Sou filha do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, que foi cassado na última lista das várias que foram publicadas a partir de primeiro de abril de 1964, pelo golpe militar. Depois de auxiliar a fuga do Procurador Geral da República, Valdir Pires – que atualmente é vereador em Salvador na Bahia; e, Darcy Ribeiro, Ministro da Educação. Em seguida, papai exilou-se na Embaixada da Iugoslávia, a única Embaixada aberta em Brasília para receber os perseguidos. Rubens juntou-se a todos aqueles que estavam ali refugiados e que faziam parte da Frente Parlamentar Nacionalista, criada no início dos anos 1960.

Formada de uma forma quase que espontânea na Câmera Federal, a Frente Parlamentar Nacionalista foi organizada por militantes de diversos partidos de esquerda, religiosos, artistas. Enfim, grande parte da sociedade participante da luta que defendia a aprovação, pelo Congresso, das Reformas de Base. Entre elas: Reforma Agrária, Reforma Jurídica, Reforma da Educação, Reforma Urbana, Reforma da Lei de Remessa de Lucros.

Meu pai fez parte do pequeno Partido Socialista Brasileiro, que não tinha direito a voto, mas tinha voz de comando e direção. O PSB, como aliado do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) era agregado a outras forças de apoio ao governo Jango, como Partido Comunista Brasileiro, ainda na ilegalidade (que, por sua vez, usou a legenda do PSD).
Rubens Paiva, assim como outros deputados do PSB e PCB utilizaram para se elegerem em 1962, respectivamente, legendas do PTB e PSD. Como deputado eleito, ele fez parte da direção da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o IBAD, que teve um papel de destaque na preparação do Golpe Militar.

O testemunho que trago para a semana “Infância Roubada” por iniciativa da Comissão da Verdade “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa de São Paulo é de uma adolescente de 15 anos e meio. Acredito que o meu depoimento é um pouco diferente do que eu ouvi aqui, hoje, apesar de ter coisas bastante semelhantes. Uma delas é a capacidade incrível que quase todos nós tivemos, em relação à nossa memória, que parece nos pedir: “eu vou esquecer o que aconteceu, e um dia eu não lembrarei mais”.

Isso está claro, porque apesar toda a midiatização que existe em torno do meu pai, eu só fui dar o meu depoimento há dois anos. Eu nunca falei, os meus irmãos talvez soubessem um pouco, minha mãe sabia mais, porque fomos presas juntas. Minha família nunca soube de nenhuma sequência de detalhes, os meus amigos também não. Só quem soube foi um ou outro amigo, pessoas com quem eu convivo e que perguntaram com grande insistência.

O que foi a minha adolescência roubada? Eu sabia o que se passava neste país, exatamente como todo mundo, ouvindo tudo que aqui já foi dito. O meu pai foi deputado federal, foi um deputado engajado. Ele já era engajado politicamente desde a sua juventude. Foi vice-líder da UEE, vice-presidente da UEE Paulista, fez parte da campanha do “petróleo é nosso”.

Rubens Paiva foi eleito deputado federal pelo Estado de São Paulo aos 34 anos de idade, uma das primeiras ou segundas gerações a entrar no atual Congresso Nacional em Brasília, depois da era Vargas. Antes disso, ele ajudou a construir Brasília como engenheiro civil. Era empreiteiro e fez pontes na construção de Brasília.

Com a cassação, meu pai voltou do exílio nove meses depois. Como deputado federal ele tinha direito e posse ao passaporte diplomático vermelho. Pegou o passaporte, colocou no bolso, pegou um avião com escala no Rio de Janeiro. Desceu no Aeroporto Santos Dumont, pegou a Ponte Aérea e veio para São Paulo. Entrou em casa pela cozinha dizendo para quem ali estava, “oi, eu cheguei”. Foi um dos maiores sustos da minha mãe quando, de repente, surge aquele pai de família de cinco filhos na porta da cozinha, dizendo “voltei, estou de volta”.

A partir daí nós moramos mais alguns meses em São Paulo, e nos mudamos no início de 1965 para o Rio de Janeiro. Como deputado cassado, meu pai havia entrado em uma espécie de lista negra. Como era engenheiro civil, seu trabalho era de empreiteiro, empreendedor. Sem os direitos civis ele já não podia mais assinar como engenheiro obras contratadas por governos, ou pagas com o dinheiro público. Como deputado cassado não podia seguir vida política e se reeleger. Então a ideia dele, ao ser convidado, foi entrar como sócio em uma firma de engenharia no Rio de Janeiro, a Machado da Costa Engenharia, acho que nem existe mais. Pegou o dinheiro que tinha e investiu na sociedade desta empresa. Então, nós nos mudamos para o Rio de Janeiro.

O estilo do meu pai era e sempre foi da continuidade da vida. Do prazer pela vida. Então o que ele fez? Alugou um sobradinho em frente à praia do Leblon. Nossa vida de paulistanos mudou radicalmente, mas a vida continuava a mesma, frente ao mar e da melhor maneira possível.

Inaugurada esta nova fase, o pequeno sobrado na Avenida Delfim Moreira, nº 80, se agitou com a circulação de políticos, militantes, ex-deputados, ex-ministros e de todo o pessoal ligado ao governo João Goulart, e todos que faziam parte deste grupo. Os militares sempre estiveram de olho nessa casa, porque papai era um sujeito muito alegre, muito afetivo, socialmente muito engajado.

Não havia espaço para tristeza ou depressão. Tudo podia ser engraçado, a vida era uma festa naquela casa, tanto que a famosa expressão “esquerda festiva” (acho eu) vem um pouco daí. Se alguém não sabia o que era esquerda festiva, agora está sabendo. Era uma esquerda que tinha sido cassada em 1964 e que achava que os militares não iriam longe. Tinham o dom de se divertirem com certa ignorância dos militares no poder, assim, em uma comparação, como o discurso que o jornal Pasquim construiu, especialmente.

Até o dia em que foi assinado o AI 5 (Ato Institucional número 5). Quando começaram prisões, torturas e mortes, meu pai achou que a coisa era séria e começou, em seguida, a ajudar militantes engajados na luta armada, uma nova geração constituída. A geração de 1968, uma geração acima da minha e uma geração ou duas abaixo da dele. Nesta geração de militantes estavam poucos amigos com uma maioria de jovens, filhos de amigos que se engajaram em ações como o rapto de embaixadores. Parte destes amigos, filhos e parentes de amigos, atuou principalmente no rapto do embaixador americano.

Meu pai ajudou com conversas e com dinheiro que pôde dar, considerou um acerto político. No entanto, esta ajuda acabou ligando papai no próprio circuito de luta armada, o que ele não imaginou e com a qual ele não estava envolvido.

Não sei se ele concordava com o que esta militância armada fazia, porque eu era muito menina para saber se ele apoiava ou não. Não cheguei a conversar sobre isso com ele, não era tema de conversa. No entanto, soube depois que ele se preocupou com a segurança física e moral desse grupo, que já vinha sendo trucidado e perseguido pelas ações que faziam contra a ditadura instituída pelos militares, a partir de 1964. Em casa só sabíamos que havia prisões e que alguns foram bastante maltratados, a maioria bastante torturada e era uma maioria de jovens, bem jovens. Outros presos e interrogados eram intelectuais, parte integrante do vasto grupo de políticos, na sua maioria cassada, artistas e intelectuais, que circulava em casa.

Em janeiro de 1971, meu pai tinha 41 anos recém-completos quando foi preso. Ele faz aniversário dia 26 de dezembro e foi preso no meio da manhã do dia 20 de janeiro – feriado no Rio de Janeiro. Essa é a história do meu pai. Nunca mais soubemos dele, não se sabe até hoje o que aconteceu exatamente, como morreu e onde está enterrado o seu corpo.

Agora, a minha história em relação a ele. No início, ao sair da prisão, eu resolvi que iria esquecer o que aconteceu. Por que eu antes não contei, ou pouco contei, do que aconteceu. Sobre as 24 horas que durou a prisão domiciliar, minha, do meu irmão Marcelo, irmã caçula, Beatriz e, minha mãe Eunice, as minhas 24 horas no DOI-CODI?

Assim como os detalhes de tudo que tinha testemunhado na prisão e morte de meu pai e na prisão, por onze dias, da minha mãe no mesmo quartel da Rua Barão de Mesquita, na Tijuca?

Porque eu tinha 15 anos de idade. Eu tinha a vida inteira pela frente, tinha que conviver com os meus colegas, tinha que conviver em uma sala de aula, tinha que olhar para os professores, eu tinha que ir à praia. Nas turmas e na turma da praia eu tinha que dançar um rock, eu tinha que ouvir música. E não interessava para os meus amigos, para os grupos com quem eu andava, que eu contasse a história do meu pai ou que eu tinha sido presa no DOI-CODI do Rio de Janeiro. Não interessava de jeito nenhum.

Muito menos interessava para os meus avós, os pais do meu pai, que acreditaram durante muito tempo que meu pai poderia estar vivo. Meu avô morreu três ou quatro anos depois, com a certeza ou incerteza, de que meu pai poderia voltar um dia para ele e para a família. Meu avô, Jayme Almeida Paiva, morava em Santos e pediu que nos mudássemos para lá e fôssemos esperar a volta do meu pai.

A nossa casa do Rio de Janeiro, que era alugada, ficou fechada durante seis primeiros meses. E só foi entregue ao proprietário seis meses depois. Depois disso, nós moramos com meu avô, em Santos, SP, durante três anos. Um ano depois da morte ou desaparecimento do meu pai, minha mãe, inclusive por ideia do meu avô, começou a fazer um curso de Direito em uma Faculdade em Santos e, formada, já morando em São Paulo, se tornou uma brilhante advogada.

A história, ainda em resumo, é esta: meu pai foi preso no dia 20 de janeiro, mais ou menos ao meio dia, uma hora da tarde. Fui me despedir dele por volta das onze horas da manhã quando fui para praia em frente, no Leblon. Papai estava sentando no jardim com Raul Ryff, que era muito amigo dele e morava perto de casa. Ryff era jornalista e foi assessor de imprensa do João Goulart.

Dei um beijo nos dois e fui à praia encontrar minha turma. Voltei duas horas depois e a casa estava fechada, o que era estranho em pleno verão. Entrei, vi uns homens, meio na penumbra e fui para a área da cozinha deixar toalha, esteira. Minha mãe me pegou na entrada e disse, com um olhar muito assustado: “O seu pai foi preso. Você vai tentar sair e avisar, telefonar para o seu tio advogado (que é o marido da irmã caçula do meu pai) em São Paulo. Você tem dinheiro?”. Eu ouvi, não falei nada e continuei pela cozinha. Subi por trás, pela escada dos fundos e não voltei para a sala. Isto porque Eunice, minha mãe, parecia estar me esperando atrás da porta da sala de jantar que dava para a cozinha. E a maneira com que ela me falou, especialíssima, demonstrou certo planejamento de palavras e ação. Muito do seu estilo. Portanto, eu entendi aquilo que deveria entender; ou seja, que precisava agir rápido, sem que soubessem ou conseguissem ver o que fazia.

Nessa época, eu era atleta juvenil do Clube Botafogo, de voleibol. Então, subi e me vesti de atleta do Botafogo. Desci rapidamente as escadas da sala, e fui saindo pela porta da frente, por onde tinha entrado. E falei rapidamente, sem que tivessem tempo para pensar: “estou indo jogar, estão me esperando, tenho que ir”. E fui saindo de casa e fechando a porta atrás de mim.

Lembro agora do alívio que eu senti quando fui passando pela porta e depois pelo portão da casa. Agora me vem esta lembrança, que havia como que esquecido, da sensação de um dever a ser cumprido, por pedido da minha mãe, quando abri a porta da minha casa, quando eu senti o ar de fora, eu comecei a respirar de novo. Alguma coisa precisava ser feita, com muita urgência, e que saberia o que fazer. Foi este o recado que ela me passou. Conheço a inteligência da Eunice e antes jamais tinha visto minha mãe agir daquela maneira. Tão séria, tão resoluta, tão assustada.

Eu estava muito focada na minha pressa. E, com a saída para a rua, com o ar que novamente entrou no pulmão, quando até então minha respiração estava quase que suspensa, não tive muito tempo para pensar, mas senti que o ar dentro da minha casa tivesse faltando. Hoje em dia o olhar da minha mãe parece que já dizia de uma vida que tínhamos para salvar, ou de um desastre iminente. Isto porque agi quase sem pensar, e fiz o que tinha que fazer, sem pensar nas consequências.

Dois quarteirões atrás de casa, entre as ruas Ataulfo de Paiva e a Afrânio de Melo Franco, no Leblon, existia o que a gente chamava de “condomínio de jornalistas”, onde viviam muitos deles, inclusive o Raul Ryff. As várias turmas de praia e parte dos meus amigos moravam lá. Um deles era o Ronaldo Pacheco, que era um dos meus melhores amigos.

Fui direto para a casa dele e disse: “eu não posso contar exatamente o que está acontecendo (também ainda movida pela urgência do olhar e simples fala da minha mãe), mas eu preciso usar o teu telefone para fazer um interurbano para São Paulo, posso?”.

Hoje em dia penso que foi um encadeamento de fatos, Ronaldo não tinha ideia nenhuma do que se passava na minha casa, o que lá acontecia, era meu amigo de bairro. Não sei como imediatamente ele franqueou o telefone. Liguei para São Paulo, avisei o meu tio, o advogado Cássio Mesquita Barros, acho que ele não estava, mas o recado foi dado.

Sai de novo, fui para a rua, já ansiosa, dar o tempo necessário para um treino de vôlei, fiquei circulando perto de casa. Muito preocupada com minha mãe. Repito, nunca a tinha visto agir daquela maneira. O meu amigo Ronaldo quis vir comigo, eu tentei despistar e pedi muito para que ele não viesse atrás de mim, ou na minha casa, porque estava tudo muito esquisito. Não falei mais nada do que estava acontecendo.

O resto veio se formando da maneira lógica de um quebra cabeças, foi o momento em que comecei a juntar intuitivamente as peças daquilo que a vida inteira presenciei com o trânsito e as conversas políticas em casa. Então eu entendia que estava acontecendo alguma coisa. Sabia a leitura disso, mas não conseguia decifrar, ou já tinha decifrado e estava esperando a sequência. Como eu digo, existiu a fase aparente de “esquecimento”, que a gente leva anos para que ela retorne. Mas tudo fica guardado.

Bom, dei um tempo e voltei para casa. Quando cheguei, um dos homens que estava em casa, a paisana, o mais forte, estava com um cabo de fio elétrico na mão, querendo me bater, perguntando: “onde você foi?”. Eu, vestida de jogadora de vôlei, de novo fui entrando, sentei no sofá da sala, ele sentou ao meu lado e respondi assim: “Eu saí”. Ele disse: “Você não saiu”. Eu respondi: “Fui jogar vôlei”. “Não, você não foi jogar vôlei, você foi avisar o teu tio, a tua família, que seu pai foi preso”, ele falou furioso, mas já mais calmo.

O que aconteceu depois que telefonei e enquanto esperava voltar para casa? O meu tio, advogado, querendo saber realmente o que tinha acontecido, ligou para a minha casa quando o telefone estava censurado. Agora, um dia a Comissão de Verdade, advogados, procuradores, historiadores e jornalistas terão de saber se realmente existia escuta telefônica naquela época. Não sei que tipo de escuta telefônica era, mas na minha casa foi escuta de extensão para extensão telefônica. Tínhamos um telefone no escritório do meu pai, outro na cozinha, outro em cima no hall e um no quarto dos meus pais. Até hoje eu fico curiosa em relação a isso.

Ou seja, o meu tio ligou e como um bom advogado começou a questionar a minha mãe sobre o que estava acontecendo. Então, quando eu cheguei em casa, o militar que ouviu a conversa pela extensão estava transtornado.

De certa forma é interessante pensar no que se passou, eu sou muito parecida com meu pai, então dei muito uma de “Rubens Paiva”. Eu falei para ele, entrando em casa com ele me ameaçando: “Senta aqui comigo, vamos conversar, qual o problema do senhor?” O cara era enorme, muito forte, olhando para mim, acho que não entendeu nada. Aquela menina, completamente loira, cabelo de frequentadora de praia, quase dourado, vestida com roupa de jogadora de vôlei, perguntando para ele o que estava acontecendo. Ele foi se acalmando.

Eu não perguntei para ele o que poderia ter perguntado: “O que é esse cabo na tua mão?”. Eu fiquei olhando para ele e não para o cabo elétrico. E assim ele foi escondendo o cabo. A reação dele foi muito engraçada. Bom, esta já é uma interpretação de uma menina de 15 anos, quarenta anos depois. Mas me parece que todo mundo, todos nós que fomos presos crianças, está tendo este tipo de reação. Falamos, rimos e choramos como crianças e adolescentes.

E também era como meu pai reagia. Inclusive acho que foi por isso que ele foi morto, parece engraçado aos 15 anos, mas é sério para adultos. Acredito que ele tenha reagido desta maneira na prisão, por isso o massacraram, eu penso que ele diria: “Eu fui deputado eleito legitimamente, vocês não têm nada comigo. Ou vocês me respeitam ou não sei, vão para aquele lugar”. Creio que foi isso que ele fez dentro da cadeia e foi por isso que ele morreu inclusive.

Hoje em dia não se tem dúvida: papai entrou na prisão exigindo que fosse tratado como deputado. Ao mesmo tempo começou a tentar defender as duas senhoras que foram presas junto com ele e responder usando de certa autoridade. Tem algum relato que conta que os militares começaram a maltratar estas senhoras que foram presas juntas com ele. Inclusive a nossa professora do Colégio Sion, Cecília Viveiros de Castro, que papai conhecia.

Professora Cecília começou a ser maltratada na frente do meu pai, que enlouqueceu. Imagino ele dizer: “Vocês não têm direito, vocês não sabem o que estão fazendo, vocês parem com isso. Eu sou deputado, respeitem”. Tanto que nos únicos depoimentos que têm da possível tortura e também de resgate do que aconteceu, é dito que os militares depois de destruí-lo perguntam o que foi feito do “deputado”.

O depoimento do médico coronel Lobo, que o atendeu no DOI-CODI, diz que ele cheio de hematomas pelo corpo todo, deitado sem conseguir se mover, só dizia o próprio nome: “Rubens Paiva”. Desde o dia que li este depoimento penso que, primeiro ele tenta se identificar, porque parece que certa hora ele percebeu que perdeu a identidade ali dentro. É o caso do torturado, do sujeito torturado que perde a identidade dentro da prisão. Esse é o grande problema da tortura, física e psicológica que eu saiba. Em segundo lugar, a tortura moral, dizendo: “o senhor deputadozinho, o senhor ainda está querendo alguma coisa?”. Parece que a tortura foi em cima disso, ou seja, ele reagiu, foi torturado, massacrado. Mas digo isso hoje em dia, também parte de pensamentos que tive esses anos todos.

Voltando um pouco, depois dessa minha conversa com o policial, nas primeiras 24 horas de prisão domiciliar, a coisa toda acalmou. Eu não lembro muito mais o que aconteceu depois disso, depois dessa conversa com esse homem. Isso devia ser umas cinco horas da tarde. Nós fomos dormir. Não me lembro se vimos televisão, o que comemos, não lembro mais nada. Só lembro-me da minha mãe, no dia seguinte, me acordando e falando: “Acorda, se veste que a gente vai ter que dar depoimento”. Eu escolhi uma roupa que me cobria todo o corpo, porque eu fiquei com medo, comecei a ficar com medo de ser exposta a alguma coisa que não pudesse controlar. Era uma túnica preta que vinha até perto do joelho com uma calça. Muitos meses depois disso eu joguei essa roupa no mar, num lugar muito longe, porque por mais que eu lavasse, ficou com o cheiro da prisão.

Fomos colocadas em um fusca no banco de trás, havia duas pessoas na frente. Pararam o fusca e nós fomos encapuzadas. Era um capuz fedorento, já devia ter sido usado para tudo. E lá fomos nós para o DOI-CODI. Chegando ao quartel da Rua Barão de Mesquita, minha mãe e eu fomos separadas. Fui inteiramente revistada, a minha mãe deve ter sido também, e fui colocada em uma espécie de corredor polonês, sentada em uma cadeira de madeira.

Por que chamo de “corredor polonês”? Porque cada um que passava me dava um coque na cabeça ou me chamavam de comunista. Vinham perto do meu ouvido e me chamavam de comunista. E eu pensei: “está acontecendo alguma coisa”. Não sabia exatamente decifrar aquele ambiente. Como adolescente você não consegue entrar na leitura daqueles acontecimentos que não fazem parte do teu cotidiano, ou que conhece alguma história ou descrição. Eu tinha 15 anos e meio. Nasci em 1º de junho de 1955 e a prisão foi em 21 de janeiro de 1971.
No meio da tarde eu fui interrogada por um sujeito bastante grosseiro, moreno, grandão. Conforme ele foi falando comigo, foi me agredindo e eu fui respondendo. Ele foi perguntando dos amigos do meu pai, e eu respondia sobre aqueles que eu conhecia. Grande parte gente conhecida e, pensei, “público e notório que frequentam a minha casa”.
Gostaria de afirmar que este meu primeiro interrogatório foi extremamente violento. Eles colocaram na minha frente uma espécie de planilha, um gráfico enorme, parecia uma página dessas, do tamanho de uma cartolina, como um gráfico, com nome de pessoas, quadriculada.

A sensação que deu é que eles estavam organizando o que estava acontecendo e eles começaram a perguntar e olhar para aquele papel e perguntar de novo, olhar para mim para que eu confirmasse. Ele olhava para aquilo e me perguntava: “Tal pessoa é amigo do seu pai?”. Eu respondia: “É” ou “Não conheço”.

Quando o militar percebeu que não iria conseguir muita coisa, começou uma preleção no sentido de dizer alguma coisa como: “Então o seu pai era um grande comunista”. Não sei de onde eu tirei essa frase quando respondi, na hora, lembro bem disto porque o interrogador ficou sem resposta: “Eu não sei se ele é um grande comunista, porque eu não sei se ele conhecia alguma coisa sobre Marx”. Apesar de uma boa biblioteca, papai não era um bom leitor de literatura política. Foi um militante socialista, no entanto acho que nem Marx tinha lido na vida.

O interrogatório continuou nesta batida de expressão e conversa, digamos, quase adolescentes, até que certa hora o interrogador falou com um ar de que “chegamos onde eu queria”. Ele me disse assim: “Mas se o teu pai não é comunista, você é comunista”. Eu tomei um susto e disse: “O quê????” O interrogador: “Você é comunista e aqui está a prova”. Então ele tira de trás dele um trabalho escolar que eu escrevi no Colégio Sion para professora de História, Dona Ilma, sobre a invasão da Tchecoslováquia. Sobre a “Primavera de Praga”. Que relata a reação contra os russos em um momento em que, principalmente a cidade de Praga se rebela. Foi um trabalho que eu adorei fazer. Eu achei aquilo fantástico, como um povo tinha conseguido reagir e de uma maneira tranquila a um regime soviético, stalinista, que foi terrível.

Nesse momento que ele colocou esse trabalho na minha frente, eu dei um tal pulo, que deixou o interrogador com um sorriso tal que parecia que ele tinha comido um doce.
Eu falei assim: “Bom, esse trabalho é meu”. E em segundos se passaram mil coisas na minha cabeça: será que eles irão atrás da minha professora, Dona Ilma? O que mais eles pegaram lá em casa? Será que mais alguém poderá ser comprometido? Este trabalho foi inteiro feito no Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, do qual o Raul Ryff era o chefe e me franqueou horas e horas de trabalho.

Depois, no final da tarde, quando me levaram para a cela, tentei lembrar onde é que eles tinham pegado, em casa, o trabalho sobre a “Primavera de Praga”. Eu e minha irmã mais velha dormíamos no mesmo quarto, e cada uma de nós tinha um gaveteiro com trabalhos de escola e coisas como diários, fotografias. Eles devem ter revirado a casa toda. Principalmente quando fiquei dando voltas para voltar para casa, depois de ter ligado para meu tio em São Paulo.

Bom, voltando a esse primeiro interrogatório, por sorte ou por azar, entra nessa sala outro militar (não se sabia as patentes, não se sabia nomes, mas eles andavam com placas de metal no peito, à paisana); ele vira-se para o monstro na minha frente e fala: “Ei, cirurgião, nós temos um trabalho para você”. Aí se encerra o interrogatório. Imediatamente o interrogador se levanta, me colocam o capuz e sou levada de volta para o corredor. Não estou sentada muito longe desta sala pequena, com a mesa, debaixo de uma escada, onde se deram as conversas. No entanto, neste momento, começam acontecer torturas horrorosas em sala ao lado, mais adiante.

Não entendi muito bem o que estava acontecendo, mas para uma criança de 15 anos de idade ouvir “pelo amor de Deus, parem com isso”, repetido em sequência, foi a coisa mais alucinante que eu já ouvi em toda minha vida. Aquilo já não era mais um filme na minha cabeça, os gritos eram reais. A primeira vez que contei isso, eu não parava de chorar, porque quando ouvi a tortura estava vedada, com um capuz fedorento, me cobrindo a cabeça toda, em um corredor estreito, no dia 20 de janeiro, verão no Rio de Janeiro, dentro do DOI-CODI, sem nada que me fizesse entender a realidade, foi a coisa mais enlouquecedora do mundo.

Eu fiquei meio estática, pensando, tentando respirar: “Agora eu sei onde eu estou. Será que isso não vai parar nunca?” Não parava, e a coisa piorava. Ou seja, o tal do cirurgião tinha ido fazer uma sua cruel tortura cotidiana.

Também tinham dois rapazes, sentados no chão na minha frente. Toda vez que alguém passava os chutavam, e naquele lugar, porque eles davam berros tremendos.

Duas horas depois, fui novamente levada para interrogatório. Nesse segundo interrogatório, entra um pouco a cronologia dos fatos da morte de Rubens Paiva guardados comigo. Ou seja, porque eu sabia que papai estava morto, eu tinha quase certeza desde o momento que saí da prisão. Objetivamente começa a se configurar nesse segundo interrogatório. Esperava-me sentado atrás da mesa um segundo militar, um pouco mais velho, um pouco mais calmo, um pouco menos, digamos, animalesco. Vejam que só consigo descrever como criança, como garota. Qualquer outra pessoa mais velha descreveria de outra maneira. Ou seja, o sujeito era um pouco mais velho e um pouco mais sábio, não era o monstro que era o anterior, gordo e horroroso, peludo.

Com este interrogador, o clima foi um pouco melhor. Ele começou a conversar comigo de uma maneira pouco mais saudável: “Como é que você está?”. Quando ele fez essa pergunta, voltou de novo a configuração Rubens Paiva e eu disparei em exigências: “Não gosto deste capuz, ele está me incomodando. Não consigo respirar. Tenho 15 anos de idade, se o senhor não me liberar em 24 horas, o senhor pode ser denunciado”. Ele foi ouvindo e ficando cada vez mais com um ar mais grave, e eu continuei: “Estão me apalpando nesse corredor, estou ouvindo coisas horrorosas, eu estou achando tudo isto um absurdo. Têm uns meninos que estão sendo maltratados ali dentro, perto de mim. Além disso, estou ouvindo berros de gente que está sendo violentamente maltratada. Não estou entendendo o que está acontecendo… pegaram um trabalho meu de escola”. Disparei a falar e o militar cada vez mais quieto.
Nessa hora, nada foi perguntado, quem disparou a falar fui eu. Depois que eu me acalmei ele me disse para que eu repetisse o que estava acontecendo. Voltei a dizer e pedir, principalmente, que me tirassem o capuz. E respondeu: “tudo bem, a gente vai ver”. Acabou aí o interrogatório. Este militar imediatamente mandou tirar o capuz e me colocaram um venda, deu certo. Puseram uma venda e quando saí da sala consegui ver por baixo, quando a mamãe entrou.

Eu e a mamãe entramos juntas na cadeia, mas não a vi mais. Estávamos as duas vendadas. Quando eu saí deste interrogatório, ela entrou e ela sentiu que era eu e perguntou: “Filhinha, você está bem?” Com a maneira habitual, bastante doce da Eunice. Eu respondi: “Tudo bem mamãe, está tudo bem, não se preocupe, está tudo em ordem”. Ai que eu falei “Mamãe, tudo bem?”, “Sim, filhinha, como vai você?”. Até hoje eu não consigo reproduzir a doçura que foi aquilo lá, “Minha filhinha, como vai, você está bem?”

Aí fui colocada novamente nesta espécie de corredor polonês, com a venda, mas minutos depois a tortura recomeçou pior do que antes. Foi aí que comecei a ter uma crise de choro compulsiva. Já estava quase entardecendo, devia ser cinco, seis horas da tarde.

Acho que ficou evidente que eu não poderia continuar ali. Alguém veio até mim, pediu para que eu me levantasse e me levaram para uma cela onde pude tirar a venda. E, de novo, tive a sensação de que alguma coisa já deveria ter acontecido com papai, porque a coisa ficou, digamos, não light, mas os ataques pararam. Os gritos pararam, a pressão acabou até o meio dia da manhã seguinte.

Eu (e minha mãe foi colocada a duas celas depois da minha, o que vim a saber no dia seguinte) fui colocada em uma cela semiaberta, com chuveiro e latrina. Mas o terrível é que durante a noite foram colocados pessoas na frente da cela, gente amordaçada, gente encapuzada, amarrada, imobilizada. Não dava para ver quem eram. Estavam todos estranhamente quietos e eu só ouvia a respiração. Era uma respiração muito difícil por causa do capuz. Tinha um colchonete pequeno e imundo no chão. Acho que dormi e acordei várias vezes.
O dia amanheceu com a música do Roberto Carlos “Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui…”. Achei aquilo grotesco. Já não tinha mais ninguém deitado em frente das celas. Alguns guardinhas estavam por ali, com o quais conversei bastante, apesar do receio deles.

Ah sim, eu sempre esqueço que houve um terceiro interrogatório, porque estava morrendo de sono. Durante a madrugada eu fui interrogada uma terceira vez. De novo foi um interrogatório acho que mais para saber se eu estava bem, foi uma conversa tranquila. Por isto que digo agora que fica claro que papai estava ou já morto ou quase morto. Eles estavam recuando de maneira muito rápida, quer dizer, todo ataque que a gente tinha sofrido antes ou que teria sofrido, estava amainando muito rapidamente.

Pela manhã perguntei aos guardas se eles sabiam onde estava o meu pai. Perguntei individualmente para os dois que estavam de guarda e vinham me ver. Os dois ficaram assustados. Conversaram entre eles e a resposta veio: “Acho que seu pai foi levado lá para cima”. Depois o outro falou: “Acho que ele estava muito mal, mas eu não posso dizer mais nada”. Então perguntei para um deles sobre Eunice: “Quero saber onde está minha mãe. Você a viu?”

Ele foi confabular com o outro e veio com a resposta. Contou que minha mãe estava duas celas depois de mim. Pedi para que ele dissesse para ela que eu estava bem. Ele foi até a cela dela, voltou mais assustado me dizendo que ela estava estendida no colchão, sem se mexer.

Depois soube que mamãe ficou dois dias sem se mexer, imóvel, porque não sabia o que tinha acontecido comigo. Só a avisaram dois dias depois de me soltarem. Isto porque ela, Eunice, me contou, na única vez que conversamos sobre a prisão. Ela estava furiosa quando me contou que só disseram para ela que fui solta dois dias depois de eu sair. Eu ainda disse para ela; “Mas eu pedi para os guardinhas avisarem você”. E ela, já em casa, onze dias depois: “Pois é Eliana, não me disseram nada.” Esta foi a única conversa sobre a prisão que tive com minha mãe durante todos estes anos. Fora a bronca que tomei por ter trazido a bolsa dela. Cena que relato a seguir.

Eu fui solta em 24 horas e mamãe ficou onze dias presa. Quando eu saí da prisão, me tiraram da cela, com a minha vendinha, e me levaram para uma sala, espécie de sala de saída e me deram a bolsa da mamãe com tudo dentro. Nesta sala estavam dois militares. Outros dois, a paisana e desconhecidos que me ordenaram: “Agora você sai”. Eu respondi: “Não saio, só saio daqui com minha mãe, como cheguei”. Morrendo de vontade de sair dali correndo. Ainda falei: “Porque isso aqui é a bolsa da minha mãe, se ela souber que eu estou saindo com a bolsa dela com tudo dela, inclusive cigarro, ela não vai gostar”. “Não vou sair, não saio”. Eles: “Vai sair”. Eu, “Não vou sair”.

Ainda tentei negociar deixar cigarros e outras coisas, mas não deixaram. Colocaram a venda de novo, levaram-me até a saída, eu me lembro de ter assinado qualquer coisa, me colocaram em um fusca e me soltaram na Praça Saens Peña, na Tijuca. Fui para um bar ali ao lado e com a carteira de endereços da minha mãe e dinheiro, liguei para o Bocayuva Cunha ir me buscar. Foi uma conversa rápida por telefone. Pedi um sundae e esperei Bocayuva chegar. Não consegui comer, minha cabeça pensava em tudo, principalmente na minha mãe.

Bocayuva chegou com um médico da família. Conversamos sobre o que tinha acontecido. Quando entramos no túnel Rebouças, que liga a Zona Norte entrei em prantos, enlouquecida de dor e preocupação. Quando cheguei em casa meus avós maternos já estavam lá. Não me lembro dos meus irmãos. Durante onze dias quando a minha mãe esteve presa, eu botava maiô, saía de casa, dizia para o meu avô que estava indo à praia (porque meu avô, pai da minha mãe, é um italiano Facciolla, completamente histérico e não podia saber o que estávamos fazendo), pela praia eu caminhava até o final do Leblon, onde era o apartamento do Bocayuva Cunha.

Lá, alguns amigos dos meus pais se reuniam todos os dias pela manhã e iniciaram uma campanha nacional e internacional de pressão para a soltura de Rubens e Eunice. Foi Raul Ryff que me ajudou, inclusive, a redigir uma carta contando da minha prisão e pedindo a soltura dos meus pais. A ideia deles, desse grupo de amigos de papai, era tentar divulgar o sequestro de Rubens e Eunice, o mais rápido possível. Uma vez estive com meus avós ao 1º Exército no Rio, para levar roupas, objetos de higiene para os dois. Os militares não aceitaram tudo, mas pegaram uma ou outra coisa.

Recentemente, foi encontrada na casa do General Molinas uma lista em uma página datilografada de objetos pessoais e livros que teriam sido levados com papai para prisão. É aí que se confirma a impressão que tinha de que revistaram a casa inteira. Tinha livros, de dez a quinze livros e, certamente, foi neste momento que o meu trabalho escolar foi junto.
Quanto aos problemas relatados pelas crianças presas, eu também tive um estresse muito grande. Devia ter entre 24 a 25 anos de idade. Logo após o acidente do meu irmão Marcelo, que o deixou tetraplégico. Acho que foi o único momento em que não aguentei e alguma coisa disparou dentro de mim. Foi quando fiquei delirando por uns dois dias, consciente, tanto que recusei os remédios que me davam. Mas passou como veio. Porém, por mais estranho que pareça o que veio nesses delírios foi a memória de judeus e holocaustos que eu não deveria ter, porque eu não sou judia.

A explicação disso me parece meio óbvia: eu leio muito, histórias existem de todos os tipos, entre textos e imagens, sobre os campos de concentração nazistas. Foi esta a única referência objetiva que tinha quando tentei entender o que eu sei, li, vi, ouvi, senti e pensei no DOI-CODI. Eu pelo menos entendi que estava em um campo de concentração ali dentro. Sequestrada, maltratada e politicamente excluída.

Para concluir, acho importante saber onde foram parar os restos mortais de meu pai. Porque todos têm o direito de saber o que aconteceu. Já que a morte foi apurada. É preciso que as Comissões da Verdade insistam em saber onde estão os restos mortais. Quem foi que o matou não interessa tanto como saber onde estão seus restos mortais. Que assassinaram, que torturaram já se sabe. Os torturadores precisam ser identificados, sim. Mas é necessário que a história seja contada, porém vários fatos ainda faltam ser apurados.

Maria Eliana Facciolla Paiva nasceu em 1º de junho de 1955. Segunda de cinco filhos de Rubens Beyrodt Paiva e Maria L. Eunice Facciolla Paiva. Professora universitária, Jornalista, Editora de Arte. Possui Licenciatura em Educação Artística, com Habilitação em Artes Plásticas pela ECA – USP. Mestrado em Ciências, Curso Ciências da Comunicação pela ECA – USP. D.E.A. (Diplôme d’Études Approfondies) em Estéticas, Tecnologias e Criação Artísticas no Departamento Artes e Tecnologias da Imagem (A.T.I.) e Departamento de Artes Plásticas pela Université Paris VIII. Doutorado em Ciências da Comunicação, área Jornalismo pela ECA – USP. Concluiu Pós-doutorado pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é pesquisadora/colaboradora da Linha de Pesquisa Design, Comunicação, Cultura e Artes Departamento de Design e Artes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), como integrante do “Grupo Barthes: estudo dos aspectos subjetivos envolvidos nos processos de configuração e de recepção de objetos de uso e de imagens”.

Rubens Beyrodt Paiva nasceu em Santos em 26 de dezembro de 1929. Filho de Jaime Almeida Paiva, advogado, fazendeiro do Vale do Ribeira e despachante do Porto de Santos, e de Araci Beyrodt. Era engenheiro formado pela Universidade Mackenzie, em São Paulo, em 1954. Militou no movimento estudantil. Foi presidente do centro acadêmico da universidade e vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo.Em outubro de 1962 foi eleito deputado federal por São Paulo, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Teve seu mandato cassado no dia 10 de abril de 1964, um dia antes da edição do AI-1.
Exilou-se na Iugoslávia e depois na França e, durante a escala de uma viagem que fazia para Buenos Aires, conseguiu pegar um voo para São Paulo, seguindo para a casa de sua família, decidido a não mais sair do Brasil. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, voltou a exercer a engenharia e a cuidar de seus negócios, mas mantendo contato com os exilados.Em 20 de janeiro de 1971 estava na sua casa quando foi sequestrado por agentes da repressão. Foi apresentada na época uma versão oficial e falsa sobre seu desaparecimento que afirmava que seu carro havia sido atacado por indivíduos desconhecidos e que, a partir dali, nunca mais havia sido visto. Esta versão só foi publicamente desmascarada no ano de 2014, com documentos e depoimentos coletados pela Comissão Nacional da Verdade, com confirmações de agentes que assumiram participação e esclareceram as circunstâncias da tortura, morte e ocultação do cadáver de Rubens.
Em sua homenagem, a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, instalada em 2012, assumiu seu nome, como forma de resgate de sua memória.

Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva nasceu no Brás, em São Paulo, em 7 de novembro de 1929. Filha de imigrantes italianos, estudou no Colégio Notre Dame de Sion.
Conheceu Rubens aos 17 anos, através de Maria, irmã caçula de Rubens. Eunice e Rubens casaram-se com a mesma idade, aos 23 anos, em São Paulo, em 30 de maio de 1952. Formada em Línguas Neolatinas, pela Faculdade de Letras da Universidade Mackenzie, no início da década de 1950; pela mesma universidade, completou seu bacharelado em Direito, em 1977, quando foi paraninfa de sua turma. Teve cinco filhos: Vera Silvia (setembro de 1953), Maria Eliana (junho de 1955), Ana Lucia (fevereiro de 1957), Marcelo Rubens (maio de 1959) e Maria Beatriz (agosto de 1960).
Foi detida no dia 20 de janeiro de 1971, com sua filha Eliana, mesmo dia do desaparecimento de Rubens Paiva. Sua filha foi libertada no dia seguinte, mas Maria Lucrécia permaneceu presa por doze dias, incomunicável.

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