Meu nome é Ariston de Oliveira Lucena, nascido em 6 de outubro de 1951 em São Paulo. Sou filho de Damaris Oliveira Lucena e Antônio Raymundo de Lucena, ambos líderes sindicais desde a década de 1950 e ativistas políticos da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Damaris foi têxtil e Antônio, metalúrgico. Comecei a minha militância muito cedo, pois a minha casa era um local de reuniões da organização. Decidi sair de casa aos 17 anos para me juntar aos companheiros da VPR. Não sabia que o meu destino seria o Vale do Ribeira sob o comando do Capitão Lamarca. Os meus pais disseram que eu era muito jovem para assumir aquela luta. Respondi que esse era o meu desejo e que a minha ideologia tinha sido forjada com o exemplo deles dentro de casa. Fui para o Vale no dia 7 janeiro onde permaneci até 31 de maio de 1970.

Soube da morte do meu pai e da prisão da minha mãe pelo rádio. Fiquei transtornado e quis vir para São Paulo, mas Lamarca me conteve. Fiquei no treinamento de guerrilha por quatro meses no Vale. Escapamos de um cerco policial feito pelo coronel Erasmo Dias ao Vale do Ribeira. Saímos dirigindo um caminhão do Exército que nos trouxe para São Paulo onde nos dispersamos. Cada um tomou um rumo diferente e ignorado pelo outro.

Fui preso no dia 20 de agosto de 1970, em uma batida policial de rua no bairro da Vila Mariana. Levado para uma delegacia no mesmo bairro, fui espancado pelos policiais de serviço. Isso ocorreu em uma quinta-feira, permaneci na cela até segunda-feira pela manhã, quando fui transferido para DOPS. Lá chegando, fui encaminhado para uma sala de torturas, onde o escrivão Samuel Pereira Borba e outro policial que não sei identificar, começaram a me torturar com choques elétricos por todo o corpo. Eu estava pendurado no pau de arara. Fui torturado por algum tempo, mas não sei precisar a quantidade de horas. Quando me tiraram do pau de arara, não podia andar, contudo, mesmo assim saíram comigo em diligências por São Paulo, para cobrir pontos, com companheiros da minha organização. A polícia não conseguiu nada, pois eu já me encontrava preso fazia vários dias. Os meus companheiros já sabiam da minha prisão. Quero esclarecer, que, no dia em que fui preso, eu estava junto com um companheiro que conseguiu fugir.

Na quinta-feira, fui levado para a Operação Bandeirante pelo capitão do Exército, Maurício Lopes Lima. Fui direto para a sala de torturas e prontamente colocado na cadeira do dragão. Comecei a ser torturado novamente pelo Capitão Benoni de Arruda Albernaz e outros policiais da OBAN. Aos poucos, fui sendo destroçado pelas sevícias. Passei mais ou menos dois meses na Operação Bandeirante. Fui massacrado por várias equipes de policiais da OBAN. O comandante desse órgão era o Tenente-Coronel Valdir Coelho, que ordenava as torturas aos presos políticos.

Havia outros torturadores: o Capitão Homero César Machado, Pedro Mira Grancieri (também conhecido como “Tenente Ramiro”, que possuía uma âncora tatuada no braço) Dalmo Lucio Muniz Cirillo, entre muitos outros.

Certo dia, apareceu um homem me inquirindo. Disse-me que se fosse à auditoria para a audiência e se confessasse o que eu estava passando na Operação Bandeirante, pagaria as consequências. Eu disse que faria isso mesmo. Ele me ameaçou dizendo que eu iria “ver o que é bom”. Qual não foi a minha surpresa, quando fui prestar depoimento na auditoria. O referido senhor que havia me insultado era o procurador da Justiça Militar, Sr. Durval Ayrton Moura Araújo que funcionou como acusador dos militantes.

Em meados de outubro de 1970, fui levado de helicóptero para o Vale do Ribeira, pelo Coronel Antônio Erasmo Dias, para fazer a reconstituição de nossa fuga. Lá chegando, Erasmo ameaçou de me jogar do helicóptero se eu não contasse fatos que possibilitassem a prisão de outros companheiros meus. Colocou-me na cova onde havia sido executado o tenente da Polícia Militar Alberto Mendes Jr., em maio de 1970. Dias simulou um fuzilamento disparando rajadas de uma metralhadora Thompson ao redor do meu corpo para me intimidar. Aliás, o Coronel assumiu esse episódio em declarações feitas ao jornal Folha da Tarde.

Fui condenado a trinta anos de prisão, condenado também à pena de morte (posteriormente, transformada em prisão perpétua). Acumulei trinta anos e, por último, mais vinte pelas minhas atividades políticas. Saí em julho de 1979, portanto fiquei nove anos encarcerado.

Quero reafirmar que não me arrependo do que fiz. Sinto muito orgulho por ter pegado em armas para lutar contra a ditadura instaurada no Brasil. Essa consciência foi adquirida no convívio com meus pais Antônio Raymundo de Lucena e Damaris Oliveira Lucena. Meus velhos, apesar de terem baixo nível de escolarização, tinham uma profunda consciência de classe.

Conheciam muito bem as mazelas dessa sociedade, onde pobres, negros, e desvalidos, são as maiores vítimas do capitalismo nacional e internacional.

Minha família não possui riquezas materiais, mas, é detentora de um excelente capital intelectual que é a plena consciência dos problemas deste país. Fizemos a opção pelo povo e sabemos da necessidade de educar e conscientizar a massa para que possa lutar em prol dos seus direitos.

São Paulo, 9 de maio de 2013.

Ariston de Oliveira Lucena nasceu em São Paulo no dia 6 de outubro de 1951. Seu último trabalho foi técnico do INCRA. Aposentou-se por invalidez em 2012, pois era diabético, hipertenso e tinha sido submetido à uma angioplastia. Faleceu em 25 de maio de 2013 de infarto agudo do miocárdio. Suas cinzas repousam no assentamento onde residia, em Tremembé (SP).

Antônio Raymundo de Lucena nasceu em 11 de setembro de 1922, em Colina (MA), filho de José Lucena Sobrinho e Ângela Fernandes Lima Lucena. Morto em 20 de fevereiro de 1970. Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Aos 12 anos de idade teve uma úlcera ocular que lhe ocasionou a perda da visão do olho direito. Nessa época, começou a ocupar-se de atividades de instalações elétricas, serviços de pedreiro e mecânica. Aos 17 anos, assumiu a função de mestre de oficina mecânica. Apesar de não ter terminado os estudos, Antônio era uma pessoa bastante inteligente e habilidosa. Por conta disso, recebeu dos conhecidos a alcunha de “Doutor”. Ao casar-se com Damaris, Lucena começou a trabalhar como mestre de serraria e ela como fiandeira.
Em março de 1950, embarcou em um caminhão pau de arara para a cidade de São Paulo. Ainda em 1953, o casal participou da campanha “O Petróleo é Nosso”. Nessa época, ele e sua esposa eram operários na Jafet, indústria têxtil localizada no bairro do Ipiranga. Em 1954, ingressou no Partido Comunista.
Lucena aposentou-se em 1964 por invalidez. Como era cego de um olho, teve o direito a uma banca na feira isenta de impostos. Damaris tirou carta de motorista e logo adquiriu uma perua, para facilitar o transporte do material de trabalho.Em 1968, passaram a fazer parte da VPR, tendo Lucena participado de diversas ações armadas. Em 1969, o casal já vivia na clandestinidade com os filhos, em Atibaia (SP), e era responsável por guardar os fuzis FAL subtraídos por Lamarca quando fugiu do quartel de Quitaúna (SP), em janeiro de 1969.
Seu filho mais velho, Ariston, também militante da VPR, foi preso em 1970, após ter escapado do cerco militar estabelecido na área de treinamento de guerrilha da VPR, no Vale do Ribeira (SP).Em 20 de fevereiro de 1970, por volta das 15 horas, a porta do sítio onde a família morava em Atibaia (SP) foi golpeada violentamente por militares. Lucena dormia. Começaram a atirar. Lucena tombou gravemente ferido e, logo em seguida, recebeu mais tiros. Foi assassinado, na presença de sua família.
Lucena foi sepultado como indigente no Cemitério de Vila Formosa, em São Paulo.

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