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INICIAL DO NOME:

FELICIANO EUGÊNIO NETO

OCORRÊNCIA

29 de setembro de 1976 em São Paulo

DADOS PESSOAIS
Filiação: José Eugênio e Marcolina e Souza Machado
Data e local de nascimento: 11 de maio de 1920, em Dom Silvério (MG)
Profissão: Metalúrgico
Atuação política: Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Data e local da morte/desaparecimento: 29 de setembro de 1976 em São Paulo
Organização política: Partido Comunista Brasileiro (PCB).

RELATO DO CASO

Feliciano nasceu em 11 de maio de 1920, em Dom Silvério (MG). Filho de José Eugênio e Marcolina de Souza Machado, era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Foi morto em 29 de setembro de 1976, em São Paulo. Era casado e tinha três filhos.

De acordo com seu próprio depoimento, registrado em 25 de outubro de 1975 pela Turma de Interrogatório Preliminar B do DOI-CODI/SP, Feliciano iniciou sua militância no PCB em 1945, em Volta Redonda (RJ), onde era trabalhador da Companhia Siderúrgica Nacional. Foi demitido em 1949 e nesse ano, na cidade de Rio de Janeiro, foi detido por quatro dias, por portar 50 exemplares do jornal “Classe Operária”, mas não foi processado.

No início de 1950, mudou-se para Niterói (RJ), onde atuou no PCB até 1958, com Maurício Grabois (desaparecido em 25 de dezembro de 1973) e Carlos Nicolau Danielli (assassinado em 30 de dezembro de 1972).

Em 1955, participou do Movimento Nacional Popular Trabalhista (MNPT) de apoio à candidatura de Juscelino Kubitschek à presidência da República e em 1958 retornou a Volta Redonda e trabalhou no Sindicato da Construção Civil até 1962. Nesse ano, foi eleito vereador para o mandato que se iniciou no ano seguinte. Após o golpe de 1964, seu mandato foi cassado e ele mudou-se logo depois para São Bernardo do Campo (SP), onde conseguiu emprego em uma fábrica de pedras para isqueiro e levava vida legal.

Em 1967, mudou-se para Campo Grande (hoje Mato Grosso do Sul), quando passou a trabalhar para o partido. Lá viveu até 1970.

A partir de 1971, teve a tarefa de distribuir o jornal “Voz Operária” em São Paulo e no interior do estado, a qual executou até sua prisão, em 2 de outubro de 1975.

O advogado Mário de Passos Simas relatou sua prisão no livro “Gritos de Justiça”, de 1986, publicado pela editora FTD: “Na manhã do dia 16 de outubro de 1975, recebemos o telefonema de uma jovem, V.N.E., que em prantos dizia precisar de nossos serviços em benefício de seu pai, Feliciano Eugênio Neto, preso no DOI-CODI–II. Pedimos-lhe que nos procurasse no início da tarde daquele mesmo dia, munida de uma carta-procuração, da qual constasse como se dera a prisão de seu genitor, o que já nos facilitaria em muito a tarefa. Eis o teor da missiva:

‘Dr. Mário Simas A presente tem por fim dar conhecimento a V. Sa. que no dia 2 do corrente, aproximadamente às 16 horas, em nossa residência, em São Caetano do Sul (SP), foi efetuada a detenção de nosso pai, o Sr. Feliciano Eugênio Neto, pela Polícia Federal, isto na presença de nossa mãe, que se acha enferma, impossibilitada até de andar. Não obstante a detenção de nosso pai, outros elementos permaneceram em nossa residência, aguardando que nós chegássemos, e, por volta dos 30 minutos do dia 3, fomos igualmente detidos e levados ao quartel do II Exército, no Ibirapuera. Lá, pudemos nos certificar da presença de nosso pai no local e notamos que estava sofrendo maus-tratos, tanto assim que gemia constantemente. Fomos interrogados por volta aproximadamente das 7 horas, a fim de que informássemos sobre as atividades políticas de nosso pai, que, segundo os interrogantes, era comunista militante. Por volta das 9 ou 10 horas da manhã do dia 3, fomos dispensados e a partir daí não mais tivemos qualquer notícia do paradeiro de nosso pai, e, por essa razão, diante dessa situação aflitiva para nossa família, vimos pedir o obséquio de seus préstimos, a fim de conseguirmos a sua libertação.

Agradecidos pela sua atenção a este caso, subscrevemo-nos atenciosamente. V.N.E. e L.C.N.E.’

Repetia-se a cena; daí por que, mais uma vez, diante da omissão da autoridade, participamos o fato ao Juízo competente, requerendo fosse oficiado com urgência ao Gen. Comandante do II Exército, para que esclarecesse se o preso estava ou não indiciado em inquérito policial militar; em caso positivo, quem o presidia e, mais, que fosse determinada a quebra da incomunicabilidade.

Ao nosso requerimento, a Justiça manteve-se silente.

Voltamos à carga, reiterando o pedido e acrescentando que, no silêncio da autoridade, que agia abusivamente, fosse o preso requisitado a comparecer à sede do Juízo, para que ali se desse a indispensável entrevista entre advogado e cliente. Decorridos 2 ou 3 dias, o oficial de Justiça, Sr. Alfredo (...) telefonou-nos pela manhã, dizendo que o nosso pedido fora aceito e que poderíamos conversar com o preso “quando bem entendêssemos”. Propusemos-lhe que a entrevista acontecesse naquela tarde, ao que ele nos disse ser impossível, pedindo-nos que passássemos pela Auditoria no dia seguinte pelas 10 horas. No horário fixado, o meirinho deu-nos um ofício assinado pelo juiz-auditor, endereçado ao Gen. Chefe do Estado-Maior do II Exército, e nos orientou a procurar a 2ª Seção no Quartel-General, no Ibirapuera. (…) Escoltado por dois soldados, armados de metralhadoras, entrou no recinto um homem baixo, magro, moreno, aparentando 60 anos, rosto encovado e enrugado; puxava uma das pernas e lacrimejava de uma vista. (...) – Àquela altura, pela cena presenciada e por ter ouvido toda aquela lengalenga, Feliciano Eugênio Neto não tinha dúvida de que éramos a sua Defesa. No fundo, as provocações acabaram por facilitar as coisas, uma vez que, incomunicável fazia muito tempo, o nosso constituinte, por motivos explicáveis e admissíveis, desconfiava de tudo e de todos. Pedíamos a Feliciano que nada adiantasse a respeito das incriminações que lhe eram feitas, porque, para discutir tal assunto, teríamos muito tempo e melhores condições ambientais. Queríamos saber, sim, se ele havia sido torturado e em que circunstâncias tinha sido preso. Absorto diante da colocação que fizéramos, ele se pôs a chorar. Demos por finda a entrevista.

Ao abrirmos a porta da sala, o tenente veio como uma bala ao nosso encontro e, após determinar à escolta que levasse Feliciano de volta ao DOI-CODI-II, exibiu-nos um papel, contendo declaração a ser assinada por nós, no sentido de que por 15 minutos havíamos nos entrevistado com o preso. Por ser verdadeira, subscrevemos a declaração. Foi a partir de tal fato que concluímos ter sido gravada toda a conversa mantida com o cliente, porque o oficial, ao trazer a declaração, fixara com exatidão o tempo que levara a entrevista.

(...) Em março de 1976, requeremos ao Juízo fosse dispensada imprescindível assistência médica ao nosso cliente, de natureza oftalmológica, porque, em decorrência dos maus-tratos sofridos na fase investigatória, tinha ele sofrido ferimentos na órbita ocular e danificado um olho de vidro. Decorrido um mês, seus companheiros de prisão faziam chegar ao Juízo um documento exigindo a real e concreta dispensa de cuidados médicos a Feliciano.

Em maio do mesmo ano, Feliciano foi retirado da cela e, sem qualquer aviso, levado à presença de duas pessoas que se diziam da Polícia Federal. Na sala do vice-diretor do Presídio do Hipódromo, sob ameaças de voltar ao DOI-CODI-II, foi interrogado a respeito dos mesmos fatos que motivaram o processo a que respondia perante a 2ª Auditoria do Exército. Tudo, tudo mesmo era participado ao Juízo e a Defesa reclamava se pusesse cobro àquela perseguição; mas, em verdade, nenhuma providência era adotada.

Feliciano, debilitado, quebrado externa e internamente, dias antes da data em que seria posto em liberdade pelo cumprimento da pena de 6 meses de reclusão que lhe fora imposta, deu entrada às pressas, de noite, no Hospital das Clínicas de São Paulo, para ser submetido a uma urgente intervenção cirúrgica. Morreu durante a operação (...)” 

Seu nome não constava das listas de denúncias encaminhadas ao CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia) nem do “Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964”. O resgate de sua história foi possível com o processo que seus filhos encaminharam, em 2007, à Comissão de Reparação, criada pela lei 10.726/2001, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, com o fim de reparar os crimes praticados nesse estado contra os opositores políticos no período ditatorial.

Seu caso não foi encaminhado a CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos).

 

Fontes investigadas:

Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. 

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

DOI-CODI II /SP

 

 

Prisão ilegal, torturas e homicídio

 

Agentes do DOI-CODI II foram responsáveis pela prisão e torturas sofridas por Feliciano (dossiê p. 660)

DOPS/SP (Departamento de Ordem Política e Social)

Dr. Alcides Sigillo

Delgado de Polícia

Coautoria na prisão ilegal, torturas e homicídio

 

É o responsável pela entrada de Feliciano no DOPS/SP, vindo do DOI-CODI II e pela oitiva do mesmo em 25 e 26/10/1975 (anexo 001-processo-indenizacao-lei10726-2001-Feliciano-Eugenio-Neto.pdf p. 23)

DOPS/SP (Departamento de Ordem Política e Social)

“Dr. José Francisco”

Delegado de Polícia

Coautoria na prisão ilegal, torturas e homicídio

 

É o responsável pela transferência de Feliciano novamente às dependências do DOI CODI II (anexo 001-processo-indenizacao-lei10726-2001-Feliciano-Eugenio-Neto.pdf p. 29)

IML/SP (Instituto Médico Legal)

Maria Alice Correia

Médica Legista

Falsificação – omissão de informação em documento público

 

Firmou o atestado de óbito fraudulento, declarando que a causa da morte de Feliciano era indeterminada, omitindo, portanto, a verdadeira causa da morte. (anexo 001-processo-indenizacao-lei10726-2001-Feliciano-Eugenio-Neto.pdf p. 22)

 

Pedro Nunes de Oliveira

 

Falsificação – falsa informação em documento público

 

Foi o declarante no atestado de óbito de Feliciano, sendo, portanto, o responsável pela informação acerca da residência do mesmo. No atestado de óbito consta o endereço do presídio do Hipódromo e não o verdadeiro endereço residencial de Feliciano. (anexo 001-processo-indenizacao-lei10726-2001-Feliciano-Eugenio-Neto.pdf p. 22)

FONTES DA INVESTIGAÇÃO

1. Documentação principal

Identificação do documento

Órgão da repressão

Observações

Anexo

Cópia do processo da ação de indenização proposta perante a Comissão Especial da Secretaria da Justiça e Cidadania, conforme a lei nº 10.726/2001

 

Arquivo IEVE

001-processo-indenizacao-lei10726-2001-Feliciano-Eugenio-Neto.pdf

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

 

Documento

 

fonte

Observação

Anexo

Certidão de Óbito

Arquivo IEVE

 

001-processo-indenizacao-lei10726-2001-Feliciano-Eugenio-Neto.pdf p. 22

 

3. Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

fonte com referências

Vânia Nepomuceno Eugênio

Filha

Relatou a prisão do pai na residência da família, na presença de sua mãe, bem como testemunhou que foi detida com os irmãos e levada para o quartel do II exército onde constatou a presença do pai e que o mesmo estava sofrendo maus tratos.

Dossiê p. 660

Dr. Mário de Passos Simas

Advogado contratado pela família para fazer a defesa do Sr. Feliciano

Declara que após muitas dificuldades conseguiu se encontrar com seu cliente nas dependências da 2ª Seção no Quartel General no Ibirapuera, constatando sua debilidade de saúde e os indícios de que estaria sendo torturado. Também identificou que a entrevista entre ele e seu cliente estava sendo monitorada, bem como que após a mesma Feliciano seria novamente levado às dependências do DOI-CODI.

Dossiê p. 661

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão / Função

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Conclusão: Feliciano Eugênio Neto foi morto em decorrência de torturas perpetradas por agentes do Estado, quando cumpria pena decorrente de acusação de subversão.

Recomendações: Retificação do Atestado de Óbito, a fim de que conste o real motivo da morte de Feliciano; Há necessidade de apurar a responsabilidade dos agentes citados e investigar se houve outros agentes envolvidos; que o Estado brasileiro reconheça e declare a condição de anistiado político, pedindo oficialmente perdão pelos atos de exceção e violações de direitos humanos que foram praticados contra ele, bem como devolva seu mandato de vereador, o qual foi cassado em 1964, quando do golpe.

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