Acho que a minha história todo mundo já conhece bem, então só vou reforçar. Fui presa em São Sebastião, com três dos meus quatro filhos. O Gregório não foi preso porque estava com a minha sogra. Foram presos o Virgílio, com 6 anos, o Vlademir, com quase 8 e a Isabel, com quatro meses. No caminho de São Sebastião para São Paulo houve um acidente sobre o qual eu nunca falei. O carro capotou, eu desmaiei, os meus filhos estavam junto comigo e viram o acidente também. Fui levada ao hospital para ver se tinha me machucado. Depois viemos para São Paulo e fomos diretamente para a Operação Bandeirante, onde começaram a me interrogar, fazer perguntas sobre o Virgílio.

Eu falei para eles que tinha as crianças pequenas, que a Isabel precisava se alimentar e eu precisava de alimentação para eles. Então deram uma mamadeira para a Isa e depois fui separada dos meus filhos. Sei que eles sofreram. E eu sofri ainda mais, porque não sabia nada e aquela situação era dura para mim, sozinha na Operação Bandeirante, sem ter notícias de ninguém e perder o que era mais querido para mim, os meus filhos.

Fiquei incomunicável por quatro meses no presídio. Todo mundo tinha visita, mas eu não. Diziam que eu era muito perigosa e não podia ter visita. Meus filhos iam todo domingo me visitar, mas não deixavam eles entrarem. Até que um dia, depois de quatro meses, embora eu ainda estivesse incomunicável, deixaram a Isa entrar no presídio. Ela era bebê, tinha uns oito meses, ainda não andava. Eu fiquei louca com a minha filha lá. Passeava com ela, mostrava para uma, para outra. Até que caí na escada. Havia uma escada da torre para outras celas e torci o pé e caí. Chamaram a polícia, que veio, me algemou, me colocou numa maca e levou para o hospital. Na saída, entreguei a Isa para a minha irmã que estava lá esperando. Meus filhos estavam lá também, mas acho que eles não me viram deitada na maca.

Tem também a história do álbum de fotografias. Quando me entregaram as fotografias no presídio para ver os meninos, as carcereiras vieram na hora que terminou a visita e queriam que eu entregasse as fotografias porque eu estava incomunicável. Então as companheiras todas se revoltaram, falaram: “Como que iam pegar a fotografias?” Disseram que fotografia não transmitia nada, que eram apenas os meus filhos. Uma das carcereiras falou que não, que eu não podia ficar com as fotos deles porque estava incomunicável. Mas as companheiras todas se revoltaram e eu consegui ficar com as fotos.

São coisas que vão marcando, a gente vai lembrando aos poucos e aí cada coisa é uma mais dura que a outra, mais triste, e cada coisa que a gente vai lembrando é como se desse uma punhalada. Eu peço desculpas. A gente chora é porque é duro mesmo, quem passou por isso sabe que é difícil a gente relembrar do passado sem chorar.

Ilda Martins da Silva nasceu em 30 de maio de 1931 em Lucianópolis (SP). Mudou-se para a cidade de São Paulo em 1941, e foi trabalhar na empresa Nitroquímica de São Miguel Paulista.
Foi no movimento sindical que ela e Virgílio se conheceram. Casados, tiveram quatro filhos.
Em 29 de setembro de 1969, Virgílio foi preso, Ilda foi sequestrada em São Sebastião, no litoral de São Paulo, junto três de seus quatro filhos: Vlademir, Virgílio e Maria Isabel, um bebê de quatro meses. Gregório, então com dois anos, não foi levado por não estar em casa. Ilda permaneceu presa por nove meses, ficando incomunicável sem qualquer notícia dos filhos por quatro meses. Na Operação Bandeirante, foi torturada. Depois, foi transferida para o DOPS e, por último, esteve no Presídio Tiradentes. As crianças foram enviadas ao Juizado de Menores e ameaçadas por agentes da ditadura de serem entregues para adoção.
Perseguida após sair do Presídio Tiradentes, seguiu um ano depois para o exílio, inicialmente no Chile, por um ano, e depois em Cuba, de onde retornou após a formatura dos quatro filhos, em Havana. Desde então, Ilda e seus filhos seguem lutando por memória, verdade e justiça. Hoje, vive em São Paulo (SP).

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