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INICIAL DO NOME:

MANOEL LISBOA DE MOURA

OCORRÊNCIA

4 de setembro de 1973, no DOI-Codi do IV Exército em Recife (PE)

DADOS PESSOAIS
Filiação: Augusto de Moura Castro e Iracilda Lisboa de Moura
Data e local de nascimento: 21 de fevereiro de 1944, em Maceió (AL)
Profissão: Estudante de medicina-UFAL
Atuação política: Militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR)
Data e local da morte/desaparecimento: 4 de setembro de 1973, no DOI-Codi do IV Exército em Recife (PE)
Organização política: Partido Comunista Revolucionário (PCR).

Arquivos

RELATO DO CASO

Nasceu em Maceió (AL), em 21 de fevereiro de 1944, filho de Augusto de Moura Castro e Iracilda Lisboa de Moura. Morto em 4 de setembro de 1973. Militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR).

Iniciou suas atividades políticas participando do movimento estudantil secundarista, no antigo Colégio Liceu Alagoano. Integrou a União Estadual dos Estudantes Secundários de Alagoas (UESA). Participou ainda do Movimento de Cultura Popular do estado com encenação de peças teatrais nas praças. Manoel pertenceu à Juventude Comunista de Alagoas e foi militante do Partido Comunista Brasileiro e do Partido Comunista do Brasil antes de fundar o Partido Comunista Revolucionário.

À época do golpe militar de 1964, era estudante do 1º ano de Medicina na Universidade Federal de Alagoas. Instaurada a ditadura, sua casa foi invadida por agentes da polícia armados, que queriam prendê-lo. Manoel conseguiu fugir para Recife (PE) e de lá para o Rio de Janeiro, onde morou por mais ou menos um ano. Voltou em 1965 e se entregou às autoridades policiais, permanecendo preso por 45 dias, quando foi torturado. Foi libertado, mas as perseguições continuaram. Em setembro de 1966, após ser condenado, passou a viver na clandestinidade, editando o jornal A Luta, no qual denunciava os crimes da ditadura. Preso pela segunda vez, no Recife, na Praça Ian Fleming, foi levado ao DOI-CODI do IV Exército, onde foi visto durante dez dias, aproximadamente, até ser transferido para São Paulo.

Edival Nunes da Silva Cajá, dirigente do PCR, que militou com Manoel Lisboa, prestou depoimento na Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo realizada em 06 de setembro de 2013, e afirma que Manoel foi trazido para São Paulo já morto, para justificar a farsa envolvendo o também dirigente do PCR, Emmanuel Bezerra, sequestrado pela “Operação Condor” quando voltava da Argentina, e entregue ao DOI-CODI de São Paulo, onde foi barbaramente torturado até morte, por ter se recusado a dar qualquer informação sobre o PCR e seus camaradas.

Manoel Lisboa de Moura foi preso em 16 de agosto de 1973 por agentes do DOI-CODI do IV Exército, o Recife, conforme documento encontrado nos arquivos do DOPS/SP intitulado “Relatório Periódico de Informação (RPI 09/73)”, do II Exército. Segundo o documento, Emmanuel Bezerra dos Santos foi preso nessa mesma ocasião.
O relatório do Inquérito Policial 49/73, encontrado no DOPS/SP, traz a versão oficial:

“No dia 4 de setembro do corrente ano, policiais da Segurança Interna em diligência para prisão de agentes subversivos, deparou [sic] com Emanoel [sic] Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa de Moura, pertencentes ao Partido Comunista Revolucionário – PCR, ocasião em que deram voz de prisão, mas houve reação dos subversivos, os quais resistiram fazendo disparos contra os policiais, e após tiroteio entre os subversivos e os policiais, Emanoel Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa de Moura receberam ferimentos que causaram suas mortes quando tentavam socorrê-los”. Esta versão foi divulgada no jornal Diário de Pernambuco de 5 de setembro de 1973.

De acordo com um panfleto anônimo provavelmente de 1973, anexado ao caso de Manoel na CEMDP, e registrado em cartório, temos: “No início de agosto, Emmanuel Bezerra dos Santos […] foi sequestrado por agentes policiais, em condições ainda desconhecidas. […] No dia 16 de agosto de 1973, foi sequestrado por um bando de agentes policiais, nas imediações da FECIM, Manoel Lisboa de Moura […]”. As fotos do Instituto Médico Legal mostram um corte no lábio inferior de Emmanuel, certamente produzido pelas torturas, que os legistas Harry Shibata e Armando Canger Rodrigues afirmaram ser conseqüência de um tiro.

Segundo denúncia de Selma Bandeira Mendes, companheira de Manoel Lisboa, e de outros presos políticos, ele foi torturado pela equipe do agente policial conhecido como Luiz Miranda. Removido para São Paulo, continuou sendo torturado pelo delegado Sérgio P. Fleury e por Miranda, até morrer em 4 de setembro de 1973. Apresentava marcas de queimaduras por todo o corpo e estava quase paralítico.

José Nivaldo Júnior afirmou na audiência realizada em 06 de setembro de 2013 pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo que: “[quando estava preso no DOI-Codi de Recife em um retorno de uma sessão de tortura] numa dessas, num desses retornos de sessões de verificação, não de tortura, mas vindo da sala de tortura para a cela, não sei precisar o dia, o algoz que me conduzia, encapuzado, porque todo mundo andava de capuz, num determinado momento tirou o meu capuz e meio que girou minha cabeça para a direita. Foi aí que eu vi Manoel Lisboa, nesse único momento. Foi uma cena tão brutal, que eu confesso, e não tenho medo de confessar, que durante muitos anos eu me recusei a achar que tinha visto aquilo. Digo com lágrimas nos olhos. Aquilo não é possível, eu não vi, não era realidade. É uma coisa terrível, porque um ser humano não pode se encontrar, já vi boi fatiado, já vi fatiar bode, eu sou do interior, já vi matar porco, mas um ser humano não pode estar numa situação daquelas. Deformado da cabeça aos pés. Eu vi, de relance. Sequer, tenho certeza, hoje eu tenho pela reminiscência, mas na hora não fiquei com certeza se ele estava tentando se arrastar ou sendo arrastado, mas era uma cela. Ele estava tentando se arrastar. Uma visão de relance, não durou mais que esse tempo, para ver que ele estava absolutamente retalhado. Não posso falar de ossos quebrados, mas posso falar de pés absolutamente descarnados, mãos absolutamente descarnadas, rosto absolutamente deformado, ventre aberto. Não posso precisar em que profundidade. O ventre estava aberto, deu para ver perfeitamente nesse relance. Então, uma pessoa, não sei precisar o dia, mas foi entre o fim de agosto e o começo de setembro, provavelmente 1973, completa 40 anos esta semana, no dia 04 completou 40 anos da morte. Então, foi entre o dia 29 e o dia 04. Eu não posso precisar o dia porque não estava contando os dias. Aliás, ter ideia, no DOI-Codi do Recife do que era dia e noite. (...) Aí eu vi Manoel Lisboa porque o algoz fez questão que eu visse. Tirou o meu capuz para eu ver, única e exclusivamente. Passou, botou o capuz de novo e fui embora. (...) Dentro de uma cela, deitado, em posição de lado. Como vi a barriga aberta? Ele meio que buscava, foi um relance. (...) Um corte na barriga. Os pés, deu para ver que ele não conseguiria pisar, porque ele estava com os pés para cima, numa posição irrepetível. Eu, se fosse artista, tentaria, passaria o resto da minha vida tentando pintar aquela posição. (...) [ele estava] Sem roupa, totalmente. (...) [jogado no chão] Cimento batido da cela. E por isso que ele procurava aquela posição. Eu nunca vi um ser humano numa posição daquelas, buscando dali, o rosto arrastando no chão, o braço tentando escorar. Eu vi as mãos descarnadas, e os pés levantados, e a barriga e o rosto absolutamente desfigurado. (...) Era um corte grande. Era um corte que, naquele momento, não posso dizer que expunha vísceras, mas que era capaz. O corte em si. Além do mais, uma figura ensanguentada, coberto de sangue. Isso que eu percebi foi muito, quer dizer, tudo isso num segundo, dois segundos, que o cara evidentemente tirou para eu ver, fez questão que eu visse, como se dissesse: "está vendo aí, filho da mãe, o que a gente faz?" Ou, enfim, um recado, dando um recado para que eu visse a situação em que se encontrava o meu líder, o meu chefe, meu amigo, enfim. E posso dizer, Presidente, que aquele ser humano não tinha a menor condição de ficar em pé, quanto mais de participar, de calçar sapato. É uma brincadeira imaginar isso, apertar um cinturão para segurar uma calça. É uma brincadeira de mau gosto, segurar um revólver ou uma carteira ou qualquer coisa com aquelas mãos. É impossível. Não posso dizer que tivesse osso quebrado, não sei, mas as condições físicas não permitiam sequer que ele ficasse em pé, quanto mais que participasse de tiroteio. E estava agonizante. Eu não posso garantir que ele faleceu no Recife. Não posso garantir, eu. Alguns companheiros, companheiras, ouviram os gritos e as ameaças finais, e a sentença final de um torturador que disse: "desse, vocês não vão ter mais nunca". "Desse que se foi, vocês não vão ter mais nunca". Eu estou dando o meu testemunho, e meu testemunho é que aquele ser humano, no início do mês de setembro, não tinha condições de ficar em pé, de se deslocar, de exercer qualquer atividade normal, nenhuma condição. Portanto, é absolutamente impossível que ele tenha participado de qualquer atividade, muito menos uma atividade militar, que levasse a tiros e mortes. Posso dar um testemunho complementar importante. Manoel Lisboa conhecia muito da minha vida. Nenhuma informação que ele sabia de mim chegou aos conhecimentos dos órgãos de repressão. Nenhuma. Nada que ele soubesse que outros não soubessem. Nada dessas viagens foi mencionado. Nada foi mencionado. Nada da frequência, às vezes ele ia lá em casa descansar um pouco, ou fazer um lanche no fim de tarde, no começo da noite, nada disso foi mencionado. Meu endereço não constava. Eles me localizaram via Faculdade de Direito. Aí localizaram a minha casa, mas não via partido. Quer dizer, o comportamento de Manoel Lisboa, ele cumpriu à risca o que ele dizia: delação é traição”.

Dois meses depois desses assassinatos, o delegado Sérgio P. Fleury entregou ao torturador Luiz Miranda os presos políticos militantes da Ação Popular (AP), José Carlos Novaes da Mata Machado, preso em São Paulo, e Gildo Macedo Lacerda, em Salvador, e assassinados no Recife, em outubro de 1973.

Os dois militantes do PCR foram enterrados como indigentes no Cemitério de Campo Grande, em São Paulo. As requisições de necropsia feitas pelo DOPS/SP têm o T de “terrorista”, manuscrito em vermelho, marca utilizada pelos órgãos de segurança de São Paulo para identificar os dissidentes políticos assassinados.

No caso de Manoel, há uma carta do seu irmão, capitão do Exército Carlos Cavalcante, dirigida ao major Maciel, em 7 de setembro de 1973, reiterando solicitação feita pessoalmente no QG do II Exército, para que identificasse o número da Guia do IML que correspondia à sepultura do irmão, uma vez que no Cemitério de Campo Grande havia duas guias, 5.205/73 e 5.206/73, relativas a dois “terroristas”, ambas com os mesmos dizeres: indivíduo de cor branca, 25 anos presumíveis, com nome “desconhecido” e indicando como causa mortis anemia aguda por hemorragia interna e externa traumática atestada pelos médicos Harry Shibata e Armando Canger Rodrigues. Reclamava ainda a devolução dos pertences do irmão.

O irmão de Manoel tentou resgatar o corpo que, embora tivesse sido enterrado como indigente, poderia ser exumado, desde que a família se comprometesse a não abrir o caixão que seria entregue lacrado, o que a família se recusou a aceitar, por não poder ter nem ao menos a certeza de que, no caixão lacrado, estivesse realmente seu corpo.

Segundo o documento citado, RPI 09/73, do II Exército, que trata das mortes de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, consta que Manoel havia sido preso no Recife, em agosto de 1973, e posteriormente transferido para São Paulo, porque em 4 de setembro de 1973 teria um encontro no Largo de Moema com outro companheiro do PCR, “Manoel” Bezerra, que havia chegado do exterior. No local do encontro, os agentes dos órgãos de segurança teriam mantido Manoel Lisboa sob custódia, quando deram voz de prisão a Emmanuel Bezerra, que teria reagido a tiros e, depois do intenso tiroteio, os dois “[…] receberam ferimentos que causaram suas mortes quando [policiais] tentavam socorrê-los”.

O relatório do Ministério da Aeronáutica encaminhado ao ministro da Justiça Maurício Corrêa, em 1993, afirma que: “Emmanoel foi morto no dia 4 de setembro de 1973, em confronto com agentes dos órgãos de segurança em Moema (SP). Mesmas circunstâncias da morte de Manoel Lisboa de Moura”. 

Cláudio Guerra afirma no livro “Memórias de uma guerra suja” que: “Emanuel Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa de Moura foram presos em Recife, Pernambuco, no dia 16 de agosto de 1973, e torturados no DOPS daquele estado durante vários dias. O policial que os prendeu e foi acusado de tortura, Luís Miranda, transferiu-os para o DOPS/SP, aos cuidados do delegado Sérgio Fleury, onde continuaram sendo torturados, segundo relatos confusos da época. (...) A versão dos órgãos de segurança é a de que Emanuel, assim como Manoel, teriam morrido em tiroteio com a polícia no Largo de Moema, em São Paulo, no dia 4 de setembro de 1973. Nesse suposto tiroteio, um teria matado o outro. Os dois foram enterrados como indigentes no Cemitério de Campo Grande, em São Paulo”. (Memórias de uma Guerra Suja, p. 211-213). 

Edival Nunes da Silva Cajá, durante a audiência na Comissão Rubens Paiva afirmou: “Manoel Lisboa foi sequestrado no dia 16 de agosto de 1973 na praça Ian Fleming, no bairro Rosarinho - Recife, quando prestava assistência política a uma operária da fábrica Torre, militante do PCR; foi arrastado e brutalmente espancado ainda em praça pública, atirado no assoalho de uma Caminhoneta, do tipo Veraneio, onde foi amarrado a uma máquina de choque elétrico enquanto era conduzido para o DOI-CODI do IV Exército localizado na praça 13 de Maio, ao lado da Faculdade de Direito do Recife no centro da cidade. Ali, padeceu bestiais torturas e a sua execução final, e, já morto, foi trazido para São Paulo. Lá em Recife no DOI-CODI, ele foi visto em estado de putrefação, paralítico das pernas, inteiramente dilacerado e com a fisionomia desfigurada. José Nivaldo Júnior, aqui presente, Maria do Carmo, Moisés Domingos e Juàrez Gomes o viram neste estado terminal. Pela natureza dos ferimentos e sangramentos presenciados por testemunhos de seus próprios camaradas, afirmo, sem medo de errar, que  Manoel Lisboa de Moura foi torturado e assassinado no DOI-CODI do IV Exército, em Recife, e trazido morto para São Paulo numa operação de despistamento dos familiares, dos militantes do seu partido e amigos, e, ao mesmo tempo, com o fim de caluniar, macular a impoluta e heróica resistência destes dois impávidos comunistas revolucionários (Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra) e, ainda, tentar livrar os carrascos do IV Exército da identificação e responsabilização judicial e penal por este crime imprescritível. Porém, foi longo e cruel o martírio de Manoel no IV Exército: choque elétrico, queimaduras com vela, cigarro, charuto, pau-de-arara, cadeira do dragão, espancamento com palmatória da planta dos pés à face, empalamento e, cerca de,  05 tiros intercalados com interrogatórios, como parte do terror a que foi submetido, com o objetivo de levá-lo ao desespero e, assim, obter alguma confissão em troca da sua vida. Foi a última tentativa, depois de o terem submetido ao “soro da verdade” e a uma longa sessão com uma psicóloga trazida de São Paulo para convencê-lo a negociar “nem que seja uma informação secundária para lhe permitir “salvar a sua vida”. “E da nossa parte, me comprometo com o tratamento médico necessário para recuperação da sua saúde e certamente virá uma anistia quando você, sendo o líder que é, poderá se dedicar a fazer a revolução que você tanto deseja; entretanto, se você não sobreviver  nada poderá fazer”. Como nada Manoel lhe informou, então, ela lhe deixou na cela papel e lápis para que, no caso de Manoel mudar de opinião, “escrever os termos do acordo”. Um dos meus carcereiros me informou que ele escreveu “um texto espantoso”, como se fosse um tratado defendendo o socialismo e acusando o Estado capitalista como responsável pelos crimes da fome e das torturas e assassinatos políticos como aquele que estava acabando de lhe tirar a vida. 

Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra não tinham nenhum encontro marcado em São Paulo, e sim, em Recife, para o dia 15 de setembro. Seria o primeiro encontro após o retorno de Emmanuel Bezerra da viagem ao Chile e Argentina. Entretanto, no dia 05 de setembro, os jornais estampavam nas suas capas a notícia do “tiroteio” e morte de Manoel Lisboa e Emmanuel, no largo da Vila Moema (SP). Foi um cínico e vergonhoso “teatro” de quinta categoria montado pelos seus assassinos do II e IV Exército e do DOPS de São Paulo e de Pernambuco, responsáveis diretos pelo sequestro, tortura, morte, falsos atestado de óbito, pelo “tiroteio”, anúncio na TV Globo, jornais e o cemitério onde enterrá-los como desconhecidos. 

Um dia depois de noticiada em horário nobre, desesperados, chegaram a São Paulo a mãe de Manoel, dona Iracilda Lisboa de Moura e Carlos Cavalcanti, então capitão do Exército e irmão de Manoel Lisboa de Moura e percorreram todos os restaurantes, cafés e lojas do entorno do Largo da Vila Moema, perguntando sobre o tal tiroteio do dia  04 (só haviam se passado dois dias) e todos foram unânimes em responder que não houve nenhum tiroteio, que apenas viram a notícia na TV e jornais. Porém, tinham a certeza de que “não houve tiroteio nenhum aqui”. 

A certeza da impunidade era tamanha que nem sequer uma simulação com balas de festim no local eles fizeram. Então o capitão Carlos Cavalcanti, acompanhado de dona Iracilda, foi até a sede do II Exército, com uma carta na mão solicitando informações verdadeiras sobre Manoel Lisboa e pelo menos a devolução do seu corpo. "Você poderá perder a farda se insistir na procura deste perigoso terrorista. "Pois, que perca, eu quero meu irmão, ele é meu sangue, nós não acreditamos no que está dito nos jornais. Estou aqui, com a minha mãe, que não para de chorar e sofrer, por terem tirado a vida do seu filho e ainda lhe negarem o direito natural de lhe dar uma sepultura digna no jazigo da nossa família em Maceió". (...) Então, montar a farsa da Vila Moema em São Paulo, desviava a atenção da família e dos amigos e companheiros de partido, além da distância, do necessário deslocamento, teria a estadia , os custos de hospedagem, o desconhecimento para qualquer diligência, arranjar um advogado um médico, etc. Então, dificultava ao partido, dificultava à família. Há um documento do irmão de Manoel Lisboa, dirigindo-se ao II Exército, para que lhe fosse dado as informações e o paradeiro do seu irão. Deram-lhes indicações imprecisas, duvidosas, a ele e à sua mãe sobre uma cova no Cemitério de Campo Grande. Indicaram lhes uma cova como sendo de Manoel e de seu amigo. Dona Iracilda comprou dois ramalhetes de flores e um papelão onde escreveu o nome de Manoel Lisboa e fotografou as flores ao lado do seu nome e também pediu para que a fotografasse ao lado desta cova com as flores e o nome de Manoel. Estas fotos ainda se encontram no acervo do Centro Cultural Manoel Lisboa em Recife. Fizeram este registro fotográfico, mas não tinham certeza se era, de fato, aquele o local exato onde estariam repousando o seu filho e seu companheiro. 
A cova exata e seus restais só foram, com exatidão, localizados pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.  Certamente, um dia, a história fará justiça a eles, e seus nomes constarão no panteão dos heróis da pátria.

No caso (137/96) de Manoel Lisboa de Moura, a relatora na CEMDP, Maria Eunice Paiva, votou pelo acolhimento do pedido, registrando que os órgãos oficiais conheciam a identidade de Manoel, e que, mesmo assim, ele foi enterrado como indigente, em caixão lacrado, e em sepultura que não podia ser identificada pela família. Na opinião da relatora, isso fazia deduzir que a morte por causas não naturais estava relacionada com a tortura, mesmo não atestada no exame do IML. O caso foi aprovado por unanimidade em 18 de março de 1996.

Os restos mortais de Manoel Lisboa de Moura foram exumados e trasladados para Maceió em maio de 2003, pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, após ato público em sua homenagem na sede da Prefeitura Municipal, em São Paulo. Em sua homenagem, a cidade de Maceió deu o nome de Manoel a uma de suas ruas no Loteamento Parque dos Eucaliptos. No Recife, ele é nome do Centro Cultural Manoel Lisboa de Moura.

Segundo depoimento de Maria Amélia de Almeida Teles na audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo acerca do momento de exumação do cadáver de Manoel no Cemitério de Campo Grande: “Aí que você vê que eles não foram presos em São Paulo, porque o Manoel tinha aquela sandalinha, a sandalinha do nordestino, aquela famosa, de couro. E lá está falando que eles eram nordestinos. Olha, essa sandalinha tem a ver. Porque aquilo que envolve aquele esqueleto conta muita história para a gente, dá muita informação. Aí nós falamos: "poxa, esse aí veio do Nordeste? Será que trouxeram para cá? Veio? Não sei. Porque ele tinha a sandalinha". Depois, vejo ele (José Nivaldo) contando que ele nem tinha condições de ficar em pé, ou seja, eles montaram a farsa, puseram até a sandalinha”. 

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo fez a 70ª audiência pública sobre o caso no dia 06 de setembro de 2013. (ver transcrição em anexo)

Fontes investigadas: 

Conclusões da CEMDP (Direito à Memória e à Verdade); Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE; GUERRA, Cláudio. Memórias de uma Guerra Suja. Depoimento a Marcelo Netto e Rogério Medeiros. Rio de Janeiro: Topbooks Editora, 2012; Vala Clandestina de Perus: desaparecidos políticos, um capítulo não encerrado da história brasileira. 1ª edição. São Paulo: Instituto Macuco, 2012. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 70ª audiência pública sobre o caso de Emmanuel Bezerra dos Santos, realizada no dia 06/09/2013.

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

DOPS/PE

Luis Miranda

Agente policial

Prisão, tortura, assassinato

Morto

Dossiê, p. 460

DOPS/SP

Sérgio Paranhos Fleury

Delegado

Prisão, tortura, assassinato, ocultação de cadáver

Morto

Dossiê, p. 460

IML/SP

Harry Shibata

Médico legista

Falsificação do laudo necroscópico

Vivo

Dossiê, p. 460

IML/SP

Armando Canger Rodrigues

Médico legista

Falsificação do laudo necroscópico

 

Dossiê, p. 460

IML/SP

Jair Romeu

Funcionário público do IML - SP

Falso testemunho

 

Certidão de óbito de Manoel Lisboa (documento anexo)

DOPS/SP

Edsel Magnotti

Delegado

Falso testemunho

 

Relatório do Inquérito Policial Militar (documento anexo)

 

 

 

 

 

 

DOCUMENTOS CONSULTADOS

  1. Documentação principal

 

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Dossiê para a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Documento encaminhado à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos por Iracilda Lisboa de Moura em 29/01/1996

003-dossie-cemdp.pdf

Certidão de Nascimento de Manoel Lisboa de Moura

 

 

003-dossie-cemdp.pdf (página 8 do anexo)

Certidão de Óbito de Manoel Lisboa de Moura

 

Segundo o documento o atestado de óbito foi firmado por Harry Shibata que deu como causa de morte “hemorragia interna por ferimento de projétil de arma de fogo” – sepultado no Cemitério de Campo Grande e teve como declarante Jair Romeu

003-dossie-cemdp.pdf (página 9 do anexo)

Documento RPI nº 09/73 do II Exército

DOPS/SP

Relata a morte em tiroteio de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos que teriam falecido quando transportados para o Hospital das Clínicas.

Relata ainda que segundo Manoel, Bezerra teria ido ao exterior encontrar-se com Ricardo Zaratini Filho, a quem teria convidado para retornar ao Brasil, mas que esse recusou alegando risco dado a eficiência dos órgãos de segurança.

O documento enumera algumas ações em nome do PCR no nordeste

003-dossie-cemdp.pdf (páginas 15 e 16 do anexo)

Cópia do Telex S/n 1900 - 040973

Secretaria de Segurança Pública

O telex é assinado por Roberto Groba dirigido ao governador de Pernambuco Eraldo Gueiros Leite datado de 04/09/1973 – informa que no bairro da Moema a polícia prendeu Emanuel Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa de Moura, que seriam os principais culpados pelo atentado ocorrido em 1966 no aeroporto do Guararape, visando o general Costa e Silva.

003-dossie-cemdp.pdf (página 17 do anexo)

Relatório – Inquérito Policial nº 49/73

DOPS/SP

Relata que no dia 04 de setembro de 1973 policiais em diligência para prisão de agentes subversivos se deparou com Emanoel Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa, pertencentes ao Partido Comunista Revolucionário, ocasião em que deram voz de prisão, mas houve reação dos subversivos, os quais resistiram fazendo disparos contra os policiais, e após tiroteio entre os subversivos e os policiais, Emanoel Bezerra dos Santos e Manoel Lisboa de Moura receberam ferimentos que causaram suas mortes quando tentavam socorrê-los.

O documento relata ainda ações em que os militantes estariam envolvidos, informa sobre documentos que foram apreendidos com os militantes, testemunhas e declarações que foram ouvidas, informa sobre a juntada de documentos.

O documento é datado de 03 de dezembro de 1973, assinado pelo delegado Edsel Magnotti.

003-dossie-cemdp.pdf (páginas 18 e 19 do anexo)

Carta de Carlos Cavalcante (irmão de Manoel Lisboa de Moura) endereçada ao Major Maciel

 

Solicita esclarecimento de qual guia do IML se refere ao seu irmão Manoel Lisboa de Moura, visto que nas duas consta a mesma descrição, para que ele possa efetuar a correta identifi-cação dos restos mortais.

003-dossie-cemdp.pdf (página 33 do anexo)

Reportagens sobre a morte de Manoel Lisboa de Moura

 

 

002-reportagens.pdf

 

 

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

 

Documento

Fonte

Observação

Anexo

Foto morto

 Arquivo do IEVE/SP – Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

001-foto-morto.pdf

 

Relatório da morte de Manoel Lisboa de Moura

Dossiê para a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

 

003-dossie-cemdp.pdf (páginas 12 e 13 do anexo)

Requisição de exame necroscópico

 IML/SP

 Histórico do caso: “segundo consta, trata-se de elemento terrorista, que veio a falecer ao travar tiroteio com os agentes dos órgãos de segurança nacional” – falecido no dia 04 de setembro de 1973 no Largo de Moema – entrada no necrotério às 11h do dia 04/09 – causa mortis: hemorragia interna por ferimento de projétil de fogo. Médico legista: Harry Shibata

Cemitério: Campo Grande

No documento consta um “T” marcado.

003-dossie-cemdp.pdf (páginas 22 e 23 do anexo)

Laudo de exame de corpo de delito – exame necroscópico

 IML/SP

 Assinado por Harry Shibata e Armando Canger Rodrigues, datado de 18/09/1973 – causa mortis: ferimento por projétil de arma de fogo, ocasionando ferimentos transfixantes do coração, pulmão direito e fígado, com hemorragia interna subseqüente.

003-dossie-cemdp.pdf (páginas 24-31 do anexo)

 

 

 

 

 

 

 

 

3. Testemunhos sobre a prisão, morte/desaparecimento

 

Nome

Relação com o morto / desaparecido

Informação

Fonte

José Nivaldo Júnior

Ex-preso político

Afirma ter visto Manoel Lisboa de Moura todo machucado em virtude da tortura dentro de uma cela no DOI-Codi de Recife.

70ª Audiência da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo

 

 

 

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

 

Nome

Órgão / Função

Informação

Fonte com referências

 

 

 

 

OBS: Em anexo cópias de todos os documentos reunidos pela Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Manoel Lisboa de Moura foi morto sob tortura em dependências policiais e/ou assemelhadas, tendo sido reconhecido por meio da Lei 9.140/95. Foi enterrado como indigente no Cemitério de Campo Grande, em São Paulo, sendo que em maio de 2003 seus restos mortais foram exumados, identificados e sepultados no jazigo familiar.

Recomendações: Retificação do atestado de óbito de Manoel Lisboa de Moura; apuração das responsabilidades dos agentes citados e demais envolvidos; que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiado político de Manoel Lisboa de Moura, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra esse militante.

Partido Comunista Revolucionário (PCR).

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