (Equipe B).

5) que esclareça junto ao Hospital Militar (da Área de São Paulo, no Cambuci) as circunstância de atendimento de Merlino entre os dias 16 (já que não se sabe em que data ele foi retirado do DOI-CODI) a 19 de julho de 1971, data de sua morte, quem eram os médicos de plantão, e convoque-os para prestar esclarecimentos. 

5) que seja apurada a responsabilidade de  Arnaldo Siqueira, diretor do Instituto Médico-Legal à época, e do então -delegado do DEOPS, Alcides Cintra Bueno Filho, responsáveis pela emissão da certidão de óbito.

6) que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiado político de Luiz Eduardo da Rocha Merlino pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra esse morto.

Partido Operário Comunista (POC) .

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