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INICIAL DO NOME:

JOÃO DOMINGUES DA SILVA

OCORRÊNCIA

morto em São Paulo no dia 23 de setembro de 1969

DADOS PESSOAIS
Filiação: Antônio José da Silva e Eliza Maria de Jesus
Data e local de nascimento: 02 de abril de 1949, em Sertanópolis (PR)
Profissão: Operário
Atuação política: Militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares)
Data e local da morte/desaparecimento: morto em São Paulo no dia 23 de setembro de 1969
Organização política: Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).

RELATO DO CASO

João Domingues da Silva nasceu em 2 de abril de 1949, no município de Sertanópolis (PR). Filho de Antônio José da Silva e Eliza Maria de Jesus, foi morto em 23 de setembro de 1969. Era militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).

Desde os 10 anos de idade, ajudava o pai no trabalho com o gado em Jataizinho (PR). Aos 12 já trabalhava no matadouro de Ibiporã (PR) e, aos 13, foi trabalhar em um açougue em Osasco (SP). Posteriormente, tornou-se operário e um dos líderes das paralisações e greves realizadas em Osasco, junto com seu irmão Roque Aparecido da Silva, entre junho e julho de 1968, as quais foram duramente reprimidas. Essas greves foram lideradas pelo Sindicato dos Metalúrgicos, cujo presidente era José Ibrahim, militante da VAR-Palmares.

Em 29 de julho de 1969, João Domingues estava em um carro, em companhia de Fernando Borges de Paula Ferreira (que era conhecido como Fernando Ruivo) quando foram emboscados por agentes do DEIC (Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil), no Largo da Banana, Bairro da Barra Funda, em São Paulo. A emboscada teria resultado no assassinato de Fernando. João Domingues, apesar de ferido, conseguiu escapar, indo para a casa de sua irmã, em Osasco, onde foi preso no mesmo dia.

Os agentes do DEIC transportaram João para o Hospital das Clínicas, onde recebeu assistência médica. Em 4 de agosto, foi submetido ao exame de corpo de delito (lesão corporal), assinado pelos médicos José Francisco de Faria e Abeylard de Queiroz Orsini, que descrevem um único ferimento por arma de fogo, na face anterior do hemitórax esquerdo e vários ferimentos cortocontusos na região occipital.

Mesmo correndo risco de vida, os agentes do DEIC o transportaram para o Hospital Geral do Exército, iniciando os interrogatórios e torturas que culminariam com sua morte em 23 de setembro.

Antenor Meyer, ex-preso político, contou que foi preso em 3 de setembro de 1969 e, após passar por cirurgia no Hospital das Clínicas, foi transferido para o Hospital Geral do Exército, ficando no mesmo quarto que João Domingues da Silva, que se encontrava muito mal de saúde. Segue trecho do relato de Antônio Meyer: “Durante os primeiros dias, ele ainda tinha forças para falar. As madres que davam atendimento aos doentes informaram-me dias antes do seu falecimento que ele não sobreviveria, pois o hospital não tinha recursos médicos suficientes para dar o tratamento que o estado clínico de João exigia. O atendimento se limitava à prescrição de soro e alimentos, como que aguardando o desenlace de João, que ocorreria alguns dias depois”.

Sua irmã, Iracema Maria dos Santos, relatou em depoimento: “João chegou em casa baleado. Estava ensangüentado e limpamos rápido o corpo e amarramos uma faixa para estancar o sangramento. Era apenas um buraco de bala no peito, um pouco abaixo do mamilo esquerdo. A bala não tinha chegado a atravessar o corpo, ficando parada nas costas. Sentimos que a casa estava sendo cercada por mais de 50 viaturas da polícia. Levaram-no para o Hospital das Clínicas. Alguns dias depois fiquei sabendo que o Exército o tinha seqüestrado. Fui várias vezes ao Hospital Geral do Exército e diziam que não estava lá. Depois de 33 dias que o tinham tirado de minha casa, foram ao meu serviço, dizendo que ele estava muito mal, que tinha passado por uma cirurgia e que ia ter que repetir, mas que precisavam da assinatura de alguém da família. (...) Quando entrei fui tomada de um pânico tão grande que eu nem acreditava (...) que aquele esqueleto humano que estava na minha frente era meu irmão”.

O laudo de necropsia inclui, além do ferimento descrito no exame de corpo de delito, cicatrizes cirúrgicas, escaras de decúbito na região sacra e mais um ferimento por projétil na região vertebral, terço inferior. Assinam o laudo os legistas Octávio D’Andrea e Orlando Brandão e apontam como causa mortis “colapso tóxico infeccioso”.

A evidência do assassinato fica constatada, portanto, ao comprovar-se que, ao ser retirado do Hospital das Clínicas, ainda com risco de vida, João apresentava apenas um ferimento produzido por arma de fogo, conseqüência da emboscada, o que foi devidamente atestado pelo exame de corpo de delito, enquanto o laudo necroscópico atesta diversas lesões graves posteriores.

João Domingues foi enterrado por seus familiares em Osasco, no cemitério Santo Antônio.

Segundo análise da relatora do caso na CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), Suzana Keniger Lisbôa, em seu parecer de 1996, no início de 1969 a repressão política ainda se articulava para compor o aparato organizado que viria a se formar na década de 1970. Por isso, ainda se preocuparam em buscar Iracema, irmã de João, para que ela testemunhasse que “cuidavam” do irmão. A relatora concluiu que, mais de 25 anos depois, os dados confrontados do laudo de exame de corpo de delito com o necroscópico atestam que João Domingues, preso com um ferimento no tórax, foi seqüestrado do Hospital das Clínicas, onde teria todo atendimento possível, e morreu em conseqüência de “ferimentos perfuro-contundentes no abdômen”.

Após os votos da relatora e do conselheiro Nilmário Miranda, favoráveis ao reconhecimento da responsabilidade do Estado, e do general Oswaldo Pereira Gomes, contrário, Luís Francisco Carvalho Filho pediu vistas ao caso.

Foi expedido ofício ao Hospital Geral do Exército em São Paulo, onde João esteve internado e morreu, o qual teve a seguinte resposta: “Não consta de prontuário, ou no livro de entrada e nem ficha de internação médica hospitalar do referido paciente, na data e período provável mencionado de sua entrada e mesmo durante esse ano”. Em resposta a similar indagação, o deputado Nilmário Miranda obteve pessoalmente a seguinte declaração da Divisão de Arquivo Médico do Hospital das Clínicas de São Paulo: “Consta nos Arquivos deste Hospital que o paciente João Domingues da Silva, registro 902.993, foi internado em 30.07.69, tendo obtido alta nesse mesmo dia. Causa alegada do local: Ferimento por arma de fogo. Diagnósticos: Ferimento de região abdominal por projétil de arma de fogo; ferimentos de estômago, fígado, diafragma e pulmão. Conduta: Tratamento clínico; em 30.07.69: Laparotomia exploradora, esplenectomia, sutura de estômago, fígado, diafragma e pulmão. Consta no resumo mecanizado de alta do paciente como médicos que o atenderam: Dr. Okumura, Dr. Fujimura, Dr. José Mário Reis e Dr. Medeiros (anestesista).”

Em resposta ao pedido da Comissão Especial, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo encaminhou cópia de documentos oriundos do antigo DOPS, que se encontram no Arquivo do Estado de São Paulo:

1. Cópia truncada de reportagem publicada em 31 de julho de 1969 pelo jornal “A Gazeta”, sob o título “Homens do bando da metralha estão caindo nas mãos da lei”. A reportagem confirma o depoimento da irmã, no sentido de que João foi preso em sua residência. Informa que ele estava internado no Hospital das Clínicas e que as investigações estavam em franco desenvolvimento.

2. Boletim de Ocorrência do 23º Distrito Policial, de 29 de julho de 1969, sobre o episódio que culminou com o ferimento sofrido pela vítima. Foi registrado por solicitação telefônica, às 23 horas. Os ocupantes do veículo, onde estariam João e outra pessoa, identificada como Sérgio Luiz Motta ou Humberto Turra, reagiram a tiros à abordagem policial. Sérgio ou Humberto foi morto no local. João, ferido, conseguiu fugir, mas foi detido posteriormente na cidade de Osasco. Informa, ainda, que três feridos foram socorridos no Hospital das Clínicas, não especificando se João era um deles.

3. No trecho do denominado Relatório Especial de Informações nº 23, do Quartel General do Exército em São Paulo, datado de 1º de agosto de 1969, poucos dias depois da prisão, há um capítulo dedicado a João Domingues da Silva. Conta como ele foi preso e submetido a leve interrogatório em face de seu estado de saúde. A importância da prisão está delineada no item cinco do mesmo documento: “A prisão de João Domingos [sic] da Silva permitiu o levantamento de mais uma base da VPR. Tal terrorista, convenientemente interrogado, quando seu estado de saúde permitir, poderá fornecer novos dados que conduzam à desarticulação de novas bases e a prisão de seus integrantes”.

Foram fornecidas, ainda, cópias da certidão de óbito, dando conta de que a requisição foi do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e não do Hospital, e de diversos outros documentos relacionados com a militância de João Domingues. Não foi encontrada na documentação nenhuma referência ao local exato do óbito, que se supõe ser o Hospital Central do Exército.

Foi solicitado também um parecer médico para se compreender melhor as diferentes lesões registradas no laudo de corpo de delito (exame realizado no Hospital das Clínicas, no dia de sua internação) e no laudo cadavérico do IML (Instituto Médico Legal), e suas eventuais incompatibilidades.

Foi possível recompor em parte a trajetória de João Domingues da Silva nos últimos dias de vida: vítima de tiroteio, em 29 de julho, no bairro da Barra Funda, São Paulo, ao ser baleado, fugiu. Foi para a casa da irmã, enfermeira, em Osasco, onde recebeu os primeiros cuidados e acabou sendo preso, no mesmo dia. Deu entrada no Hospital das Clínicas em 30 de julho e foi imediatamente submetido a exame de corpo de delito, constatando-se o “risco de vida” e uma “laparatomia exploratória”, cirurgia de grande extensão, com “sutura de estômago, fígado, diafragma e pulmão”. E, por incrível que pareça, em vez de ser levado para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), recebeu “alta”, no mesmo dia 30. A informação é de “alta médica” na data da cirurgia e não de transferência hospitalar.

Há uma nítida relação de causa e efeito entre a morte e o tratamento destinado à vítima pelos agentes do poder público. Foi retirado do hospital e levado para local ignorado. O objetivo era só um: obter informações capazes de desmantelar o “bando da metralha”, como dizia o jornal sensacionalista, ou a VPR [sic], como dizia o austero documento do comando militar, com a desarticulação de novas bases e a “prisão de seus integrantes”. Caso contrário, a vítima permaneceria internada no Hospital das Clínicas, ainda que sob vigilância policial. O interesse da repressão não poderia se sobrepor ao tratamento médico de que era merecedor, como qualquer pessoa operada. Estava sob a guarda de agentes do poder público e, vítima desse tratamento, morreu de morte não natural.

Luís Francisco Carvalho Filho apresentou o relatório de seu pedido de vistas favorável à aprovação do requerimento. O caso na CEMDP foi deferido por 6 votos a favor e 1 contrário, o do general Oswaldo Pereira Gomes, em 9 de fevereiro de 1998.

João Domingues foi anistiado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

A Comissão Estadual da Verdade do Estado de São Paulo realizou a 72ª audiência pública sobre o caso, no dia 12/09/2013 (ver transcrição em anexo - 003-72audiencia-CVESP-12-9-2013-joao-domingues-da-silva).

 

Fontes investigadas:

Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE.  Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 72ª audiência pública sobre o caso de João Domingues da Silva, realizada no dia 12/09/2013.

 

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

Exército

Aurélio de Lira Tavares

Ministro do Exército

Prisão, tortura e homicídio

Morto

Comandava o exército no ano da morte de João Domingues (1969), sendo, portanto, responsável pela tortura e morte sofridas pelo mesmo, nas dependências do Hospital Geral do Exército. O relato de Antenor Meyer, que estava internado no referido hospital, no mesmo quarto que João Domingues, atesta que a guarda dos presos era feita por soldados e policiais da OBAN (Operação Bandeirantes) - (anexo 001-dossie-CEMDP-joao-domingos-da-silva.pdf, p. 12)

OBAN (Operação Bandeirantes)

Waldyr Coelho

Comandante da OBAN

Prisão, tortura e homicídio

??

Comandava a Operação Bandeirantes no ano de 1969, ano da morte de João Domingues. Segundo relato de Antenor Meyer, que estava internado no referido hospital no mesmo quarto que João Domingues, a guarda dos presos era feita por soldados e policiais da OBAN

DEIC

 

 

Prisão, tortura e homicídio

 

Segundo relato de Iracema, irmã de João Domingues, policiais do DEIC efetuaram a prisão do mesmo, em sua residência, na cidade de Osasco. Também foram policiais do DEIC que efetuaram o disparo de arma de fogo, na emboscada feita conta João, no Largo da Banana, na Barra Funda, São Paulo.  Ainda, foram policiais do DEIC que transportaram João Domingues para o Hospital Geral do Exército, mesmo havendo risco de vida do mesmo. (dossiê p. 144) 

Hospital das Clínicas de São Paulo

Dr. Okumura

Médico

Homicídio

??

Coautoria no crime de homicídio, pois foi um dos médicos que assinou a alta de João Domingues, no mesmo dia que deu entrada no Hospital das Clínicas, com ferimento de bala, apesar de risco de morte do paciente.

Hospital das Clínicas de São Paulo

Dr. Fujimura

Médico

Homicídio

??

Coautoria no crime de homicídio, pois foi um dos médicos que assinou a alta de João Domingues, no mesmo dia que deu entrada no Hospital das Clínicas, com ferimento de bala, apesar de risco de morte do paciente.

Hospital das Clínicas de São Paulo

Dr. José Mário Reis

Médico

Homicídio

??

Coautoria no crime de homicídio, pois foi um dos médicos que assinou a alta de João Domingues, no mesmo dia que deu entrada no Hospital das Clínicas, com ferimento de bala, apesar de risco de morte do paciente.

Hospital das Clínicas de São Paulo

Dr. Medeiros

Médico anestesista

Homicídio

??

Coautoria no crime de homicídio, pois foi um dos médicos que assinou a alta de João Domingues, no mesmo dia que deu entrada no Hospital das Clínicas, com ferimento de bala, apesar de risco de morte do paciente.

 

 

FONTES DA INVESTIGAÇÃO

1. Documentação principal

 

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Dossiê da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Documento encaminhado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

001-dossie-CEMDP-joao-domingos-da-silva.pdf e 001-dossie-CEMDP-joao-dominguess-da-silvap2.pdf

 

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

 

Documento

 

fonte

Observação

Anexo

Requisição e exame necroscópico

Arquivo IEVE

 

002-requisicao-e-laudo-necroscopico-joao-dominguess-da-silva151.pdf

 

 

3. Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

 

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

fonte com referências

Antenor Meyer

Estava internado no mesmo quarto que João Domingues no Hospital Geral do Exército

Informou que durante os primeiros dias, João Domingues ainda tinha forças para falar. As madres que davam atendimento aos doentes informaram  dias antes do seu falecimento que ele não sobreviveria, pois o hospital não tinha recursos médicos suficientes para dar o tratamento que o estado clínico de João exigia. O atendimento se limitava à prescrição de soro e alimentos, como que aguardando o desenlace de João, que ocorreria alguns dias depois. Afirmou, ainda, que no hospital a guarda era feito por policiais da OBAN e por soldados do exército.

Dossiê p. 144 e anexo 001-dossie-CEMDP-joao-domingos-da-silva.pdf, p. 12

Iracema Maria dos Santos

irmã

Testemunhou a prisão do irmão em sua residência na cidade de Osasco, por agentes do DEIC, bem como que o mesmo tinha apenas um ferimento decorrente de tiro de arma de fogo

Dossiê p. 144 e anexo 001-dossie-CEMDP-joao-domingos-da-silva.pdf, p. 27

 

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

 

Nome

Órgão / Função

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: João Domingues da Silva foi morto sob tortura por agentes do Estado, conforme restou comprovado pela análise das informações contraditórias entre o laudo do exame de corpo de delito feito no Hospital das Clínicas e o laudo do exame necroscópico depois de morto no Hospital Geral do Exército.

Recomendações: Apuração das circunstancias da prisão, torturas e assassinato de João Domingues da Silva e responsabilização dos agentes públicos envolvidos. Retificação do Atestado de Óbito, a fim de que conste o real motivo da sua morte.

Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).

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