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INICIAL DO NOME:

MANOEL JOSÉ NURCHIS

OCORRÊNCIA

30 de setembro de 1972 no Araguaia

DADOS PESSOAIS
Filiação: José Francisco Nurchis e Rosalina de Carvalho Nurchis.
Data e local de nascimento: 19 de dezembro de 1940, em São Paulo (SP)
Profissão: Operário
Atuação política: Militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Integrante do Destacamento B das Forças Guerrilheiras do Araguaia
Data e local da morte/desaparecimento: 30 de setembro de 1972 no Araguaia
Organização política: Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Arquivos

RELATO DO CASO

Manoel era natural de São Paulo, onde trabalhava como operário. Foi preso por motivos políticos em junho de 1963. Em razão da perseguição política após o golpe de 1964, foi forçado a deixar seu trabalho na fábrica para viver clandestinamente na região do rio Araguaia, passando a integrar o movimento guerrilheiro organizado pelo PCdoB. Residiu na região do rio Gameleira, onde se estabeleceu o Destacamento B da guerrilha.

Desapareceu após um confronto, quando o grupo comandado por João Carlos Haas Sobrinho foi atacado na região de Caianos.

No Relatório Arroyo, escrito pelo dirigente do PCdoB Ângelo Arroyo, que escapou ao cerco militar à região em 1974, a morte de Ciro Flávio Salazar Oliveira, João Carlos Haas Sobrinho e Manoel José Nurchis é narrada pelos sobreviventes ao ataque:

“Ouviu-se uma rajada. Juca [João Carlos] e Flávio [Ciro Flávio] caíram mortos. Raul [Antônio Teodoro de Castro] foi ferido no braço, escapando juntamente com Walk [Walkíria Afonso Costa]. Gil [Manoel José] ainda se aproximou de Juca tentando reanimá-lo. Ocorreram novos disparos. Depois não se soube mais de Gil. Deve ter morrido. Raul e Walk, que não conheciam bem a região, vagaram durante dois meses pela mata até que se encontraram novamente com os companheiros do destacamento B. [30/9/72]”

O relatório apresentado pelo Ministério da Marinha, em 1993, registra que “Manuel foi preso em jun/63, quando distribuía panfletos subversivos em São Paulo. Em out./72, membro do PCdoB, morto em combate em Xambioá”. O Relatório do Ministério do Exército, do mesmo ano, acrescenta: “Militante do PCdoB, utilizando-se dos codinomes Gil, Gilberto e Guilherme, tendo também realizado o curso de guerrilha na Escola Militar de Pequim/China”.

O informe denominado “Ações mais Importantes Realizadas pelas Peças de Manobra”, do Relatório da Manobra Araguaia, produzido em 30 de outubro de 1972 e assinado pelo comandante da 3ª Brigada de Infantaria, general Bandeira, onde consta um balanço da II Campanha de combate à guerrilha, traz:

“Da FT 6º BC – ação de patrulhamento, em 30 Set 72, executada no R dos Crente, por 1 GC, teve como resultado a morte dos seguintes terroristas: João Carlos Haas Sobrinho ‘Juca’ (membro da Comissão Militar), Ciro Flávio Salazar de Oliveira ‘Flávio’ (Dst B – Grupo Castanhal do Alexandre), José Manoel Nurchis ‘Gil’ (China Com) – Dst B – Grupo Castanhal do Alexandre)”.

O Relatório da Operação Sucuri, de maio de 1974, também confirma suas mortes.

Dower Cavalcanti, um dos militantes presos no Araguaia em 1972, testemunhou que foi requisitado pelo general Bandeira para identificar alguns guerrilheiros mortos. Como os corpos já estavam em decomposição, a identificação foi realizada através de fotografias ampliadas. Eram João Carlos Haas, Ciro Flávio, José Toledo, Chaves e Nurchis. O general comentou nunca ter visto um homem tão macho como Nurchis, que enfrentou pára-quedistas em um combate que durou duas horas, só morrendo após receber o 12º tiro de metralhadora.

O livro Operação Araguaia, de Taís Morais e Eumano Silva registra sobre Nurchis: “Morou na região da Gameleira. Agitado, falante e namorador, tornou-se exemplar cumpridor de tarefas do partido. Orgulhava-se do tempo em que morava em São Paulo e se destacava como um dos melhores vendedores do ‘Classe Operária’, principal jornal do PCdoB. Em setembro de 1972, fez parte de um grupo de cinco guerrilheiros encarregados pela Comissão Militar de retomar contato com o Destacamento C. Os combatentes comunistas encontraram várias patrulhas militares. Em um dos confrontos, no último dia do mês, morreu junto com Juca e Flávio. Sua morte foi registrada na Operação Papagaio em 30/9/72”.

Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pela desaparição de 62 pessoas na região do Araguaia no caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) VS. Brasil, dentre elas está Manoel. A sentença obriga o Estado Brasileiro a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas.

Seu nome consta na lista de desaparecidos políticos do anexo I, da lei 9.140/95 e na CEMDP, seu caso foi protocolado com o número 122/96.

Fontes investigadas: 

Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE; Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 31ª audiência pública sobre os casos dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia, nascidos em São Paulo ou que tiveram atuação política principalmente nesse Estado: Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, Gilberto Olimpio Maria, Miguel Pereira dos Santos, Manoel José Nurchis, Orlando Momente, Silon da Cunha Brum, Pedro Alexandrino de Oliveira Filho, Jaime Petit da Silva, Lucio Petit da Silva, realizada no dia 12/04/2013; Mata! O Major Curió e as Guerrilhas do Araguaia/ Leonencio Nossa -1ªed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2012; Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha/ Taís Morais e Eumano Silva. Geração, 5ª.edição, outubro de 2012.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

 

Nome

 

Função

Conduta

Vivo/data do óbito

Observações

PRESIDENCIA DA REPUBLICA FEDERATICA DO BRASIL 1974-1979

ERNESTO GEISEL

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Responsável pela adoção de uma política de extermínio das Forças Guerrilheiras do Araguaia

Morto

“Antes de tomar posse, em 16 de fevereiro de 1974, [Ernesto] Geisel chamou o general Dale Coutinho para uma conversa. Velhos amigos, falaram de política e de combate à subversão. O jornalista Elio Gaspari, em A Ditadura Derrotada, reproduz o dialogo: “Ah, o negocio melhorou muito. Agora, melhorou, aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar. Começamos a matar” - afirmou Coutinho. “Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá pra fora (…) Ô Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”, respondeu Geisel. […] Ao concordar com o método de eliminação de adversário sugerido pelo general, o futuro presidente autorizou a linha-dura a continuar o extermínio. No mesmo encontro, Geisel convida Dale Coutinho para substituir o irmão Orlando no Ministério do Exército.” Informação consta no livro Operação Araguaia (p. 492)

III EXÉRCITO

Antônio Bandeira

General da 3ª Divisão de Infantaria

Assassinato e ocultação do cadáver

Morto

O informe denominado “Ações mais Importantes Realizadas pelas Peças de Manobra”, do Relatório da Manobra Araguaia, produzido em 30 de outubro de 1972 e assinado pelo comandante da 3ª Brigada de Infantaria, general Bandeira, onde consta um balanço da II Campanha de combate à guerrilha, traz:

“Da FT 6º BC – ação de patrulhamento, em 30 Set 72, executada no R dos Crente, por 1 GC, teve como resultado a morte dos seguintes terroristas: João Carlos Haas Sobrinho ‘Juca’ (membro da Comissão Militar), Ciro Flávio Salazar de Oliveira ‘Flávio’ (Dst B – Grupo Castanhal do Alexandre), José Manoel Nurchis ‘Gil’ (China Com) – Dst B – Grupo Castanhal do Alexandre)”. Informação consta no Dossiê Ditadura p. 380

CENTRO DE INFORMAÇÃO DO EXÉRCITO (CIE) 1969-1974

Milton Tavares de Souza

General e diretor do Centro de

Informações do Exército

Desaparição forçada dos guerrilheiros e guerrilheiras no Araguaia

Morto

“Miltinho era o general Milton Tavares de Souza, também conhecido como “Caveirinha”. Foi diretor do Centro de

Informações do Exército enquanto Orlando Geisel era Ministro do Exército, durante o governo Médici. Nessa função, foi

responsável pela política de eliminação física dos inimigos do regime. Foi ainda responsável em 1969 pela organização

dos DOI-CODI em todo o Brasil e das operações Bandeirantes e Marajoara, que prepararam o terreno para os

desmantelamento da Guerrilha do Araguaia” Informação consta no depoimento dado pelo coronel do Exército Paulo Malhães a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro publicado dia 30/05/2014 (p.54).

Gabinete Militar 1974-1979

Hugo de Andrade Abreu

Chefe Gabinete militar de 1974-1979 e Comandante da Brigada Pára-Quedista

Desaparição forçada dos guerrilheiros e guerrilheiras no Araguaia

Morto

A reunião, confirmada pelo coronel Sebastião “Curió” Rodrigues, do Centro de Informações do Exército (CIE), mudou a postura do governo. A partir do final de 1973, não restariam mais sobreviventes nas guerrilhas. Transferido para a direção da Polícia Federal, Bandeira foi substituído no Araguaia pelo general Hugo Abreu, da Brigada de Pára-quedistas. O general Milton Tavares, chefe do CIE, comandava as ações de extermínio. A missão ficou dividida entre os três ministros militares e a orientação era não deixar rastros. O CIE encarregou-se do Araguaia e dos militantes caçados pelos órgãos de repressão do Cone Sul. Com Geisel no poder (1974-1979), um grupo do DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo deveria exterminar os sobreviventes do PCdoB e o Comitê Central do PCB.” Informação consta na matéria “A Ordem é matar” da Revista ISTOÉ de 24/03/2004

COMANDO MILITAR DO PLANALTO

OLAVO VIANNA MOOG

General de divisão e comandante do Comando Militar do Planato

Uso de bombas napalm contra as Forças Guerrilheiras do Araguaia

 

“ [...]o Relatório de Apoio Aéreo, produzido também em novembro de 1972 pelo tenente-coronel Flarys Guedes Henriques de Araújo, após ratificar que o Comando Militar do Planalto coordenou tais operações, expressamente admitiu, tudo em documentação secreta, que: 'As missões pretendidas pelo CMP aqui mencionadas no item 1 foram executadas no decorrer das operações; há a acrescentar àquele repertório o bombardeio de três áreas com bombas napalm e de emprego geral'. (fl 02, desse Relatório).” informação consta no relatório “Araguaia I” produzido por Claudio Fonteles para a Comissão Nacional da Verdade (p.8)

ESTADO-MAIOR DAS FORÇAS ARMADAS

ALVRO DE SOUZA PINHEIRO

Coronel de infantaria, atuava como oficial de ligação do Exécito Brasileiro junto ao Centro de Armas Combinadas e à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército dos EUA. Atualmente é General de Brigada (reserva)

Utilização de bombas napalm contra as Forças Guerrilheiras do Araguaia

 

Informação consta no anexo 003.

DOCUMENTOS CONSULTADOS

1. Documentação principal

Identificação do documento

 

Órgão da repressão

 

Observações

Anexo

Dossiê para Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)

 

Documento encaminhado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos por Maristella Nurchis, irmã de Manoel José Nurchis, no dia 09/02/1996

001-dossie_cemdp.pdf

Artigo escrito pelo general da brigada na reserva, Álvaro de Souza Pinheiro, para a série "Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro" (publicado originalmente na: Military Review 1º Trim 95 Ed Português)

Estado-Maior das Forças Aramadas

Informações sobre o uso de bombas napalm durante a Guerrilha do Araguaia “Concepção equivocada nos níveis operacional e tático. O planejamento e a condução das operações inicialmente desencadeadas no "Bico do Papagaio" partiram do pressuposto que as ações de contra-guerrilha a serem executadas seriam aquelas que normalmente são desencadeadas contra forças já no estágio de Exército de Libertação Nacional, to tipo "martelobigorna", "pistão-cilindro", etc. Uma das primeiras operações efetuadas na área foi uma ação de vasculhamento na única serra existente na região, a serra das Andorinhas, que se caracterizava por não ter cobertura vegetal. Após ser bombardeada com napalm pela Força Aérea, a serra foi objeto de uma vigorosa ação de cerco e busca efetuada por um grande efetivo. E o resultado foi nulo porque os guerrilheiros nunca lá estiveram. Por outro lado, no terreno de selva, as patrulhas se deslocavam com um efetivo de pelotão, 35 a 40 homens, pelas trilhas, enquanto os grupos da guerrilha se deslocavam através selva, com um efetivo de 5 a no máximo 10 elementos. Dessa forma as ações iniciais se mostraram extremamente ineficazes.”

003-artigo_cel_alvaro_napalm.pdf

Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 31ª audiência pública sobre os casos dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia.

 

 

004-audiencia_comissão_sp.pdf

“Ações mais Importantes Realizadas pelas Peças de Manobra”, do Relatório da Manobra Araguaia, produzido em 30 de outubro de 1972 e assinado pelo comandante da 3ª Brigada de Infantaria, general Bandeira, onde consta um balanço da II Campanha de combate à guerrilha

 

“Da FT 6º BC – ação de patrulhamento, em 30 Set 72, executada no R dos Crente, por 1 GC, teve como resultado a morte dos seguintes terroristas: João Carlos Haas Sobrinho ‘Juca’ (membro da Comissão Militar), Ciro Flávio Salazar de Oliveira ‘Flávio’ (Dst B – Grupo Castanhal do Alexandre), José Manoel Nurchis ‘Gil’ (China Com) – Dst B – Grupo Castanhal do Alexandre)”

005-manobra_araguaia_gen_bandeira.pdf

Comissão Nacional da Verdade

 

Cadeia de Comando Guerrilha do Araguaia

006-cadeia_comando_araguaia.pdf

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

Fonte

Observações

Anexo

Ficha dados físicos Manoel José Nurchis

Dossiê para Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)

 

002-dossie_cemdp_ficha_dados_ físicos.pdf

  1. Testemunhos sobre a prisão, morte/desaparecimento

Nome

Relação com o morto / desaparecido

Informação

Fonte

ÂNGELO ARROYO

Dirigente do Partido Comunista do Brasil

“Ouviu-se uma rajada. Juca [João Carlos] e Flávio [Ciro Flávio] caíram mortos. Raul [Antônio Teodoro de Castro] foi ferido no braço, escapando juntamente com Walk [Walkíria Afonso Costa]. Gil [Manoel José] ainda se aproximou de Juca tentando reanimá-lo. Ocorreram novos disparos. Depois não se soube mais de Gil. Deve ter morrido. Raul e Walk, que não conheciam bem a região, vagaram durante dois meses pela mata até que se encontraram novamente com os companheiros do destacamento B. [30/9/72]”

 

Relatório Arroyo (1974)

DOWER CAVALCANTE

Militante do Partido Comunista do Brasil. Integrante das Forças Guerrilheiras do Araguaia.

Dower Cavalcanti (já morto há alguns anos), um dos militantes presos no Araguaia em 1972 que foram poupados, testemunhou que foi requisitado pelo general Bandeira para identificar alguns guerrilheiros mortos. Como os corpos já estavam em decomposição, a identificação foi realizada através de fotografias ampliadas. Eram João Carlos Haas, Ciro Flávio, José Toledo, Chaves e Nurchis. O general comentou nunca ter visto um homem tão macho como Nurchis, que enfrentou pára-quedistas em um combate que durou duas horas, só morrendo após receber o 12º tiro de metralhadora.

Informação consta nas conclusões da CEMDP p. 216.

 

  1. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão/Função

Informação

Fonte

PAULO MALHÃES

Coronel do Exército e agente do Centro de

Inteligência do Exército (CIE)

 

“a participação durante a Guerrilha do Araguaia, como repórter infiltrado da Presidência, na região, e a posterior atuação na Operação Limpeza que desenterrou e lançou no Rio Araguaia os  restos mortais dos guerrilheiros. Para [Paulo] Malhães era ‘apenas um trabalho científico, adquirido em cursos de aperfeiçoamento’. Em suas próprias  palavras: ‘Quando o troço virou guerra, guerra mesmo, é que as coisas mudaram. Porque a gente também foi aprender fora, alguma coisa. Aí os perfis das prisões daqui mudaram; a forma de contato com os presos mudaram;  surgiu a necessidade de aparelhos; porque -isso foi uma grande lição que eu aprendi - o que causa maior pavor, não é você matar a pessoa. É você fazer  ela desaparecer. O destino fica incerto. O seu destino como... fica incerto. O que aconteceu, o que irá acontecer comigo? Eu vou morrer? Não vou morrer? Entendeu? O pavor é muito maior com o desaparecimento do que com a morte. Já quando você desaparece - isso é ensinamento estrangeiro – quando você  desaparece, você causa um impacto muito mais violento no grupo. Cadê o fulano? Não sei, ninguém viu, ninguém sabe. Como? O cara sumiu como?” (p. 2) e “Malhães: ‘Quando nós chegamos, eles nos chamavam de a Força. Não tinha  nome porque não sabiam se era Exército, Marinha, Aeronáutica’

CEV-RJ: ‘Os moradores ou os guerrilheiros?’

Malhães: ‘Os moradores. Chegou a Força. Então víamos quem era o  campeiro, perguntávamos se o campeiro queria trabalhar, pagava ao campeiro,

ele era remunerado, é logico, e ele passava a trabalhar em uma destas zebras. E foi o que acabou com eles lá. CEV-RJ:

‘Os senhores montaram quantas zebras?’ Malhães:

‘Ah, era variável à beça..’. CEV-RJ:

‘Mas, apesar do lugar, a técnica é muito similar com o que o senhor já  vinha acumulando com conhecimento, mapeamento?’ Malhães: ‘Mas, ali era procurar o guerrilheiro, não queria saber quem era. Se ali passava guerrilheiro, nós íamos pegar o guerrilheiro ali.

CEV-RJ: ‘Mas, este apoio local, o senhor acha que isto foi uma boa tática que  vocês usaram?’

Malhães: ‘Foi a melhor coisa que nós descobrimos na vida para guerrear no  mato. Você conheceu a selva amazônica, você sabe que o dia vai clarear às 10hs da manhã, se clarear um pouquinho, vai escurecer antes das quatro da tarde, aquelas árvores gigantescas fecham. Você anda de lama até aqui...né?

Se você andou no meio do mato’

CEV-RJ: ‘Andei lá, tudo.’

Malhães: ‘Você sabe que anda de lama de folha. Não é lama de terra, é lama das folhas que caem, apodrecem e faz uma lama. Então, é difícil. A guerrilha, tanto é que o americano perdeu na guerrilha. Perdeu porque o americano, como perde em tudo quanto é país que ele ocupa, ele erra em um principio básico e aí.. porque ele quer fazer daquele lugar que ele ocupa o mesmo estilo de vida que o americano tem nos Estados Unidos. Ele jamais vai conseguir convencer aquela população a aceitar aquele estilo de vida. Então foi o grande erro deles..’

CEV-RJ: ‘O senhor não ficou muito tempo lá, não é?’

Malhães: ‘Não, eu ia de vez em quando.’ CEV-RJ:

‘Já no final, meados de 70?’

Malhães:

‘Depois da passagem das tropas. Logo depois vieram as zebras. Aí eu já estava começando as zebras. Porque o general Bandeira, que era o comandante da região, no caso, comandante de guerra da região, era também meu chapa. Porque tudo é amizade que você vai fazendo. Vão gostando do seu trabalho, o cara passa admirar você, embora seja coronel, seja general..’

CEV-RJ: ‘E foram lhe dando espaço?’

Malhães: ‘... então, ele passa a acreditar no seu trabalho. Então, o general Bandeira era muito meu amigo, era amigo do Curió...

CEV-RJ: ‘O senhor tinha relação boa com o Curió também?’

Malhães: ‘Tinha. Eu sacaneava muito o Curió. Brincava muito com ele. Por que o Curió era muito fantasioso. Não sei se ainda é. Ele era muito fantasioso. Ele fazia grandiosidade de bobo. Quando a gente ia ver na realidade, não era nada daquilo. Eu sacaneava muito ele, brincava muito com ele. Mas ele era trabalhador” (p.14)

 

Depoimento dado a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro publicado dia 30/05/2014.

OBS: Em anexo cópias de todos os documentos reunidos pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Manoel José Nurchis é considerado desaparecido político, por não ter sido entregue os restos mortais aos seus familiares, não permitindo o seu sepultamento até os dias de hoje. Conforme o exposto no parágrafo 103 da Sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros: “adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subseqüente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade (...)”. 

No parágrafo 110 do mesmo documento é mencionado que: “(...) pode-se concluir que os atos que constituem o desaparecimento forçado têm caráter permanente e que suas consequências acarretam uma pluriofensividade aos direitos das pessoas reconhecidos na Convenção Americana, enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever correlato de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis, conforme as obrigações decorrentes da Convenção Americana” (Sentença da Corte Interamericana, p. 38 e 41, publicação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo).

Recomendações: Investigação das circunstâncias da prisão, morte e desaparecimento de Manoel José Nurchis, localização dos seus restos mortais e responsabilização dos agentes da repressão envolvidos no caso, conforme sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que obriga o Estado Brasileiro “a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas”; Retificação e indicação da causa mortis no atestado de óbito; que o Brasil realize um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e de pedido oficial de desculpas pelas graves violações de direitos humanos perpetradas contra as vítimas do presente caso, especificamente, pela denegação de justiça, como regulamenta o parágrafo 275 da Sentença da Corte Interamericana.

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