/Mortos e Desaparecidos
ORGANIZAÇÃO:
INICIAL DO NOME:
OTONIEL CAMPOS BARRETO
OCORRÊNCIADesaparecido em Salvador-BA após ter sido assassinado no povoado de Buriti Cristalino, no município de Brotas de Macaúbas (BA) no dia 28 de agosto de 1971
BIOGRAFIA
Nasceu em 11 de abril de 1951, em Brotas de Macaúbas (BA), filho de José de Araújo Barreto e Adelaide Campos Barreto. Morto em 28 de agosto de 1971. Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Camponês, viveu sempre em Buriti Cristalino, na residência de seus pais. Foi um jovem alegre e prestativo, plenamente integrado na sociedade local. De família hospitaleira, era muito querido por suas habilidades no futebol e no violão. Ajudava o pai na lavoura e no comércio. (Dossiê Ditadura, p. 274)
Seus pais eram conhecidos na região por Zé Barreto e dona Nair. Tiveram 10 filhos, três deles não sobreviveram, naquela época as condições de parto eram precárias, o nascimento naquela terra já era uma vitória e sobreviver exigia uma luta diária. O casal camponês morou por um tempo no povoado do Pé do Morro, mas em 1951 mudaram-se com os filhos para o Buriti Cristalino. Eles mantinham um padrão de vida simples, possuíam uma loja de tecidos ao lado de casa, plantavam na roça, cuidavam do gado e seus sete filhos ajudavam nos afazeres. Zequinha, Olderico, Ana, Maria Dolores, Otoniel, Ednalva e Olival foram criados dentro de uma educação muito rigorosa, seus pais eram católicos fervorosos, exigiam perfeição nas tarefas, por acreditarem que era a melhor forma de torná-los cidadãos de bem. A labuta de Zé Barreto era diária atrás do balcão do seu pequeno comércio. Ensinou seus filhos a trabalhar, ajudar a cuidar da roça e do gado, acordavam na madrugada e estendiam as atividades até o anoitecer. (Zequinha Barreto: A trajetória de um revolucionário)
Naquele tempo, a região de Brotas de Macaúbas vivia alheia aos acontecimentos políticos do país. O isolamento era tal que se contava apenas com o rádio como meio de informação. Em fins de 1968, seu irmão Zequinha, metalúrgico em Osasco (SP), foi preso, despertando-o para a política. Em 1971, Zequinha voltou a residir na casa dos pais e passou a ter um convívio mais próximo com seus irmãos. O convívio, porém, foi muito curto, pois em agosto do mesmo ano a família foi surpreendida pelo aparato repressivo da Operação Pajussara, que provocou a morte de Otoniel, Luiz Antônio Santa Bárbara e Zequinha.
- EXAME DA MORTE OU DO DESAPARECIMENTO FORÇADO ANTERIORMENTE À INSTITUIÇÃO DA CNV
- CIRCUNSTÂNCIAS DA MORTE OU DO DESAPARECIMENTO FORÇADO
O exército brasileiro encomendou a Operação Pajussara. Foi assim denominada pelo líder, o major Nilton Albuquerque Cerqueira, chefe da 2ª Seção do Exército na Bahia, em homenagem à sua praia favorita de Alagoas. Ele e Sérgio Paranhos Fleury, chefe do esquadrão da morte de São Paulo, foram as principais cabeças da operação. Iara Iavelberg foi um dos primeiros alvos, descobriram o apartamento que ela estava em Salvador e foi morta no dia 20 de agosto de 1971.
Aproximadamente 215 homens estavam envolvidos na caça a Lamarca e Zequinha. Já havia confirmação de que o exército chegara a Oliveira dos Brejinhos. Os irmãos Olderico e Otoniel viveram um momento de tensão. Zequinha tinha ido a Brotas de Macaúbas, mas tinha marcado um encontro em três horários diferentes e nada de aparecer. Olderico pensou: foi preso! Discutiu com Otoniel que providências deveriam tomar e, de repente, ouvem o irmão assobiando “A Internacional”, uma canção definida como senha. Lamarca veio junto, ainda brincou: - Volte imediatamente. Vá se entregar à repressão. Só assim saberemos se os planos que fizemos aqui vão dar certo.
Zequinha ficou rindo e explicou o motivo da demora. Uma mula solta no pasto deu trabalho para pegar. A última reunião aconteceu no final da tarde. Ficariam no acampamento: Lamarca, Zequinha e Santa Bárbara. Por volta de meia noite, Olderico e Otoniel foram para casa, já haviam planejado uma história para contar, caso o exército chegasse. Durante a madrugada, Santa Bárbara resolveu voltar para a casa da família Barreto, sem que seus companheiros percebessem.
A equipe “ALFA” localizou o “aparelho rural” por eles chamado de Fazenda Buriti [segundo o relatório da Operação Pajussara]. Na manhã de 28 de agosto de 1971, Maria Dolores, irmã de Zequinha, 15 anos, tinha saído bem cedo para buscar água em um riacho perto. Na época, o povoado não tinha água encanada. Por volta das seis e meia da manhã, Dolores retorna com a lata d’água na cabeça e de longe avistou homens com metralhadoras cercando a frente da sua casa. Ela estava no meio de uma roça, pegou um caminho diferente para tentar chegar pelos fundos. Entrou pelo mato, passando por trás de umas pedras.
Dolores sabia do que se tratava, embora não conhecesse Lamarca, sabia que tinha um amigo de Zequinha na propriedade da família. Ela queria avisar seus irmãos. Não adiantou. Tanto o muro da frente da casa e a cerca dos fundos estavam tomados pelo exército. Os homens preparavam-se para o ataque, Dolores passou no meio deles e nem foi percebida. Viu que não dava para entrar em casa e optou por entrar na casa de alguém. Muitos fecharam a porta, o terror dos moradores instalava-se naquele momento. Dolores conseguiu se esconder e teve que sair do povoado. (Zequinha Barreto: a trajetória de um revolucionário)
O relatório oficial da Operação Pajussara não descreveu os embates ocorridos na Fazenda Buriti, limitando-se a informar que, na madrugada daquele dia, os agentes cercaram e investiram contra o local onde acreditavam estar Lamarca. Afirmaram apenas que a operação “[…] redundou nas mortes de Luiz Antônio Santa Bárbara, “Merenda”, Otoniel Campos Barreto, bem como ferimentos e prisão de Olderico Campos Barreto”. É esclarecedor, contudo, quando descreve as características da ocupação do local feita pelas Forças Armadas, mostrando que a o povoado do Buriti Cristalino, chamado pelos agentes de Fazenda Buriti, se transformou, temporariamente, em base assemelhada a um estabelecimento policial, conforme citação: “[…] em Fazenda Buriti houve grande concentração de equipes, após o estouro do ‘aparelho’, em face da necessidade de desenvolver intenso patrulhamento”. Os dados do relatório citado foram confirmados pelos depoimentos dos moradores e constam do auto de qualificação e interrogatório de Olderico Campos Barreto, de 18 de abril de 1979, na Auditoria da 6ª Circunscrição Judiciária Militar. Rosalvo Machado Rosa e Reuel Pereira da Silva, arrolados como testemunhas no processo contra Olderico, confirmam que sua casa foi cercada por agentes policiais. Reuel informa também que, como guia dos agentes, “[…] passou no local dos fatos cerca de uma semana”. (Dossiê Ditadura, p. 275)
A morte de Otoniel ocorreu também em 28 de agosto, e foi divulgada pelos jornais, os quais afirmaram que ele efetivou um disparo de arma de fogo e saiu correndo, em ziguezague, quando foi atingido. O laudo necroscópico, contudo, é impreciso e não estabelece a trajetória dos disparos, mas permite concluir que recebeu um disparo na cabeça, de frente, e foi metralhado pelas costas. Há ainda um disparo no ombro direito, com orifício de entrada de cima para baixo, indicando que deveria estar deitado ao receber tal projétil. No interrogatório judicial de Olderico, irmão de Otoniel, temos o relato do acontecido: Otoniel foi detido e espancado; Olderico, reagiu, sendo atingido por um disparo no rosto. Quando recobrou os sentidos, foi preso e conduzido, juntamente com o pai e o irmão, para a frente da casa. Otoniel foi despido, ficando apenas de calção. Havia uma arma de fogo na sua calça, deixada nas proximidades, fato não percebido pelos agentes. Levaram o pai para o barracão e o penduraram por uma corda, de cabeça para baixo, e com socos, golpes de armas e ameaças de morte, exigiram saber o paradeiro do filho Zequinha. Do lado de fora, Otoniel, desesperado pelo sofrimento do pai, alcançou a arma, deu um disparo e saiu correndo, quando foi atingido. Olderico disse que, enquanto era espancado, um policial lhe falou, referindo-se ao seu irmão morto: “Isso é para ver o que acontece com quem foge”.
O relator do caso de Otoniel na CEMDP, Luís Francisco Carvalho Filho, escreveu em seu voto: “Reuel Pereira da Silva, soldado e morador no município, deu dois depoimentos à Justiça Militar, um em 1972 e outro em 1979. No primeiro dos depoimentos, além de esclarecer que se engajou na equipe de repressão, confirma que Otoniel já estava detido, sob sua guarda, antes de morrer, e esclarece que naquele momento o pai dos rapazes havia sido conduzido, algemado, para um barracão. Diz que foi surpreendido e atingido de raspão pelo tiro dado por Otoniel (informação desmentida pelo relatório da ‘Operação Pajussara’, que não registra vítimas, e por ele próprio, no depoimento de 1979). O depoente não conseguiu segurar Otoniel, apesar de sair em seu encalço, sendo que outros agentes o perseguiram, ouvindo depois diversos disparos”. (Dossiê Ditadura, p. 275)
Ressaltou que “[…] a atitude negligente dos policiais de deixar uma arma a seu alcance não retira a responsabilidade do poder público”. E conclui: “Se atiravam pelas costas, o provável é que Otoniel tenha sido atingido, primeiro nas costas (o laudo registra dois tiros disparados pelas costas)”.
E questionou: “[…] e os outros tiros, um na cabeça, pela frente, e outro no ombro, de cima para baixo? Execução? O fato é que os disparos, todos direcionados para o tronco e para a cabeça, indicam a intenção de matar, não de imobilizar, quando a finalidade legítima de qualquer operação militar é deter. O fato é que as forças oficiais estavam ali, como registra o relatório da Operação Pajussara, para “capturar ou destruir”. Esta é a lógica da guerra, não é a lógica do Direito, que deve prevalecer na ação dos agentes do poder público. Destruir, por destruir, não é, não era, uma atitude juridicamente tolerável, até mesmo durante período de exceção institucional”. Assim, votou pelo deferimento. Em 19 de novembro de 1996, os dois casos, o de Otoniel e o de Santa Bárbara, foram apresentados pelo relator Luís Francisco Carvalho Filho, sendo o de Otoniel aprovado por 4 votos a favor e 2 contra, os do general Oswaldo Pereira Gomes e Paulo Gustavo Gonet Branco. O corpo de Otoniel, que fora sepultado no cemitério local, foi exumado no dia seguinte ao sepultamento e transportado para Salvador, segundo seus familiares, razão pela qual requereram também sua localização e o traslado para o cemitério onde foi originalmente sepultado”. (Dossiê Ditadura, pp. 276-277)
No dia 15 de julho de 2014 a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e a Comissão Nacional da Verdade (CNV) realizaram audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo quando foram colhidos depoimentos de Olderico Campos Barreto e Olival Campos Barreto. Olderico em seu depoimento afirmou: “A casa da gente foi cercada, tenho aqui, ao meu lado, meu irmão, que tinha 11 anos, e que presenciou todo esse cenário de guerra, de violência, numa situação que, até hoje, ela é inesquecível pra nós, pra ele. E, a família, passou por um processo que não parece nada com coisa do Brasil, nada com a realidade nossa, uma coisa totalmente fora dos padrões, de sofrimento, nacionais. A gente pode dizer na qualidade de familiar, que no dia 28 de agosto de 1971, a gente amanheceu com nossa casa cercada, e, nesta casa, que estava meu pai, meu pai, essa criança, que tinha 11 anos, minha irmã de 15 anos, 16, e receber... Eu estava ali, Zequinha já não estava ali, nós já tínhamos um prenúncio de que já estava, o cerco tático daquela Operação, já estava acontecendo. E, Zequinha, já saiu dali numa quarta, isso foi no sábado, esse 28 de agosto, e Zequinha mantinha distância, porque... E nós já tínhamos uma vigília. Nós passávamos a noite nos revezando, dormia-se duas horas, o outro acordava o que estava vigiando. E nós já estávamos com esse estado de vigília, na casa. E, esse estado de vigília, de alguma maneira, nos deixou com alguma preparação. Porque as pessoas que não participaram dessa vigília, as crianças, que foram totalmente surpresa, pra mim foram o maior, foram os mais atingidos, os mais, não é, a ausência... O fator surpresa, tudo. Então, eu vinha participando dessa vigília, junto a Santa Bárbara, junto ao Otoniel, que ainda estavam dentro de casa, um dormia até sete horas da noite, outro dormia, depois acordava, e, nós tínhamos, nessa noite, então, de 28 , pra amanhecer o dia 28 , nós, eu e o Otoniel, acabávamos de chegar do acampamento, onde estavam o Zé e o Lamarca , estava a mais ou menos 1500 metros de distância do povoado , e a gente chegou dali, com uma missão, apenas, que era a mais importante: era de manter os nossos companheiros informados. Eles não queriam, escutaram, pediram, nós não tínhamos que reagir, nós não tínhamos que nos, era importante, se possível, visse alguma coisa, se visse um corpo estranho, nos escondesse, depois, se aparecesse para dar informação, era. E, ali, se esperava tropas regulares, porque tinha uma notícia de que, num município, já haviam queimado um cartório, uma ação, típica, da esquerda brasileira, não é, de protesto, de queima de cartório, e que este cartório ia ser investigado. Se esse cartório ia ser investigado, nós, pelo fato de Zequinha estar ali perto, no município vizinho, e esse cartório ia ser investigado, poderiam ir uma investigação até a nossa casa, e isso levou o Zequinha a nos deixar um recado: caso haja alguma, chegue alguém da Repressão , qualquer que seja a repressão , que a gente dissesse que Zequinha saiu, se insistisse, quisesse arrancar da gente, a gente pudesse dizer que ele foi pra Ibotirama, dando já uma saída, pra que a gente não morresse na tortura, e que ele disse que só voltaria depois que descobrissem a queima desse cartório. Que, na realidade, esse cartório já fez parte da estratégia da Operação Pajussara, de queimar um cartório, para poder Lamarca não se afastar dali [...]Então, esse fator, aí, nós já passamos pelo primeiro fator surpresa, quando vimos a nossa casa cercada por homens armados, metralhadoras, fuzis, e sem farda. Isto, nós esperávamos. Todo raciocínio que eu tinha com meus 23 anos, de inexperiência em tudo, mas, quando vi aqueles homens que já eram a imagem , esses homens, eu tinha passado, aqui, estava num bar, um bar, padaria, e vi aqueles homens sentados, de metralhadoras, depois do assassinato de Marighella Isso eu tinha visto em São Paulo, e, depois, de outros assassinatos, lá em Altino, e que eu vi aqueles homens, que eu, inclusive, passei por eles num bar, apanhando um pão, e vi esses homens chegarem na minha casa, então eu identifiquei que era o Esquadrão da Morte, e senti a necessidade de informar os companheiros. Porque, em casa, não tinha nenhuma tropa regular, e, sim, o Esquadrão da Morte, e, aí, não tinha como a gente sair, mais. Otoniel recebeu uma coronhada, no abrir da porta do fundo de casa, e, no receber essa coronhada, ele estava assistindo, na realidade, a gente tinha dois revolverzinhos no bolso, e Tadeu, meu primo, me chama já que o Buriti estava cercado por homens armados, e eu fui chamar o Otoniel, que era a única pessoa, que nós acabamos de chegar, à meia noite, fui lá, acordá-lo, para dar essa informação. E na hora, pelas informações que a gente tinha de Zequinha e Lamarca, guardar nossos revólveres, ficamos discutindo o que fazer: “Toni, você guarda o seu num lugar, e eu guardo o meu no outro, porque, se acharem um, não acham os dois”. E, aí, ficamos imaginando. Nisso, ele vai saindo para o fundo da casa, e o nosso portão, cortado horizontalmente, tinham duas metades, quando ele abre a parte superior, levantam quatro armas, ali. Ali, eu tinha visto três metralhadoras e um fuzil, nesse portão. E, no abrir, ele tomou um susto, o cara já puxou ele pela camisa, pela abertura, e puxaram pra fora, e, o do fuzil, já deu uma coronhada, e já jogaram ele, pra fora, e viraram as armas pra mim. E é nessa hora que eu fiquei com a opção, ou de me entregar, ou de avisar. Mas o avisar falou mais alto, e eu digo: “Não, não vou me entregar, morrer, aqui, sem avisar meus companheiros, que vão acabar, também, morrendo aqui”. E, aí, como eu não consegui guardar esse revolvinho, que era um revólver calibre 32, que era muito levezinho, que a gente viajava, muito, a cavalo, por serras, e é bom dizer que, no Buriti, não tinha estrada de rodagem, todo percurso que a gente fazia por aquelas serras, era a cavalo ou a pé, então, acabei utilizando desse revólver para sair, avisar meus companheiros desta presença. E, ali, quando eles foram prendendo Otoniel, que puxaram pra lá, viraram essas armas para mim, e: “Venha você, também”. Eu estava ao redor, encostado na nossa mesa da sala, e tinha uma varanda, pela frente, onde tinham duas portas, à esquerda: a entrada da cozinha, e, mais adiante, a entrada de um quartinho. Quando eu vi as armas, eu digo: “Se eu entrar naquele quartinho, eles me atingem”, porque ficava só um meio metro de parede. Então, fui andando, obedecendo essa trajetória, e entrei na porta da cozinha. A porta da cozinha estava aberta, então, do jeito que eu fui seguindo, eu me escondi. E, ali, tomei a decisão, qual seria, e a decisão foi essa: se eu caio, aqui, primeiro, a tendência era, morrer, morrer, que eu já conhecia do grupo, era você morrer na tortura. E, morrer na tortura, e levar os outros companheiros na morte. Então resolvi, peguei esse revolvinho 32, saí com ele, e, quando eu botei a cabeça, só via a cabeça dos homens no portão, eles fecharam a parte de baixo, e eu só via os olhos, deles, e as bocas das armas, estavam todos, em mira, na minha direção. Dei o primeiro disparo, eles limparam esse portão, mas, eu já comecei a ouvir, dos dois cantos da casa, o tiroteio pro meu lado, e, em seguida, eles entraram os três, ficaram três fontes de tiroteio. E é bom dizer isto: eu achava aquilo baixo. Eu estava achando muito pouco, que era um amanhecer, e meus companheiros estavam muito distantes. Não era um tiro para acordar alguém, ali. Eu queria mais. Eu acho que, se tivesse morrido, e morri, depois, por algum tempo, mas morria achando que ainda não tinha cumprido minha missão, que aquele barulho ainda não era suficiente para romper 1.500 metros, para chegar lá. E, aí, eu minimizava esse barulho, e achava até, que era, eu pensei inicialmente, quando não me atingiram, que aquilo fosse bala de borracha, eu pensei, digo, deve ser uma brincadeira, e não acreditei, até que fui ferido. [...]Eu só queria acordar esse pessoal [Zequinha e Lamarca, que estavam no acampamento], e dizer: “Não é tropa regular, não é nenhuma arma o que está aqui, e, sim, é o Esquadrão da Morte”. Eles estavam num pico de um morro, atrás de uma propriedade da gente, que, pra propriedade, é de dois km, mas na linha reta desse pico de morro dava, em média, 1.500 metros”. (Anexo 004-transcricao-audiencia.pdf)
Olival Barreto acrescentou: “Não é fácil, pra mim, falar sobre esse assunto. Principalmente assim, em público. Eu já tentei umas vezes, aí, e não consegui. Vou ver se eu consigo, hoje, falar alguma coisa, falar do que eu presenciei lá, mais da parte, mesmo, da Operação, quando eles invadiram nossa casa. E as cenas de brutalidade, mesmo, que eu presenciei, com a idade que eu tinha, estava completando 12 anos, então, são coisas, assim, que ficou marcado, mesmo. E, durante esse período todo, eles ficaram instalados, na nossa casa, durante uma semana. Eu assisti muito eles batendo no meu pai, não é, ouvia os gritos dele. E não foi ele. Foi uma coisa muito pesada pra minha infância, e até hoje. Então, eles ficaram por ali, na nossa casa. No momento em que eles chegaram, houve a morte do Otoniel e do Luiz Antônio, que era o Roberto, nosso professor, que Zequinha tinha levado pra lá, para dar aula para nós. [...] E, durante esse período, eles ficavam com meu pai, pra cima e pra baixo, levando eles pra fazer aquelas buscas, ali, que o que eles queriam, mesmo, era pegar o Cirilo, que eles chamavam o Lamarca de Cirilo. Era, “E o Cirilo, o Zequinha, onde é que eles estão?”, essa coisa. Eu sei que eles ficaram por ali de 28 de agosto, foi num sábado, até a sexta-feira seguinte”. (Anexo 006-transcricao-audiencia.pdf)
Após os depoimentos a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” e a Comissão Nacional da Verdade receberam o pedido da família Barreto para auxílio na localização dos restos mortais de Otoniel Campos Barreto e José Campos Barreto. O ofício encaminhado diz: “A Operação Pajussara, criada especificamente para matar o Ex-Capitão do Exército, Carlos Lamarca, o principal líder da luta contra a ditadura no Brasil, foi executada em duas etapas distintas. A primeira, comandada pelo chefe do “Esquadrão da Morte de São Paulo”, o delegado Sérgio Fernandes Paranhos Fleury, foi deflagrada na madrugada de 28 de agosto de 1971, no povoado de Buriti Cristalino, no município de Brotas de Macaúbas, no Estado da Bahia, onde o alvo principal foi a casa do senhor José de Araújo Barreto, (pai de Otoniel e José Campos Barreto), na qual foram ceifadas as vidas de Otoniel Campos Barreto, e a do professor do local, Luiz Antonio Santa Bárbara, além de ferir e prender Olderico Campos Barreto, irmão de Otoniel. É válido ressaltar que na tarde do mesmo dia, foram sepultados no cemitério local, os corpos de Otoniel e de Santa Bárbara, sendo os mesmos, na manhã do dia seguinte, arrancados e levados para Salvador. Fleury deixa a região em 7 de setembro e logo depois, inicia-se a segunda etapa, liderada pelo então major Nilton Cerqueira, à qual, termina em 17 de setembro de 1971, culminando com o duplo assassinato do Ex-Capitão Carlos Lamarca e seu companheiro, o ex-seminarista José Campos Barreto, ambos, exauridos, dormindo ao pé de uma árvore, segundo testemunhas, Lamarca já vinha há dias, sendo carregado pelo seu companheiro Zequinha. Os corpos dos “guerrilheiros” foram levados para Salvador, permanecendo até 25 de setembro no IML, quando, separadamente foram sepultados no Cemitério do Campo Santo em Salvador. A Diocese local, através do Bispo Dom Luiz Cápio, vem realizando desde setembro de 2001, no povoado de Pintada, a celebração dos mártires de sua jurisdição. As celebrações foram evoluindo a cada ano, materializando-se na edificação de um Memorial, que tem como finalidade, além da preservação da memória, um espaço específico em sua estrutura, para acolher os restos mortais de todos, que, segundo Dom Luiz, não tiveram direito a um sepultamento digno. Na 13ª edição, já foi possível o traslado de Jota e Manoel Dias, líderes comunitários, assassinados por pistoleiros de aluguel, que ocuparam seus espaços em duas vitrines a eles reservadas, que, sob a bênção de Dom Luiz, acompanhado por 12 sacerdotes, uma clara alusão ao calvário, realizou-se a mais comovente celebração. E, diante da multidão, Dom Luiz anuncia para 2014, o traslado dos outros, assassinados pela famigerada “Operação Pajussara”. Para tanto, pede o empenho dos familiares para ajudá-lo, sobretudo, na burocracia da localização dos restos mortais. E é este o ponto crucial para a família Barreto, que, há mais de 15 anos vem insistindo junto ao IML e o Cemitério do Campo Santo em Salvador e obteve-se apenas a resposta, dada a uma petição emitida pela saudosa advogada, Dra. Ronilda Noblat, onde o IML respondeu evasivamente: “Não há ninguém sepultado com os nomes de José e Otoniel Campos Barreto. Se foram aqui sepultados, foram como indigentes. O intrigante, é que, os jornais da época, davam até o nº das sepulturas.Diante do exposto, vem os familiares de José e Otoniel Campos Barreto, solicitar o empenho das aludidas Comissões, sentido de localização e traslado dos restos mortais de seus entes queridos para o Memorial erguido na comunidade de Pintada, município de Ipupiara – BA”. (Anexo 002-pedido-familia-barreto)
• IDENTIFICAÇÃO DO LOCAL DA MORTE OU DO DESAPARECIMENTO FORÇADO
Morto no povoado de Buriti Cristalino, município de Brotas de Macaúbas-BA, desaparecido em Salvador, no cemitério do Campo Santo.
- IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA
1. Cadeia de Comando do(s) órgão(s) envolvido(s) na morte ou desaparecimento forçado
2. Autorias de graves violações de direitos humanos
Nome |
Órgão |
Função |
Violação de direitos humanos |
Conduta praticada pelo agente (descrita pela fonte) |
Local da grave violação |
Fonte documental/testemunhal sobre a autoria |
NILTON ALBUQUERQUE CERQUEIRA |
I Exército/Guanabara-RJ |
Major e atualmente General |
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Tortura, assassinato e ocultação de cadáver |
Povoado de Buriti Cristalino-BA |
Relatório da Operação Pajussara
Dossiê Ditadura (p. 274) |
SÉRGIO PARANHOS FLEURY |
DOPS-SP |
Delegado |
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Tortura e assassinato |
Povoado de Buriti Cristalino-BA |
Relatório da Operação Pajussara
Dossiê Ditadura (p. 274) |
REUEL PEREIRA DA SILVA |
Delegacia de Polícia Civil de Brotas de Macaúbas |
Soldado |
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Assassinato |
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Relatório da Operação Pajussara
Dossiê Ditadura (p. 274) |
TITO ROLANDO FILGUEIRAS DE SOUZA |
Delegacia Regional da Bahia/Departamento de Polícia Federal |
Datiloscopista |
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Auxiliou no ocultamento do cadáver |
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Relatório feito pelo agente Tito Rolando afirmou “ao chegar na respectiva cidade, apresentei-me ao major Cerqueira, Chefe das operações no local, em consequência, recebi ordens de ali permanecer e aguardar novas instruções. Fui informado por aquela autoridade, que o levantamento Datiloscópico somente poderia ser feito em Salvador. Ponderei, então, que era conveniente ser feito no local onde estavam os corpos, pois os mesmos ainda ofereciam possivelmente condições, face a condição de morte recente, o que facilitaria sobremaneira o trabalho técnico [...] Por ordem do senhor Major Cerqueira recebi a incumbência de acompanhar os dois corpos, respectivamente de Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Campos Barreto, bem como escoltar o preso Alderico (sic) Campos Barreto, este ferido em razão do estouro do aparelho rural, desta maneira fomos transportados para esta capital em Avião C-47 da FAB que desceu na base aérea do Salvador às 16:45 horas. O elemento foi entregue ao comando da Base Aérea e os dois corpos foram colocados em viatura desta DR que ali já estava estacionada e dirigida pelo motorista policial WALDEMAR NASCIMENTO e pelo agente federal NILTON MUNIZ BARRETO”. O documento teve despacho assinado também pelo coronel e chefe da polícia federal LUIZ ARTUR GOMES DE CARVALHO (pp. 56-57) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf) |
MANOEL PETRONÍLIO DA SILVA |
Delegacia Regional da Bahia/Departamento de Polícia Federal |
Motorista |
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Auxiliou no ocultamento do cadáver |
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Esse motorista levou o agente Rolando para encontrar Nilton Cerqueira e executar a tarefa de levar o corpo de Otoniel e demais vítimas da Operação Pajussara (pp. 56-57) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf) |
WALDEMAR NASCIMENTO |
Delegacia Regional da Bahia/Departamento de Polícia Federal |
Policial |
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Auxiliou no ocultamento do cadáver |
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Levou as vítimas após chegaram de avião em Salvador. (pp. 56-57) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf) |
NILTON MUNIZ BARRETO |
Delegacia Regional da Bahia/Departamento de Polícia Federal |
Agente federal |
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Auxiliou no ocultamento do cadáver |
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Auxiliou no transporte das vítimas após chegarem em Salvador. (pp. 56-57) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf) |
LUIZ ARTUR GOMES DE CARVALHO |
Departamento de Polícia Federal |
Coronel e chefe do departamento |
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Auxiliou no ocultamento do cadáver |
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Conhecido torturador, esteve no dia do assassinato de Iara Iavelberg e se encarregou de fazer e controlar os sepultamentos das vítimas da Operação Pajussara, conforme Anexo 003-processo-cemdp.pdf |
FRANCISCO PEIXOTO FILHO |
Instituto Médico Legal Nina Rodrigues-BA |
Médico-legista |
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Falsificação de laudo necroscópico |
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O laudo descreve algumas lesões e resume a causa da morte como sendo “anemia aguda”, antes de ser morto, Otoniel foi torturado, conforme depoimentos acima.
“O laudo necroscópico, contudo, é impreciso e não estabelece a trajetória dos disparos, mas permite concluir que recebeu um disparo na cabeça, de frente, e foi metralhado pelas costas. Há ainda um disparo no ombro direito, com orifício de entrada de cima para baixo, indicando que deveria estar deitado ao receber tal projétil”. (Dossiê Ditadura, p. 275)
(pp. 74-73) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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FERNANDO MARQUES LIMA |
Instituto Médico Legal Nina Rodrigues-BA |
Médico-legista |
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Falsificação de laudo necroscópico |
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(Dossiê Ditadura, p. 275) (pp. 74-73) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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- FONTES PRINCIPAIS DA INVESTIGAÇÃO
Conclusões da CEMDP; Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. Livro “Lamarca: o capitão da guerrilha” dos jornalistas Emiliano José e Oldack Miranda; Livro-reportagem “Zequinha Barreto: A trajetória de um revolucionário” da jornalista Thaís Barreto
1. Documentos que elucidam as circunstâncias da morte ou desaparecimento forçado
Identificação da fonte documental (fundo e referência) |
Título e data do documento |
Órgão produtor do documento |
Informações relevantes para o caso |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 01-13) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Pedido à CEMDP. 25/03/1996 |
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Familiares pedem o reconhecimento do caso de Otoniel Campos Barreto em razão da sua morte e desaparecimento do seu corpo. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 16) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf) |
Procuração de Olival Campos Barreto |
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Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 17) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Certidão de Nascimento de Otoniel Campos Barreto |
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Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 23-39) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Trechos do relatório da Operação Pajussara |
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Trechos do documento oficial emitido pelos agentes da Ditadura sobre a Operação que matou Otoniel Campos Barreto e demais militantes da esquerda brasileira. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 41-55) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Fotos de Otoniel morto |
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Cópias de fotos de Otoniel morto. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 56-57) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Relatório de viagem – -08/09/1971 |
Delegacia Regional da Bahia/Departamento de Polícia Federal/ |
Foram encaminhados de Salvador para a cidade de Oliveira dos Brejinhos as vítimas da Operação Pajussara. O relatório diz sua missão e como foi feito o transporte. “Viajar para a cidade de Oliveira dos Brejinhos a fim de proceder ao levantamento datiloscópico de “dois terroristas” abatidos na ‘Fazenda Buriti’ no município de Brotas de Macaúbas” [...] Datiloscopista: TITO ROLAND FILGUEIRAS DE SOUZA e MANOEL PETRONÍLIO DA SILVA [...] No relatório, O agente Tito Roland afirmou “ao chegar na respectiva cidade, apresentei-me ao major Cerqueira, Chefe das operações no local, em consequência, recebi ordens de ali permanecer e aguardar novas instruções. Fui informado por aquela autoridade, que o levantamento Datiloscópico somente poderia ser feito em Salvador. Ponderei, então, que era conveniente ser feito no local onde estavam os corpos, pois os mesmos ainda ofereciam possivelmente condições, face a condição de morte recente, o que facilitaria sobremaneira o trabalho técnico [...] Por ordem do senhor Major Cerqueira recebi a incumbência de acompanhar os dois corpos, respectivamente de Luiz Antônio Santa Bárbara e Otoniel Campos Barreto, bem como escoltar o preso Alderico (sic) Campos Barreto, este ferido em razão do estouro do aparelho rural, desta maneira fomos transportados para esta capital em Avião C-47 da FAB que desceu na base aérea do Salvador às 16:45 horas. O elemento foi entregue ao comando da Base Aérea e os dois corpos foram colocados em viatura desta DR que ali já estava estacionada e dirigida pelo motorista policial WALDEMAR NASCIMENTO e pelo agente federal NILTON MUNIZ BARRETO”. O documento teve despacho assinado também pelo coronel e chefe da polícia federal LUIZ ARTUR GOMES DE CARVALHO. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 74-73) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Laudo do exame cadavérico |
Instituto Médico Legal Nina Rodrigues-BA com data 29/08/1971 e hora 19:00 |
O laudo foi assinado pelos médicos legistas Francisco Peixoto Filho e Fernando Marques Lima, descreve algumas lesões e diz que Otoniel morreu de “anemia aguda”.
“O laudo necroscópico, contudo, é impreciso e não estabelece a trajetória dos disparos, mas permite concluir que recebeu um disparo na cabeça, de frente, e foi metralhado pelas costas. Há ainda um disparo no ombro direito, com orifício de entrada de cima para baixo, indicando que deveria estar deitado ao receber tal projétil”. (Dossiê Ditadura, p. 275) |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 74) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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OF. IMLNR/Nº 1.126/94 |
Instituto Médico Legal Nina Rodrigues-BA |
Ofício direcionado à advogada Ronilda Noblat assinado pelo diretor José Américo Seixas Silva. “Não localizamos os Laudos cadavéricos de José Campos Barreto. Informamos ainda que neste período existem ainda alguns cadáveres ignorados” |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 75) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Certidão de óbito de José de Araújo Barreto, pai de Otoniel. |
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Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 76) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Certidão de Óbito de Adelaide Campos Barreto, mãe de Otoniel |
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Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 82-83) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Declaração de Lourival Soares Pereira – 17 de outubro de 1995 |
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Declarações sobre as circunstâncias dos assassinatos da Operação Pajussara. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 84-85) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Declarações de Claudionor Pereira Vasco |
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Declarações sobre as circunstâncias dos assassinatos da Operação Pajussara. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 86) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Declarações de Olival Campos Barreto, irmão de Otoniel |
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Declarações sobre as circunstâncias dos assassinatos da Operação Pajussara. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 87-88) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Declarações de Maria Dolores Campos Barreto |
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Declarações sobre as circunstâncias dos assassinatos da Operação Pajussara. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 89-91) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Trecho do Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos a partir de 1964 |
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Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 92-95) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Memorial aos autos do processo enviado à CEMDP |
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Documento assinado pela advogada Maria Danielle Estenssoro que teve procuração dos familiares de Otoniel. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 96-100) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Auto de Qualificação e Interrogatório- 18/4/1979 |
Auditoria da 6ª Circunscrição Militar |
Interrogado: Olderico Campos Barreto |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 101-108) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Inquirição de testemunhas – 20/04/1979 |
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Foi inquirido Rosalvo Machado Rosa. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 104-103) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Inquirição de testemunhas – 23/03/1972 |
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Foi inquirido Reuel Pereira da Silva |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (pp. 111-117) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Voto de Luiz Francisco Carvalho da S. Filho para a CEMDP no processo 274/96 |
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Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 118) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Diário Oficial- 19/11/1996 |
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Publicação referente ao processo de Otoniel Campos Barreto na inclusão da Lei 9.140. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 119-121) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Decisão da CEMDP |
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Os irmãos requerentes consideram Otoniel Campos Barreto desaparecido político. O CEMDP indenizou a família no dia 17 de abril de 1997 mas não houve decisão sobre a localização dos restos mortais. |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 122-135) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Cópias de fotografias de Otoniel |
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As cópias mostram a entrada e sepultamento do corpo no cemitério do Campo Santo, em Salvador, com a presença do Coronel Luiz Artur Gomes de Carvalho e do pai de Otoniel, José de Araújo Barreto |
Arquivo da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos. (p. 136-137) (Anexo 003-processo-cemdp.pdf)
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Despacho CEMDP – 06/10/1997 |
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O despacho de pagamento de indenizações se refere aos casos de Otoniel Campos Barreto e José Campos Barreto |
Arquivo Nacional de Brasília – documento enviado da CNV para Comissão “Rubens Paiva” (Anexo 005-relatorio-operacao-pajussara.pdf) |
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Relatório completo da Operação Pajussara |
Comissão da Verdade “Rubens Paiva” (Anexo 002-pedido-familia-barreto.pdf) |
Ofício |
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Pedido da família Barreto para localização e translado dos corpos de Otoniel Barreto e demais vítimas para o Memorial dos Mártires, construído no povoado de Pintada, município de Ipupiara-BA. |
Arquivo da família Barreto Anexo 001-otoniel-vivo.jpg) |
Foto de Otoniel vivo |
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Comissão da Verdade “Rubens Paiva” (Anexo 004-transcricao-audiencia.pdf) |
Transcrição da audiência pública realizada no dia 15 de julho de 2014. |
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Depoimentos de Olderico e Olival Campos Barreto |
2. Testemunhos sobre o caso prestados à CNV ou às comissões parceiras
Identificação da testemunha |
Fonte |
Informações relevantes para o caso |
Olival Campos Barreto, irmão de Otoniel |
(Anexo 004-transcricao-audiencia.pdf) |
“Não é fácil, pra mim, falar sobre esse assunto. Principalmente assim, em público. Eu já tentei umas vezes, aí, e não consegui. Vou ver se eu consigo, hoje, falar alguma coisa, falar do que eu presenciei lá, mais da parte, mesmo, da Operação, quando eles invadiram nossa casa. E as cenas de brutalidade, mesmo, que eu presenciei, com a idade que eu tinha, estava completando 12 anos, então, são coisas, assim, que ficou marcado, mesmo. E, durante esse período todo, eles ficaram instalados, na nossa casa, durante uma semana. Eu assisti muito eles batendo no meu pai, não é, ouvia os gritos dele. E não foi ele. Foi uma coisa muito pesada pra minha infância, e até hoje. Então, eles ficaram por ali, na nossa casa. No momento em que eles chegaram, houve a morte do Otoniel e do Luiz Antônio, que era o Roberto, nosso professor, que Zequinha tinha levado pra lá, para dar aula para nós. [...] E, durante esse período, eles ficavam com meu pai, pra cima e pra baixo, levando eles pra fazer aquelas buscas, ali, que o que eles queriam, mesmo, era pegar o Cirilo , que eles chamavam o Lamarca de Cirilo. Era, “E o Cirilo, o Zequinha, onde é que eles estão?”, essa coisa. Eu sei que eles ficaram por ali de 28 de agosto, foi num sábado, até a sexta-feira seguinte” |
Olderico Campos Barreto, irmão de Otoniel |
(Anexo 004-transcricao-audiencia.pdf) |
“A casa da gente foi cercada, tenho aqui, ao meu lado, meu irmão, que tinha 11 anos, e que presenciou todo esse cenário de guerra, de violência, numa situação que, até hoje, ela é inesquecível pra nós, pra ele. E, a família, passou por um processo que não parece nada com coisa do Brasil, nada com a realidade nossa, uma coisa totalmente fora dos padrões, de sofrimento, nacionais. A gente pode dizer na qualidade de familiar, que no dia 28 de agosto de 1971, a gente amanheceu com nossa casa cercada, e, nesta casa, que estava meu pai, meu pai, essa criança, que tinha 11 anos, minha irmã de 15 anos, 16, e receber... Eu estava ali, Zequinha já não estava ali, nós já tínhamos um prenúncio de que já estava, o cerco tático daquela Operação, já estava acontecendo. E, Zequinha, já saiu dali numa quarta, isso foi no sábado, esse 28 de agosto, e Zequinha mantinha distância, porque... E nós já tínhamos uma vigília. Nós passávamos a noite nos revezando, dormia-se duas horas, o outro acordava o que estava vigiando. E nós já estávamos com esse estado de vigília, na casa. E, esse estado de vigília, de alguma maneira, nos deixou com alguma preparação. Porque as pessoas que não participaram dessa vigília, as crianças, que foram totalmente surpresa, pra mim foram o maior, foram os mais atingidos, os mais, não é, a ausência... O fator surpresa, tudo. Então, eu vinha participando dessa vigília, junto a Santa Bárbara, junto ao Otoniel, que ainda estavam dentro de casa, um dormia até sete horas da noite, outro dormia, depois acordava, e, nós tínhamos, nessa noite, então, de 28 , pra amanhecer o dia 28 , nós, eu e o Otoniel, acabávamos de chegar do acampamento, onde estavam o Zé e o Lamarca , estava a mais ou menos 1500 metros de distância do povoado , e a gente chegou dali, com uma missão, apenas, que era a mais importante: era de manter os nossos companheiros informados. Eles não queriam, escutaram, pediram, nós não tínhamos que reagir, nós não tínhamos que nos, era importante, se possível, visse alguma coisa, se visse um corpo estranho, nos escondesse, depois, se aparecesse para dar informação, era. E, ali, se esperava tropas regulares, porque tinha uma notícia de que, num município, já haviam queimado um cartório, uma ação, típica, da esquerda brasileira, não é, de protesto, de queima de cartório, e que este cartório ia ser investigado. Se esse cartório ia ser investigado, nós, pelo fato de Zequinha estar ali perto, no município vizinho, e esse cartório ia ser investigado, poderiam ir uma investigação até a nossa casa, e isso levou o Zequinha a nos deixar um recado: caso haja alguma, chegue alguém da Repressão , qualquer que seja a repressão , que a gente dissesse que Zequinha saiu, se insistisse, quisesse arrancar da gente, a gente pudesse dizer que ele foi pra Ibotirama, dando já uma saída, pra que a gente não morresse na tortura, e que ele disse que só voltaria depois que descobrissem a queima desse cartório. Que, na realidade, esse cartório já fez parte da estratégia da Operação Pajussara, de queimar um cartório, para poder Lamarca não se afastar dali [...]Então, esse fator, aí, nós já passamos pelo primeiro fator surpresa, quando vimos a nossa casa cercada por homens armados, metralhadoras, fuzis, e sem farda. Isto, nós esperávamos. Todo raciocínio que eu tinha com meus 23 anos, de inexperiência em tudo, mas, quando vi aqueles homens que já eram a imagem , esses homens, eu tinha passado, aqui, estava num bar, um bar, padaria, e vi aqueles homens sentados, de metralhadoras, depois do assassinato de Marighella , isso eu tinha visto em São Paulo, e, depois, de outros assassinatos, lá em Altino , e que eu vi aqueles homens, que eu, inclusive, passei por eles num bar, apanhando um pão, e vi esses homens chegarem na minha casa, então eu identifiquei que era o Esquadrão da Morte, e senti a necessidade de informar os companheiros. Porque, em casa, não tinha nenhuma tropa regular, e, sim, o Esquadrão da Morte, e, aí, não tinha como a gente sair, mais. Otoniel recebeu uma coronhada, no abrir da porta do fundo de casa, e, no receber essa coronhada, ele estava assistindo, na realidade, a gente tinha dois revolverzinhos no bolso, e Tadeu, meu primo, me chama já que o Buriti estava cercado por homens armados, e eu fui chamar o Otoniel, que era a única pessoa, que nós acabamos de chegar, à meia noite, fui lá, acordá-lo, para dar essa informação. E na hora, pelas informações que a gente tinha de Zequinha e Lamarca, guardar nossos revólveres, ficamos discutindo o que fazer: “Toni, você guarda o seu num lugar, e eu guardo o meu no outro, porque, se acharem um, não acham os dois”. E, aí, ficamos imaginando. Nisso, ele vai saindo para o fundo da casa, e o nosso portão, cortado horizontalmente, tinham duas metades, quando ele abre a parte superior, levantam quatro armas, ali. Ali, eu tinha visto três metralhadoras e um fuzil, nesse portão. E, no abrir, ele tomou um susto, o cara já puxou ele pela camisa, pela abertura, e puxaram pra fora, e, o do fuzil, já deu uma coronhada, e já jogaram ele, pra fora, e viraram as armas pra mim. E é nessa hora que eu fiquei com a opção, ou de me entregar, ou de avisar. Mas o avisar falou mais alto, e eu digo: “Não, não vou me entregar, morrer, aqui, sem avisar meus companheiros, que vão acabar, também, morrendo aqui”. E, aí, como eu não consegui guardar esse revolvinho, que era um revólver calibre 32, que era muito levezinho, que a gente viajava, muito, a cavalo, por serras, e é bom dizer que, no Buriti, não tinha estrada de rodagem, todo percurso que a gente fazia por aquelas serras, era a cavalo ou a pé, então, acabei utilizando desse revólver para sair, avisar meus companheiros desta presença. E, ali, quando eles foram prendendo Otoniel, que puxaram pra lá, viraram essas armas para mim, e: “Venha você, também”. Eu estava ao redor, encostado na nossa mesa da sala, e tinha uma varanda, pela frente, onde tinham duas portas, à esquerda: a entrada da cozinha, e, mais adiante, a entrada de um quartinho. Quando eu vi as armas, eu digo: “Se eu entrar naquele quartinho, eles me atingem”, porque ficava só um meio metro de parede. Então, fui andando, obedecendo essa trajetória, e entrei na porta da cozinha. A porta da cozinha estava aberta, então, do jeito que eu fui seguindo, eu me escondi. E, ali, tomei a decisão, qual seria, e a decisão foi essa: se eu caio, aqui, primeiro, a tendência era, morrer, morrer, que eu já conhecia do grupo, era você morrer na tortura. E, morrer na tortura, e levar os outros companheiros na morte. Então resolvi, peguei esse revolvinho 32, saí com ele, e, quando eu botei a cabeça, só via a cabeça dos homens no portão, eles fecharam a parte de baixo, e eu só via os olhos, deles, e as bocas das armas, estavam todos, em mira, na minha direção. Dei o primeiro disparo, eles limparam esse portão, mas, eu já comecei a ouvir, dos dois cantos da casa, o tiroteio pro meu lado, e, em seguida, eles entraram os três, ficaram três fontes de tiroteio. E é bom dizer isto: eu achava aquilo baixo. Eu estava achando muito pouco, que era um amanhecer, e meus companheiros estavam muito distantes. Não era um tiro para acordar alguém, ali. Eu queria mais. Eu acho que, se tivesse morrido, e morri, depois, por algum tempo, mas morria achando que ainda não tinha cumprido minha missão, que aquele barulho ainda não era suficiente para romper 1.500 metros, para chegar lá. E, aí, eu minimizava esse barulho, e achava até, que era, eu pensei inicialmente, quando não me atingiram, que aquilo fosse bala de borracha, eu pensei, digo, deve ser uma brincadeira, e não acreditei, até que fui ferido. [...]Eu só queria acordar esse pessoal [Zequinha e Lamarca, que estavam no acampamento], e dizer: “Não é tropa regular, não é nenhuma arma o que está aqui, e, sim, é o Esquadrão da Morte”. Eles estavam num pico de um morro, atrás de uma propriedade da gente, que, pra propriedade, é de dois km, mas na linha reta desse pico de morro dava, em média, 1.500 metros” |
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3. Depoimentos de agentes do Estado sobre o caso, prestados à CNV ou às comissões parceiras
Identificação do Depoente
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Fonte |
Informações relevantes para o caso |
NILTON ALBUQUERQUE CERQUEIRA, general do Exército |
CNV (Anexo 006-generais-convocados-cnv.pdf) |
Em depoimento, ao ser indagado pelo membro da CNV Pedro Dallari, Nilton, orientado por seu advogado, disse que não tinha nada a declarar sobre a Operação Pajussara em audiência realizada no Rio de Janeiro do dia 29 de julho de 2014. |
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CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA O CASO
Otoniel Campos Barreto é considerado desaparecido político, por não ter sido entregue os restos mortais aos seus familiares, não permitindo o seu sepultamento até os dias de hoje. Conforme o exposto no parágrafo 103 da Sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros: “adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subseqüente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade (...)”.
No parágrafo 110 do mesmo documento é mencionado que: “(...) pode-se concluir que os atos que constituem o desaparecimento forçado têm caráter permanente e que suas conseqüências acarretam uma pluriofensividade aos direitos das pessoas reconhecidos na Convenção Americana, enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever correlato de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis, conforme as obrigações decorrentes da Convenção Americana”. (Sentença da Corte Interamericana, p. 38 e 41, publicação da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo).
Diante das circunstâncias do caso e das informações obtidas até o momento pôde-se concluir que Otoniel Campos Barreto fora assassinado sob brutal violência. Após ser torturado ao lado da sua família, tentou fugir e levou tiros pelas costas e depois vários disparos, até tombar no meio do povoado do Buriti Cristalino, município de Brotas de Macaúbas-BA
Recomendações:
Retificação do atestado de óbito, constando as informações reveladas sobre sua morte, conforme relato e fotos anexadas; Localizar no Arquivo Nacional demais documentos tido como secretos que possam revelar mais informações sobre Otoniel. Identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos nesse crime. Identificar o paradeiro dos restos mortais de Otoniel no Cemitério do Campo Santo, em Salvador, Bahia e realizar o translado para o Memorial dos Mártires, no povoado de Pintada-BA.