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INICIAL DO NOME:

FERNANDO AUGUSTO SANTA CRUZ DE OLIVEIRA

OCORRÊNCIA

Desaparecido em 23 de fevereiro de 1974

DADOS PESSOAIS
Filiação: Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira e Lincoln de Santa Cruz de Oliveira
Data e local de nascimento: 20 de fevereiro de 1948 em Recife (PE)
Profissão: Estudante de Direito e funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica em São Paulo.
Data e local da morte/desaparecimento: Desaparecido em 23 de fevereiro de 1974
Organização política: Ação Popular Marxista-Leninista (APML).

Arquivos

RELATO DO CASO

Nasceu em 20 de fevereiro de 1948, em Recife (PE). Iniciou sua atividade política ainda no movimento estudantil secundarista em Pernambuco, entre 1966 e 1968, quando chegou a ser preso em uma manifestação de rua contra os acordos MEC-USAID.

Após a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar na Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio, do Ministério do Interior. Em 1972, ingressou no curso de Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF). Em setembro de 1973, abandonou os estudos e mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como funcionário público no DAAE. Era casado com Ana Lúcia Valença Santa Cruz Oliveira e tinha um filho, Felipe, que contava com 2 anos de idade à época do seu desaparecimento.

Em um sábado de Carnaval, dia 23 de fevereiro de 1974, saiu da casa de seu irmão, Marcelo de Santa Cruz de Oliveira, no Rio de Janeiro, para encontrar um companheiro, chamado Eduardo Collier, que morava em Copacabana. O encontro estava marcado para as 16h00. Ao sair, Fernando advertiu seu irmão que, caso não voltasse até as 18h00, teria sido preso.

Nesse mesmo dia, Fernando e Eduardo, que eram amigos de infância, foram detidos por agentes do DOI-CODI/RJ e desapareceram. O apartamento do Eduardo foi invadido por agentes de segurança que apreenderam livros “de conteúdo ideológico” sem que admitissem se identificar ao porteiro do edifício.

A primeira denúncia levada ao conhecimento de um público mais amplo saiu no dia 2 de março de 1974 nos jornais O Dia e O Globo. Na nota publicada por este último, lê-se “Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, de 26 anos, veio de São Paulo para o Carnaval, hospedando-se na casa de seu irmão Marcelo (Rua Correia Dutra, 55/404). Mas desapareceu no sábado. Marcelo procurou-o até ontem, quando resolveu vir à redação de O Globo. Ele pede a quem tiver notícias de Fernando avisar no seu endereço. Fernando é moreno, de bigode, tem 1,76 e trajava bermuda amarela e camisa quadriculada” (O Globo, 2/3/1974).

Como parte da perseverante cruzada que mantiveram durante anos em busca dos filhos, as duas mães endereçaram uma carta ao novo chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva, onde relatam todos os passos de sua peregrinação desde fevereiro e fornecem informações bem concretas: “fomos a São Paulo, no dia 14 de março, ao DOI do II Exército, situado na rua Tomás Carvalhal, onde ocorreu o seguinte incidente: recebidas pelo carcereiro de plantão, que atendia pelo nome ou alcunha de ‘Marechal’, o mesmo anotou os nomes de nossos filhos e, após uma ausência de meia hora, retornou o referido funcionário, na ocasião comunicando que ‘hoje não é dia de visitas para Fernando e Eduardo’; em virtude da nossa insistência, foi declarado que os nossos filhos ali se encontravam presos, mas que só poderiam receber visitas no domingo próximo, após as 10 horas. Apesar disso se dispuseram a receber e entregar sacolas contendo roupas e objetos de uso pessoal. A convicção de que realmente eles estavam presos no local tornou-se absoluta quando o carcereiro, ao receber o nome de Fernando Augusto de Santa Cruz, completou-o, acrescentando o último sobrenome, Oliveira, sem que lhe fosse fornecido. Desde então, as famílias iniciaram uma busca incessante por notícias de ambos, que começou no DOI-CODI/SP, para onde havia indícios de que eles foram levados, e se estendeu por inúmeros outros lugares. No domingo, ao comparecermos ao DOI, certos de que nos avistaríamos com nossos estimados filhos, como prometido, fomos comunicadas  por um funcionário, que atendia pelo nome de Dr. Homero, de que Fernando e Eduardo ali não se encontravam, tratando-se tudo de um  ‘lamentável equívoco’, ocasião em que foram devolvidas as sacolas”.

O irmão de Fernando, Marcelo Santa Cruz, em seu depoimento na Comissão da Verdade de São Paulo assim complementou o relato sobre esse episódio: “Nessa mesma época, quando cessou as informações, recebemos a informação de Recife de que Fernando tinha sido transferido para o DOI-CODI da Rua Tomás Carvalhal. Mércia escreveu inclusive com seu próprio punho em um rótulo de cigarro o endereço, Mércia Albuquerque, que era Advogada de presos políticos, que tinha obtido uma informação, que depois tomamos conhecimento que foi através de um militar que passava algumas informações para ela por questão de amizade, etc. Nessa mesma época o Cordeiro de Farias disse, olha, cessou todas as informações e eu acho que ele não se encontra mais aqui no Rio de Janeiro. Chegou até a noticiar, o próprio Cordeiro, que Fernando teria sido liberado, e gerou uma informação desencontrada em Recife que Fernando teria sido solto. Depois, quando foi checada a informação foi liberado dos interrogatórios. E esse fato depois foi desmentido e era informações que as pessoas prestavam, não era nada oficialmente. E nessa mesma época houve o incidente que é narrado no livro e em todos os documentos, no DOI-CODI/SP, que lá chegando, Márcia, minha irmã, junto com outras pessoas, a Dona Risoleta Collier, estava lá às famílias de Marcos (ininteligível), que é um dos presos na época. E para se comprovar a prisão de Fernando e do Eduardo levamos uma roupa, duas maçãs e uma camisa e alguns objetos, e fomos atendidos no DOI-CODI por uma pessoa que se identificava como Marechal. Essa pessoa pediu os nomes, entrou, demorou um certo tempo, voltou e disse, olha, completou o nome Oliveira. Ele tinha o dado de Fernando Santa Cruz, ele completou Oliveira sem que Márcia adiantasse o nome completo deixando a convicção de que Fernando e Eduardo se encontravam naquele período, eu acredito que foi março ou abril, no DOI-CODI, no Segundo Exército. E, para convicção maior, a sacola foi recebida com os objetos e disse o seguinte, hoje não é dia de visita para eles. A visita é no dia 17. Era três ou quatro dias depois. No dia seguinte o Major Virgílio, do Segundo Exército, relações públicas, mandou chamar Rosalina. E Rosa lá ficou, compareceu no Segundo Exército junto com outras pessoas, se eu não me engano Márcia também esteve nesse encontro e o Major colocou que Fernando, estava só as roupas, a sacola, devolveu, que tinha sido entregue lá no DOI-CODI, no Tomás Carvalhal, entregou lá na relações públicas do Segundo Exército, devolveu as sacolas e disse: Fernando e Eduardo não estão presos aqui no Segundo Exército. E aí foi questionado, não sei ao certo se foi Rosalina ou foi a Márcia, teria dito, mas como é, a pessoa que recebeu disse que a pessoa estava presa, que tinha uma visita no dia 17 e coisa, etc., e agora vocês estão devolvendo esses objetos. E a pessoa disse, a justificativa, talvez o carcereiro lá quisesse furtar esses objetos. E a pessoa disse, então o Exército Brasileiro está muito mal servido. Como é que a pessoa que cuida de presos políticos vai furtar uma calça velha e duas maçãs? E gerou uma discussão e no dia seguinte Rosalina, Geraldo, esposo de Rosa na época, fizeram uma carta que foi distribuída na PUC e que dizia que era comum as pessoas serem presas e serem devolvidas depois em caixões lacrados”.

Os desaparecimentos foram levados também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, com sede em Washington, ao Tribunal Bertrand Russel, à Câmara dos Deputados, onde os então deputados Fernando Lira e Jarbas Vasconcelos denunciaram o episódio na tribuna e ainda a dezenas de personalidades históricas do Brasil, entre apoiadores e opositores do regime militar, como Tristão de Athayde, Dom Helder Câmara, os generais Reynaldo Melo de Almeida e Sylvio Frota e os marechais Cordeiro de Farias e Juarez Távora.

Em 07/08/1974, Risoleta e Elzita participaram, junto com outros familiares de desaparecidos, de uma audiência com o general Golbery, articulada por Dom Paulo Evaristo Arns. Era a primeira vez que o governo militar recebia os familiares de desaparecidos. Nenhuma resposta foi dada. Apenas seis meses depois, em fevereiro de 1975, o ministro da Justiça Armando Falcão fez um pronunciamento respondendo aos familiares com a cínica informação de que os desaparecidos estavam todos foragidos.

A família de Fernando impetrou dois habeas corpus, além de apelar a diversas autoridades nacionais e internacionais, tudo sem sucesso. Após uma audiência com Golbery do Couto e Silva, em Brasília, que contou com a presença de diversas outras famílias de desaparecidos, o Ministro da Justiça, Armando Falcão, fez um pronunciamento televisivo. A versão oficial era de que os desaparecidos encontravam-se foragidos e não teriam sido presos por nenhuma instituição governamental.

A resposta de Elzita Santos de Santa Cruz de Oliveira, mãe de Fernando, foi firme e imediata. No dia seguinte ao pronunciamento ministerial, 7 de fevereiro de 1975, ela enviou uma carta mostrando a inconsistência dessa versão oficial e exigindo esclarecimentos sobre o paradeiro de seu filho em nome da justiça.

Mesmo após levar essa denúncia a conhecimento de diferentes entidades e autoridades, a falta de respostas por parte do Estado brasileiro levou a família a procurar a Comissão Interamericana de Direitos Humanas, protocolando pedido nº 1844/1974. No entanto, essa tentativa foi em vão, pois o Estado brasileiro continuou a negar a prisão de Fernando, alegando que este encontrava-se foragido e clandestino.

Com as eleições de 1974, a oposição conquista 17 cadeiras no Senado, contra apenas cinco do partido do governo, razão pela qual ocorre a criação do senador biônico. O Deputado Lisâneas Maciel, do MDB, levanta a questão da retomada da luta por direitos humanos, defendendo a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Vale transcrever um trecho do depoimento de Rosalina Santa Cruz, irmão de Fernando, em 10 de maio de 1979, na Câmara Federal, quando a bancada do MDB debatia sobre a instauração dessa CPI: “Venho pedir que votem a favor da instauração da CPI dos direitos humanos. (...). Enquanto não pudermos apurar todos os fatos, muitas famílias como a nossa vão perdendo as poucas testemunhas, vão sumindo os indícios. Por isso, senhores deputados, a CPI dos direitos humanos é fundamental, hoje. Este seria o espaço privilegiado para os atingidos e/ou seus familiares e companheiros estarem trazendo as testemunhas, indicando os responsáveis diretos, arrolando indícios a serem investigados e apurando as denúncias, Claro que sabemos dos limites das iniciativas, pois compreendemos que ainda é impossível trazer para o banco dos réus os culpados. Porém, é hora de começar a investigar. E, nesse sentido, a CPI dos Direitos Humanos seria não só oportuna, mas necessária, pois daria a cobertura que precisamos para iniciarmos uma ampla coleta de documentação e informações sobre tais crimes (...). Basta de conciliações em nome  de um 'pacto de paz', que, no fundo, justifica a conivência com os militares, no seu desejo de continuar no poder e de conduzir o processo irreversível da redemocratização do País. O que os militares pretendem com o seu 'pacto de paz' é se autoanistiarem e se manterem no poder. O momento exige não só que iniciemos uma coleta ampla de documentação e informações sobre esses crimes, como também o esforço para sua divulgação. E acredito que, com o avanço da democracia e com o fim do governo dos militares, teremos espaço não só para denúncias como para a apuração total dos fatos e responsabilização dos culpados. É hora de avançarmos e tentarmos conquistar o direito de investigar os crimes contra a humanidade e desmascarar até onde vai a anunciada abertura política dos militares e, principalmente, tornar público mais uma vez o comprometimento do Governo e das Forças Armadas com esses crimes (...). Senhores deputados: a luta pela elucidação e esclarecimento total de tais crimes não pode ficar mais nas mãos dos familiares e dos ex-presos. É preciso que toda sociedade civil organizada assuma essa tarefa histórica”.

Matéria publicada no “Jornal da Tarde” em 23/07/1975, quando do falecimento do Marechal Juarez Távora, relata os esforços deste militar em localizar Fernando Santa Cruz, em êxito contudo.

A ficha de Fernando encontrada em 1992 no DOPS/SP revela que ele foi efetivamente preso pelas forças da repressão. Assim está registrado nesse documento oficial: “nascido em 1948, casado, funcionário público, estudante de Direito, preso no RJ em 23/03/1974”. Em outro relatório, do Ministério da Marinha, consta que Fernando “foi preso no RJ em 23/02/1974, sendo dado como desaparecido a partir de então”.

Para os dois militantes, o Ministério da Aeronáutica informa que são citados na imprensa como mortos ou desaparecidos, mas que não há dados que comprovem a versão.

Na edição de 24/03/2004 da revista IstoÉ, o sargento Marival Chaves do Canto, que trabalhando como analista do DOI-CODI acompanhou as principais ações do CIE comandadas pelo Doutor César, o coronel reformado José Brant Teixeira e pelo Doutor Pablo, o coronel Paulo Malhães, informa que esses dois oficiais “foram responsáveis pelo planejamento e execução de uma mega-operação em inúmeros pontos do País para liquidar, a partir de 1973, os militantes das várias tendências da Ação Popular (AP), movimento de esquerda ligado à Igreja Católica. Segundo o ex-agente, entre os mortos estão Fernando Santa Cruz Oliveira, Paulo Stuart Wright, Eduardo Collier Filho e Honestino Monteiro Guimarães, militantes da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), movimento dissidente da AP”.

O livro Desaparecidos Políticos, do Comitê Brasileiro pela Anistia/RJ, organizado por Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa, registra com palavras emocionantes o drama de muitas crianças brasileiras que naquele período sombrio da história não puderam saber se eram ou não órfãs:

“Com o tempo, Felipe, filho de Fernando, acabou entendendo que seu pai tinha sido preso. E como ele não voltou mais, certa vez Felipe disse a um dos seus amiguinhos:

- O soldado matou o meu pai, só que eu não sei por quê. Mamãe me disse que quando eu ficar grande eu vou entender. Mas quando eu crescer, vou ao quartel saber onde esconderam meu pai”.

Em 16 de julho de 2008, a revista Carta Capital (nº 504) divulgou matéria sobre a localização do Capitão Homero, Dr. Homero ou Homero César Machado, coronel do Exército reformado, apontado como um dos principais torturadores da “equipe C” do DOI-CODI/SP, na época da ditadura. Ele foi denunciado em pelo menos sete processos no Superior Tribunal Militar, segundo o Projeto Brasil: Nunca Mais. O mesmo oficial é o responsável pelas informações falsas de que Fernando e Eduardo não estavam presos no DOI-CODI/SP.

Em 2012, o delegado aposentado do DOPS Cláudio Guerra, no livro: “Memórias de uma Guerra Suja”, revela que: Fernando Santa Cruz mais outros nove presos políticos foram mortos e seus corpos foram incinerados no forno da Usina de Açúcar “Cambayba”, localizada no município de Campos, no Estado do Rio de Janeiro. À época era o proprietário dessa Usina, Heli Ribeiro (vice-governador biônico do Estado do Rio à época e foi deputado federal por dois mandatos), que segundo Guerra “faria o que fosse preciso para evitar que o comunismo tomasse o poder no Brasil no Brasil.” 

É importante registrar o que o irmão Marcelo Santa Cruz declarou sobre esse livro do Cláudio Guerra em seu depoimento à Comissão da Verdade de São Paulo: “o livro, quer dizer, é apenas as informações que ele colocou. A gente questiona, acha que muita coisa aí não é verdadeira, porque os caras também, quando eles trazem 12 casos são os casos mais emblemáticos. Talvez seja, dizendo que as pessoas foram incineradas na Usina de Campos. Talvez isso dê uma satisfação e a gente passe a deixar de denunciar porque já teve o resultado que a gente buscou por tanto tempo, saber o que é que ocorreu com essas pessoas. Mas isso é importante para a gente, mas é importante identificar quem fez isso tudo que ele está declarando. Não é só saber que Fernando foi incinerado, colocado os restos mortais em algum lugar. A gente quer saber quem foi que fez esses crimes, identificar essas pessoas e a questão, a gente sabe que a Comissão da Verdade não tem o poder de julgar essas pessoas, mas é um dever do Ministério Público e de nós familiares, tendo os elementos, ingressar em juízo para questionar inclusive a decisão do Supremo Tribunal Federal e que diz que a anistia perdoou esses crimes”.

Na audiência pública da Comissão da Verdade de São Paulo sobre este caso, vale transcrever o testemunho prestado por Doralina Rodrigues Carvalho, militante da mesma organização política que tinha um encontro (“ponto”) marcado com Fernando Santa Cruz e que, graças a ele, conseguiu escapar da repressão: “Boa tarde. Eu estive me perguntando o tempo todo se seria a alegria tão volátil que escapa das nossas vidas bruscamente, inesperadamente. E se seriam as dores tão cruéis que atravessariam toda a nossa vida e insistentemente machucaria o nosso coração. Eu acho que não. Eu acho que não. Eu quero acreditar que não. Porque se o Fernando deu a sua própria vida e com isto ele preservou a minha eu sou a prova viva de que há homens dignos, de que há homens éticos, e de que a humanidade, face a tal ser humano, pode aspirar ainda alguma possibilidade de mudar, de se transformar, de construir novas possibilidades para nossos filhos, para nossos netos e, quem sabe, até para nós mesmos? Eu herdei do Fernando o meu renascimento. Infelizmente talvez não tenha herdado a sua doçura, a sua suavidade. Da alegria dele eu tenho um pouco e também continuei a dar a minha vida em função da formação, seja como professora, seja como terapeuta, seja exercendo a micropolítica na qual eu acredito. Essa têmpera que ele tinha, mas a doçura e a suavidade talvez não. Porque não devemos cultivar amarguras e ressentimentos, mas há uma dor que não escapa de nós, que é a dor produzida, causada, criada pela ditadura militar e todos os governos e os poderosos do mundo que insistem em massacrar aqueles que querem construir algo novo para a humanidade. Despotencializados não estamos, senão não estaríamos aqui hoje reunidos para honrar Fernando Santa Cruz e de certo modo Duda Collier e todos os demais companheiros assassinados. Não me lembro do Fernando com a tristeza que nos causou o seu assassinato pela ditadura. Me lembro do Fernando com a força, a potência, a alegria e a suavidade com que ele fazia o seu trabalho de militante político. Dele herdei a ética com a qual tento guiar a minha vida até os dias atuais. E essa ética eu tento transmiti-la para meus alunos, para meus filhos, para aqueles com os quais trabalho. Então hoje eu diria, eu me sinto um pouco dessa família aqui. Sempre me senti irmanada a vocês. Hoje eu queria de público, mais uma vez, agradecer Fernando Santa Cruz por tudo o que ele deu não a mim, que a mim me deu inclusive a própria vida. A tudo o que ele doou ao nosso país, ao povo brasileiro e aos jovens, que eu espero continuem essa causa pela qual ele morreu. De defender o nosso país, de defender o povo brasileiro. Obrigada”.

 

Quando da realização da 61ª Caravana da Anistia, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, no auditório da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), houve o reconhecimento da condição de anistiado político de Fernando Santa Cruz, conforme publicado na Portaria n. 57, de 4 de janeiro de 2013. Nessa oportunidade, assim seu filho se pronunciou: “eu agora estou encerrando este ciclo de 40 anos. Meus quatro filhos não vão crescer na angústia da busca. Aceito o pedido de desculpas da Comissão da Anistia. Aguardo apenas que a Comissão da Verdade confirme se efetivamente o corpo do meu pai foi incinerado em Campos (RJ) e as circunstâncias dos acontecimentos possam ser esclarecidas”.

Seu nome consta no anexo da Lei 9.140/95, como reconhecimento de sua prisão e morte sob responsabilidade do estado e seu processo tramitou Número do processo: 243/96 Data da publicação no DOU: Lei nº 9.140/95 – 04/12/95

 

Fontes investigadas:

 

Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Brasil Nunca Mais Digital. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 6ª audiência pública sobre o caso de Fernando Santa Cruz realizada no dia 20/02/2013; Livro “Onde está meu filho?” de Chico de Assis, Cristina Tavares, Gilvandro Filho, Glória Brandão, Jodeval Duarte e Nagib Jorge Neto (Recife: Cepe Editora, 2011).

IDENTIFICAÇÃO DOS AUTORES DA MORTE\DESAPARECIMENTO

Órgão / Período

Nome

Função

conduta

Vivo/data do óbito

Observações

DOI-CODI/SP

Capitão Homero, Dr. Homero ou Homero César Machado

 

Coronel do Exército

 

 

Ocultação da prisão

Vivo

 

DOI-CODI/SP

“Marechal”

Carcereiro

Ocultação da prisão

 

 

DOI-CODI/SP

Audir Santos Maciel

Comandante do DOI-CODI/SP

 

Vivo

 

DOI-CODI/SP

José Brant

 

Desaparecimento forçado

Vivo

 

DOPS/ES

Cláudio Guerra

Delegado aposentado

Ocultação e destruição do cadáver

Vivo

 

DOI-CODI/SP

Paulo Malhães

Tenente-coronel reformado

Desaparecimento forçado

Falecido em 25/04/2014

 

FONTES DA INVESTIGAÇÃO

1. Documentação principal

Identificação do documento

Órgão

Observações

Anexo

Pedido de indenização formulado por Felipe, filho de Fernando Santa Cruz, para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

 

Arquivo do Instituto de estudos sobre a violência do Estado - IEVE

Há o pedido e alguns documentos pessoais de Felipe, tais como certidão de nascimento, RG e outros.

001_pedido_CEMDP_com_anexos.pdf

 

 

Foto de Fernando Santa Cruz vivo.

Arquivo do Instituto de estudos sobre a violência do Estado - IEVE

 

002_foto_vivo.pdf

Termo de declaração de Elzita Santa Cruz, mãe de Fernando, perante a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo

Arquivo do Instituto de estudos sobre a violência do Estado - IEVE

 

003_termo_declaração_ElzitaSantaCruz_ComissaoJusticaEPaz.pdf

 

 

Fotos de Fernando Santa Cruz vivo.

Arquivo do Instituto de estudos sobre a violência do Estado - IEVE

 

004_fotos_vivo.pdf

Carta redigida por Elzita e Risoleta, mães de Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier respectivamente, pedindo informações ao General Golbery do Couto e Silva

Arquivo do Instituto de estudos sobre a violência do Estado - IEVE

 

005_carta_Elzita_Risoleta_ParaGolbery.pdf

Formulário de registro de denúncia do caso junto à Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e algumas fichas do Fernando Santa Cruz no DOPS.

Arquivo do Instituto de estudos sobre a violência do Estado - IEVE

 

006_ComissãoJustiçaPaz_FichaDOPS.pdf

 

2. Prova pericial e documental (inclusive fotos e vídeos) sobre a morte/desaparecimento

Documento

 

fonte

Observação

Anexo

 

 

 

 

 

3. Testemunhos sobre a morte/desaparecimento

Nome

relação com o morto / desaparecido

Informação

fonte com referências

 

 

 

 

 

4. Depoimento de agentes da repressão sobre a morte/desaparecimento

Nome

Órgão / Função

Informação

fonte com referências

 Cláudio Guerra

 Delegado aposentado do DOPS

 “Fiz ainda outras viagens entre a Casa da Morte e a usina de Campos para levar os corpos, que eu identifiquei, pelo livro, serem de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira (...). Mais uma vez, não torturei, não matei. Somente transportei os cadáveres para a incineração”.

Memórias de uma Guerra Suja, p. 58

Marival Chaves do Canto

Analista no DOI-CODI/SP

Doutor César, o coronel reformado José Brant Teixeira e pelo Doutor Pablo, o coronel Paulo Malhães “foram responsáveis pelo planejamento e execução de uma mega-operação em inúmeros pontos do País para liquidar, a partir de 1973, os militantes das várias tendências da Ação Popular (AP), movimento de esquerda ligado à Igreja Católica. Segundo o ex-agente, entre os mortos estão Fernando Santa Cruz Oliveira, Paulo Stuart Wright, Eduardo Collier Filho e Honestino Monteiro Guimarães, militantes da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), movimento dissidente da AP”.

 

Revista IstoÉ (24/03/2004).

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO

Diante das circunstâncias do caso e das investigações realizadas, pôde-se concluir que, conforme reconhecido oficialmente pelo Estado brasileiro, o Fernando Santa Cruz é considerado desaparecido político, por não ter sido entregue os restos mortais aos seus familiares, não permitindo o seu sepultamento até os dias de hoje. Conforme o exposto no parágrafo 103 da Sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros: “adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subseqüente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade (...)”.

No parágrafo 110 do mesmo documento é mencionado que: “(...) pode-se concluir que os atos que constituem o desaparecimento forçado têm caráter permanente e que suas conseqüências acarretam uma pluriofensividade aos direitos das pessoas reconhecidos na Convenção Americana, enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever correlato de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis, conforme as obrigações decorrentes da Convenção Americana”.  (Sentença da Corte Interamericana, p. 38 e 41, publicação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo).

Recomendações: Investigação das circunstâncias da prisão, morte e desaparecimento de Fernando Santa; localização dos restos mortais, responsabilização dos agentes da repressão envolvidos no caso e retificação do atestado de óbito (p. 8 do doc. 001).

Ratificar o requerimento formulado por meio do ofício externo n. 15/2013 da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, em que se postulou a “retificação da ficha de registro de Fernando substituindo a causa da dispensa de “abandono de emprego” para que conste no campo observações o seguinte texto: “vitima de sequestro e desaparecimento forçado por agentes do Estado, conforme reconhecido pela Lei Federal n. 9.140 de 1995”.

Ação Popular Marxista-Leninista (APML).

Veja Também:

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